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2. ASPECTOS DA TEOLOGIA WESLEYANA DA SANTIFICAÇÃO

2.1 Natureza do ser humano e pecado

A doutrina do pecado original, assim como o da justificação pela fé e da santificação eram consideradas essenciais para a religião (WARD e HEIZENRATER, v. 4, p. 456). Wesley seguia a interpretação reformista do pecado original, colocando o homem em seu

estado natural como totalmente corrompido. “Como que fará o pecador propiciação pelo menor de seus pecados? Com suas obras? Não. Ainda que estas sejam muitas e sejam santas, não lhe pertencem, mas são de Deus. Na verdade todas essas obras são ímpias e pecaminosas, reclamando nova propiciação. Somente frutos corrompidos pendem de uma árvore corrupta” (WESLEY In: OUTLER, v. 1, p. 118). Sendo assim, o homem em seu estado natural, pecaminoso, não reflete mais a imagem de Deus. A expressão “Imagem de Deus” pode ser entendida de três formas: a imagem moral, a natural e a política.

A “imagem de Deus”, na qual Adão foi criado, consistia basicamente em justiça e verdadeira santidade. Mas aquela parte da “imagem de Deus” que permaneceu após a queda e permanece em todos os homens até hoje é a imagem natural de Deus, expressamente, a natureza espiritual e a imortalidade da alma; sem excluir a imagem política de Deus, ou um grau de domínio sobre as criaturas que ainda permanecem (WESLEY, v. 9, p. 381).

Das três, a imagem moral é a que se encontra hoje a mais apagada, deixando de refletir a Deus, e refletindo a própria “imagem do diabo” (WESLEY In: OUTLER, v. 2, p. 190).

Segundo Wesley, não havia apenas uma natureza corrupta inerente ao homem. Este era também culpado. Pela sua própria natureza, ele se tornava culpado, e desta forma, um filho da ira de Deus. Para que o homem possa ser salvo, é crucial haver uma “profunda convicção de sua pecaminosidade”. Esta convicção também deveria incluir a culpa. “Tal consciência profunda do pecado e convicção da culpa é impossível a menos que ele saiba que sua natureza é corrupta” (LINDSTRÖM, p. 34). Neste aspecto, Wesley parece divergir da visão agostiniana, no sentido que a culpa possui dois aspectos. Há uma culpa que é hereditária e outra que é pessoal. A diferença se percebe nas conseqüências. Enquanto que a culpa hereditária provoca a morte temporária e espiritual do homem, a culpa pessoal resulta na morte eternal. Se alguém morre para a eternidade, acreditava Wesley, era por suas próprias ações (Ibid., p. 35). “Creio que ninguém morreu ou um dia morrerá eternamente, simplesmente por causa do pecado de nossos pais” (WESLEY, v. 9, p. 315). Ele rejeitava a idéia calvinista de predestinação e enfatizava a escolha humana como o elemento que determina o destino humano. Se o homem for condenado, é devido às suas próprias escolhas e ações. Estas escolhas pecaminosas podem se revelar através de pecados internos ou externos (visíveis).

A hamartologia de Wesley reflete, em parte, os Artigos da Fé da Igreja Anglicana. No entanto, em distinção com estes artigos, Wesley omite a expressão “cada pessoa nascida neste mundo merece [...] a condenação divina” (RENDERS, p. 200). O pecado original, apesar de

não condenar o ser humano, o influencia em cada aspecto do relacionamento humano, seja ele privado ou público. Este também impossibilita a idéia de mérito por parte do ser humano. Em Princípios de um Metodista, Wesley afirma: “Como, pelo pecado original, a nossa corrupção é tão grande, toda nossa fé, caridade, palavras e obras não podem se tornar um mérito [...] de qualquer parte da salvação para nós” (WESLEY In: OUTLER, v. 9, p. 52). O ser humano, apesar de ser totalmente corrupto, possui “uma medida de livre escolha e certo poder de discernimento” (LINDSTRÖM, p. 45). Tal liberdade está baseada na graça, não é irresistível, pois o homem possui a capacidade de escolher e assim, trabalhar com ou contra Deus. A graça preveniente capacita o homem a escolher qual caminho ele seguirá. Bonino identifica aqui uma sinergia divino/humana (1988, p. 21-23). Este conceito é ampliado em Desenvolvendo nossa salvação (Nº 85), publicado na Arminian Magazine em 1785. Neste trabalho, Wesley parte do texto “porque Deus é quem efetua em vós, tanto o querer como o realizar”, de Filipenses 2:13. A partir deste verso, dois conceitos são desenvolvidos: o do querer e o do realizar.

