• Nenhum resultado encontrado

Maturidade e expansão do pensamento whiteano (1888-1915)

2. ASPECTOS DA TEOLOGIA WESLEYANA DA SANTIFICAÇÃO

1.5 Maturidade e expansão do pensamento whiteano (1888-1915)

Um dos eventos fundamentais na vida de Ellen White, relativo à sua soteriologia, foi a Conferência Geral3 de Minneapolis, em 1888. Esta conferência se tornou o divisor de águas nas discussões soteriológicas da igreja. Muitos dos tópicos tratados naquela conferência produziram uma divisão entre os líderes da igreja. Enquanto que, até este momento, a ênfase da pregação adventista era caracterizada por um tipo de “farisaísmo”, enfatizando o esforço próprio e a necessidade da observância da lei de Deus para salvação, a conferência de Minneapolis procurou redirecionar o foco da pregação adventista para uma mensagem mais cristocêntrica. Nos três anos que se seguiram a esta conferência, White manteve viagens contínuas pelo país em apoio à ênfase do tema “justiça pela fé”, proposto em Minneapolis. A década que se seguiu testemunhou o período de maior produtividade literária em White. Como resumiu White, “devocão, piedade e santificação de todo o ser vêm por meio de Jesus Cristo nossa justiça” (WHITE, 1987, v. 2, p. 668). Esta preocupação na centralidade de Cristo

3

Este termo é utilizado para designar os encontros gerais da Igreja Adventista do Sétimo Dia, onde representantes da igreja mundial são reunidos para tratar de assuntos administrativos, financeiros, doutrinários e etc. O termo possui sua origem no conceito metodista de “conferência geral”.

no processo de santificação também pode ser observada em uma carta que escreveu em 1892 para seus sobrinhos, enquanto estava morando na Austrália.

A santificação da alma é realizada contemplando-O pela fé como o unigênito Filho de Deus, cheio de graça e verdade. O poder da verdade transforma o coração e o caráter. Seu efeito não é como uma pincelada de cor aqui e ali numa tela; todo o caráter deve ser transformado; a imagem de Cristo deve ser revelada em palavras e atos. Uma nova natureza é imputada. O ser humano é renovado após a imagem de Cristo em justiça e verdadeira santidade (WHITE, 1987, v. 3, p. 1065).

Em 1891, White viajou para a Austrália, onde permaneceu por quase 10 anos. Ali, entre algumas contribuições, ela ajudou a fundar o colégio de Avondale, que existe até hoje (WHITE, 1983, p. 4:304-314). Durante este último período, podemos também encontrar as suas obras mais cristológicas. Entre elas, encontramos Caminho a Cristo (1892) que é um desenvolvimento no tema da justificação pela fé; O maior discurso de Cristo (1896) que é um comentário a partir dos pronunciamentos de Jesus enquanto estava no monte das oliveiras, relatados em Mateus 5 a 7. Nesta seqüência, encontramos O Desejado de Todas as Nações (1898), uma obra extensa tratando da vida de Jesus como relatada nos evangelhos. É nesta obra que podemos encontrar suas melhores observações e percepções cristológicas. Ao estudar esta obra, podemos entender um pouco mais do processo de escrita empregado por White. Este livro foi um “derivado”, como afirma Herbert Douglas, de outras obras que ela já havia publicado (DOUGLAS, p. 451). Artigos, manuscritos e diários foram reutilizados para a publicação deste livro. White também fazia uso de assistentes de redação. Ela empregava pessoas para ajudar-la na elaboração de suas obras. Muitas vezes, devido às suas limitações educacionais e físicas, as suas inúmeras viagens e atividades constantes, seu texto podia ficar debilitado. Para tanto, ela utilizava a ajuda de editores para tornar suas idéias mais compreensíveis (DOUGLAS, p. 109-110). Eles também ajudavam a catalogar os materiais escritos ou idéias que ela encontrava em outras obras que costumava ler.

Finalmente, em 1900, White volta para os Estados Unidos e estabelece sua residência em Elmshaven, Califórnia, onde fica até sua morte em 1915. Um dos fatores que motivou sua volta aos Estados Unidos foi a notícia de um movimento que promovia a “carne santa”. Conforme Arthur White descreve,

Em 1898 e 1899, o irmão S. S. Davis, evangelista da associação4 de Indiana, desenvolveu e promulgou ensinamentos que incentivaram o

4

“Associação” é um termo empregado por adventistas para identificar uma unidade administrativa da organização da Igreja Adventista do Sétimo Dia composta de igrejas locais dentro de uma área específica, como por exemplo um estado (NEUFELD, 1996, vol. 10, p. 404).

surgimento deste movimento. As características básicas desta estranha doutrina, que era chamada de “a mensagem purificadora”, eram que quando Jesus passou pelo Jardim do Getsemani, ele teve uma experiência em que todos que O seguem devem ter. Era ensinado que Jesus tinha carne santa, e que aqueles que O seguissem através desta experiência do Jardim, igualmente teriam carne santa. Eles eram então filhos “nascidos” de Deus e tinham a fé para “trasladação”. Tendo carne santa como Cristo, eles não podiam experimentar a corrupção mais do que Ele experimentou (WHITE, 1981, v. 5, p. 100-101).

