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3. DE “ADVOGADO DE BANDIDO” A ADVOGADO COMBATIVO: A CONSTRUÇÃO DO SELF PELOS ADVOGADOS CRIMINALISTAS.

3.3. MATURIDADE PROFISSIONAL

Se os profissionais iniciantes descrevem a profissão como difícil, os advogados mais experientes entendem que o tempo não faz com que essas dificuldades cessem. João explica que o tempo de profissão não elimina a visão que as demais carreiras jurídicas têm do advogado criminalista, mas permitem a este desenvolver experiência para se movimentar nesse campo e lidar melhor com os conflitos.

A coisa não fica mais fácil. O que acontece é que você vai adquirindo experiência e lida melhor com os desafios. Não é: Mas... não faz cinco anos, eu não posso citar, mas eu entrei em outra sala, e essa pessoa ia se aposentar. Era um magistrado e ele olhou pra mim. E eu fui despachar um processo... criminal, por óbvio. E ele olhou pra mim e disse: ‘Dr João, eu vou me aposentar’. Eu disse: ‘Que bacana, Excelência! Que bom!’. ‘E vou advogar’. Eu disse: ‘Que maravilha! Vai advogar, é mesmo?’. ‘Mas não pra bandido’. Quer dizer, ele, que me conhecia há anos, que sabia que eu atuava na área criminal, olhou pra... vibrando com os novos projetos... Veja que não foi uma maldade! Não tô imputando isso como maldade. Mas veja a naturalidade de olhar pra você e ainda dizer assim: ‘Mas não pra bandido’. Ou seja, não vou atuar na área criminal (entrevista concedida em 14/05/2019).

Assim, na visão do entrevistado, o que muda, com o tempo, não são as dificuldades, mas o próprio profissional. Há, portanto, entre o início e a maturidade na carreira, a construção de um self do advogado criminalista, em que ele passa a lidar com as dificuldades que se impõem. João entende que não se pode mudar a forma como as pessoas o veem, mas ele pode mudar o modo de reagir às situações, portanto construir um self que percebe a forma como é visto e tratado, percebe desde as sutilezas até as formas mais ostensivas de hostilidade contra o advogado criminalista, mas adota a estratégia de tirar o peso dessas situações porque há um bem maior a perseguir, que é a defesa do acusado.

Você tira o peso da ocasião, porque você tem uma audiência a fazer, você tem um bem maior a conquistar. Agora esse sou eu. Um outro colega poderia agir de outra forma. Mas eu prefiro tirar o peso do momento porque eu tô buscando um bem maior. Sacrifiquem-se os peões! Mas isso marca. Quer dizer: o Ministério Público senta ao lado do juiz, mas eu não posso (entrevista concedida em 14/05/2019).

Não obstante, existem advogados que, por terem se especializado na defesa de causas de grande repercussão, se beneficiam da imagem de “advogado do diabo”, pois são advogados que se propõem a defender causas que têm grande repúdio não só da sociedade em geral, como de seus próprios pares. A defesa e, muitas vezes, o êxito nessas causas, faz com que esses profissionais ganhem renome. José, um dos advogados criminalistas que se enquadram nessa categoria, destaca este aspecto:

Por você estar consolidado, você sai daquele varejo, que a gente chama de “advogado de porta de cadeia”, então você não vai pegar mais clientes na porta da cadeia, como se diz, né? aquela clientela da criminalidade urbana, do cotidiano, acabam não aportando aqui no nosso escritório porque eles partem de uma ideia de que a advocacia, quando chega num certo patamar, pelo menos o nosso nome, fica uma advocacia muito cara, e eles não teriam condições de nos custear. E, quando você vai se especializando cada vez mais, você acaba pegando somente casos muito difíceis, muito complexos, de quase... de percentual de chance muito pequeno de êxito, entendeu? Mesmo assim tenho conseguido bastante êxito em algumas coisas que chegam aqui no escritório. Porque eu digo assim: “só chega pra cá o pessoal na UTI, nunca chega alguém com machucado leve pra gente resolver, só na UTI. Só chega causa realmente quando ninguém resolver, eles trazem pra cá” (entrevista concedida em 24/05/2019).

Isto não significa, porém, que estes advogados estejam imunes a sofrer algum tipo de desconforto profissional ou extraprofissional em razão da profissão, e sim que eles conquistam, devido à sua atuação profissional em causas consideradas muito complexas, uma posição de respeito dentro do campo. Percebe-se também uma referência pejorativa à figura do advogado de porta de cadeia no trecho destacado acima, sendo descrita como uma advocacia de varejo e atrelada a uma criminalidade cotidiana, o que aponta para a existência de um tipo de advogado discriminado dentro da própria advocacia criminal. Para o entrevistado, a consolidação do nome, que faz com que o profissional saia do patamar comum, também muda o perfil da clientela. Sigmund, também considerado um profissional renomado na área, por sua atuação em diversos casos de repercussão, diz que: “Nós, mais antigos, não sofremos tanto. Mas eu me preocupo com os mais jovens. Porque as nossas posições pessoais, pelo tempo que a gente advoga, ensejam às vezes o respeito até das partes adversas. Mas, assim, o mais jovem vai pegando todas essas dificuldades”. Da fala do entrevistado, percebe-se que os advogados que, com a consolidação do nome na advocacia criminal, conquistam o respeito das autoridades que se encontram processualmente do lado contrário, não sofrem tanto como outros que não atingiram este patamar, mas também não estão isentos de passar por situações constrangedoras por causa da profissão.

A atuação e o êxito em casos de repercussão, se de um lado expõe o advogado, por outro ajuda a consolidar o nome dele. Os entrevistados concordam que essa consolidação não é repentina e desconfiam de advogados que ascendem muito rápido na carreira. Pedro estima que a trajetória de um advogado criminalista é construída e consolidada em, no mínimo, uma década.

Durante os cinco primeiros anos, eu posso lhe dizer que eu não ganhava o suficiente pra me sustentar. Eu tinha lido na época, teve uma matéria da Veja que dizia que o auge da carreira do advogado se dá, não é o auge, desculpe. Que o momento em que o advogado se torna autossustentável na advocacia se dá com 10 anos. E incrivelmente pra mim foi exatamente isso que aconteceu: até 5 anos, eu não pagava nada da advocacia, não conseguia; do 5º ao 10º ano, eu ganhava às vezes, outras vezes não, então pagava algumas contas, outras não, e vivia sempre no aperto; então, do 10º ano por diante foi que eu realmente pude ver que a profissão tava me dando um retorno pra que eu tivesse uma vida confortável (entrevista concedida em 24/05/2019).

A maturidade profissional é vista pelos advogados criminalistas como uma etapa em que o profissional, pela experiência, possui maior capacidade de lidar com os problemas da profissão do que os advogados em início de carreira.