Primeiro, o querer, abarcaria a religião interior, e o fazer, a religião exterior. E, se for assim entendida, essa interpretação implica que é Deus quem opera tanto a santidade interior, quanto à exterior. Segundo, o querer referir-se-ia a todo o bom desejo; o fazer, o que quer que disso resulte. E, então, a sentença significa que Deus inspira em nós todo o bom desejo, e faz com que todo bom desejo produza bom resultado (WESLEY, 1986, v. 6, p. 508).

Deus inicia o processo transmitindo para o crente a vontade de ser santificado. Este, por sua vez, precisa “fazer”, “operar”, “participar” da santificação iniciada por Deus. Wesley lembra que é porque Deus inicia o processo, que nós podemos participar. Portanto, a participação humana no processo de santificação consiste em “cessar de fazer o mal e aprender a fazer o bem”. Usando as palavras de Santo Agostinho, “aquele que nos fez sem nós, não nos salvará sem nós”. Deus não nos salvará, a menos que

“nós mesmos nos salvemos desta geração perversa”; a menos que nós mesmos “lutemos o bom combate da fé, e tomemos posse da vida eterna”; a menos que “nos esforcemos por entrar pela porta estreita”, “nos neguemos a nós mesmos, e tomemos nossa cruz a cada dia”, e trabalhemos, por todos os meios possíveis, para “confirmar nosso próprio chamado e eleição” (Ibid., p. 513).

Diante dos pensamentos de Wesley, William Cannon acerta no ponto quando afirma que Wesley “segue junto a Calvino, Lutero e Agostinho em sua insistência de que o homem é, por natureza, totalmente destituído de justiça e sujeito ao juízo e ira de Deus” (CANNON,

1946, p. 200). Pecado, portanto, normalmente é tido por Wesley como o pecado inerente (LINDSTRÖM, p. 41). Tal pecado inerente é tido como uma doença que pode ser erradicada da pessoa (WESLEY, v. 6, p. 64). Sendo assim, o alvo da santificação é a erradicação total da natureza pecaminosa no ser humano. Negar a pecaminosidade humana seria tornar o evangelho sem sentido, pois sem doença (pecado) não há necessidade de cura (salvação) (COBB, 1995, p. 81).

Em seu sermão Sermão do Monte I (Nº 21), Wesley compara a natureza pecaminosa a uma doença (lepra) que acompanha o ser humano desde seu nascimento.

Em mim, - diz ele [o pecador] – “não há nenhum bem”, mas, sim, tudo que é mau e abominável. Possui sentimento profundo da lepra asquerosa do pecado, que trouxe consigo desde o ventre de sua mãe, espalhando-se por toda sua alma e totalmente corrompendo todos os seus poderes e faculdades. Vê cada vez mais nitidamente as inclinações más que resultam daquela raiz perversa: o orgulho e a altivez de espírito, a constante tendência para pensar de si mesmo mais altamente do que convém; a vaidade, a sede de estima e de honras da parte dos homens; o ódio ou a inveja, o ciúme ou a vingança, a ira, a malícia ou a amargura; a inata inimizade tanto contra Deus como contra o homem, que se exterioriza de mil modos; o amor do mundo, o egoísmo, os desejos loucos e insensatos que se lhe apegam ao íntimo da alma (WESLEY In: OUTLER, v. 1, p. 477).

A partir deste pensamento, entendemos que os diferentes atos ou atitudes são meros sintomas da raiz, a verdadeira doença, que existe em todo ser humano. Doença não deveria ser entendida apenas como estas meras expressões externas, mas sim como a própria raiz que jaz silenciosa por detrás de cada ato pecaminoso. Esta é a raiz que deveria ser erradicada do ser humano. Ela causa separação entre Deus e a humanidade (Ibid., p. 185), levando-a a produzir atos, palavras e pensamentos pecaminosos. Maddox enfatiza a preferência de Wesley pelo conceito de “pecado inato” em contraste com o conceito agostiniano de “pecado original”, sendo que o primeiro enfatiza a necessidade de cura, da graça restauradora, e da erradicação do pecado; enquanto que o segundo enfatiza a necessidade de justificação (forense) (MADDOX, 1994, p. 82).