As reuniões daqueles que procuravam a experiência da “carne santa” eram marcadas por longas orações, música alta e confusa, pregações “agitadas, extensas e histéricas”. Esta experiência religiosa culminava em êxtase e esgotamento físico. As pessoas que caiam ao chão em êxtase eram levadas até a plataforma onde uma dúzia de pessoas se reuniam ao redor do corpo prostrado e oravam, cantavam e proferiam exclamações. Quando a pessoa finalmente recobrava a consciência, “era afirmado que ela havia passado pela experiência do Jardim – ela possuía carne santa e a fé para trasladação” (Ibid., p. 101).

Este foi um movimento que varreu as igrejas da Associação de Indiana, sendo que um dos maiores defensores deste movimento era o próprio presidente da Associação – R. S. Donnell. Qualquer pessoa que ousasse criticar ou pregar contra as idéias relacionadas à “carne santa” era rejeitada e tida como ignorante, pois ela não havia passado por esta “experiência” e, portanto, não sabia do que estava falando. Era uma experiência que muitos almejavam ter e grandes multidões eram atraídas.

White não deixou isto passar desapercebidamente. Na próxima reunião da Conferência Geral em 1901, diante da presença dos pastores da igreja, incluindo R. S. Donnell e os pastores de sua associação, White proferiu um discurso apontando os conceitos que, segundo ela, eram incorretos e iludiam os membros da igreja.

O ensino dado com relação ao que é denominado de “carne santa” é um erro. Todos podem obter agora corações puros, mas não é correto pretender nesta vida possuir carne santa. Aos que tem procurado tão afanosamente obter pela fé a chamada carne santa, quero dizer: não a podeis obter. Nem uma alma dentre vós tem agora carne santa. Ser humano algum na terra tem carne santa. É uma impossibilidade. [...] Seja esse aspecto de doutrina levado um pouco mais longe, e conduzirá à pretensão de que seus defensores não podem pecar; de que uma vez que tenham carne santa, suas ações são todas santas (WHITE, 2009, v. 2, p. 32).

White continua, mostrando que em sua obra de santificação, Deus procura santificar “corpo, alma e espírito”. Deus procura restaurar Sua imagem moral no homem através das faculdades físicas, mentais e morais. Isto acontece através da obediência às leis de Deus,

sejam elas morais, físicas ou biológicas. Apesar de negar a possibilidade de obter “perfeição na carne”, White reconhece o alvo da santificação, que é “perfeição cristã da alma”. Nossos pecados podem ser perfeitamente perdoados e nossa consciência pode ser libertada da condenação. No entanto, as conseqüências do pecado nos acompanharão até o fim da vida. É apenas quando Deus levar seus filhos aos céus que este finalmente receberão “carne santa”. Cristo, por ocasião de sua segunda vinda, transformará “nosso corpo batido, para ser conforme o Seu corpo glorioso” (Ibid., p. 33). O conceito que ela matinha de santificação e perfeição cristã era distintamente diferente daquele promovido por R. S. Donnell em sua associação.

A maneira por que têm sido dirigidas as reuniões em Indiana, com barulho e confusão, não as recomendam a espíritos refletidos e inteligentes. Nada existe nessas demonstrações que convença o mundo de que possuímos a verdade. Mero ruído e gritos não são sinal de santificação, ou da descida do Espírito Santo. Vossas desenfreadas demonstrações só criam desagrado no espírito dos incrédulos. [...] A excitação não é favorável ao crescimento na graça, à genuína pureza e santificação do espírito. [...] Deus chama Seu povo a andar com sobriedade e santa coerência. Eles devem ser muito cuidadosos de não representar mal e nem desonrar as santas doutrinas da verdade mediante estranhas exibições, por confusão e tumulto (Ibid., p. 35- 36).

Depois da morte de Ellen G. White, em 1915, foi organizado um depósito dos seus escritos em Elmshavem, origem do que hoje é conhecido por Ellen G. White Estate (Patrimônio Literário Ellen G. White) que se encontra em Washington DC, na sede administrativa da igreja. Tal patrimônio tem como objetivo manter e disponibilizar os materiais de Ellen White, procurando também promover sua tradução para outras línguas. Depois de 1915, foram publicados outros cinqüenta livros contendo compilações de seus escritos. Após o inglês, a língua portuguesa é a que possui maior quantidade de livros traduzidos. Seus pensamentos e escritos continuam influenciando a Igreja Adventista do Sétimo Dia até hoje. “A história de sua vida”, escreveu F. M. Wilcox, “é a história deste movimento. Os dois se misturam na experiência” (1913, p. 8).

2 Aspectos da teologia whiteana da santificação

Da mesma forma que em Wesley, o conceito whiteano sobre santificação não se apresenta desligado de outros temas da teologia. Nesta próxima seção, veremos como White entendia a santificação e seu relacionamento com 1) a natureza do homem e o pecado, 2) a expiação, 3) a justificação, 4) a obediência à Deus, e 5) a perfeição cristã.