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3. DE “ADVOGADO DE BANDIDO” A ADVOGADO COMBATIVO: A CONSTRUÇÃO DO SELF PELOS ADVOGADOS CRIMINALISTAS.

3.12. QUESTÕES DE GÊNERO NA ADVOCACIA CRIMINAL

Dos 17 advogados entrevistados, 6 são mulheres. Durante as entrevistas, vieram à tona questões não só sobre os desafios de ser advogada criminalista, mas também o de ser mulher na advocacia criminal. Por esta razão, passamos a tratar da forma como as mulheres se veem na advocacia criminal em relação aos colegas do sexo masculino.

As entrevistadas caracterizam a advocacia criminal como um espaço predominantemente masculino. Nas três associações de criminalistas existentes na cidade de

Maceió, são apenas 39 mulheres filiadas de um total de 184 advogados criminalistas. Maria Antônia ressalta a pequena quantidade de advogadas atuantes na área criminal.

O âmbito criminal é predominantemente masculino, ou seja, são mais homens na advocacia criminal. Nós criminalistas, se você observar, são poucas. E as que são boas, como advogadas ou como defensoras ou como criminalistas, também são poucas. Então, assim, a minha vantagem, que eu digo como mulher criminalista, eu acredito que é pelo ambiente ser predominantemente masculino e quando você entra, enquanto mulher, você tem essa condição de se projetar. a desvantagem de você ser mulher criminalista, primeiro é porque você é mulher. Já chega por isso, pela questão de condição de gênero. A mulher criminalista, pra conseguir um espaço no âmbito criminal, apesar de ser um espaço predominantemente masculino e ser de fácil acesso, ela tem que ser bastante capacitada. Então, se ela não for boa mesmo, ela não vai alcançar patamares maiores (entrevista concedida em 09/08/2019). A entrevistada afirma que ser mulher, num espaço masculino, se revela como uma desvantagem inicialmente, mas ao mesmo tempo pode ser uma vantagem, porque a pouca quantidade de mulheres na profissão permite que aquelas que resolvem trabalhar nessa área possam se destacar.

Do mesmo modo, Elaine diz que “A vantagem - que eu considero uma vantagem - é que é um meio que muita gente tem medo. Muita mulher tem medo, muitas amigas minhas de outras áreas e de dentro da área tem muito medo. E eu não tenho. Então, eu acho uma minoria que me envaidece de certa forma. Eu acho peculiar”. As advogadas de outras áreas e mesmo algumas criminalistas têm medo da advocacia criminal, na visão da entrevistada, o que torna esta área um campo profissional potencial para mulheres. Porém, mesmo sendo poucas, as mulheres têm que competir, nesse campo, com colegas do sexo masculino.

Nessa perspectiva, as advogadas relatam que há um preconceito dos colegas advogados em relação à competência das mulheres para a advocacia criminal. Se ser advogado criminalista causa conflitos entre advogados e as autoridades com as quais interagem no contexto processual, como abordado no capítulo anterior, ser uma mulher na advocacia criminal causa, além dos conflitos com autoridades, também com os próprios advogados criminalistas do sexo masculino. Miriam conta uma experiência na qual perdeu um cliente porque um colega advogado disse a ele que mulheres não possuíam competência para advogar na área criminal.

Existe muita discriminação, principalmente pelos colegas, certo? Já tive uma experiência de um colega dizer... meu cliente e o dele estava na mesma cela e um colega, que é um advogado muito famoso aqui, ele tava viajando. E ele colocou no grupo dos advogados criminalistas quem é que tava disponível. Aí eu entrei no privado dele e disse: “Olhe, amigo. Eu tô”. Como ele fez pós comigo e sabe o meu perfil de advocacia, ele disse: “Que coisa boa ser você! Olhe, o cliente está preso e ele é meu cliente, a família toda é meu cliente. E eu fico muito feliz de ser você, porque eu sei que você não tem perfil de que vai enrolar eles”. E era o nome dele que estava em jogo. E eu fui, disse que tinha sido indicada pelo Dr tal, e quando o

outro colega foi falar com o cliente dele, disse: “Como é que o Sr. contrata uma mulher como advogada?”. Aí o cliente chamou a família e disse: “Eu não quero mulher, porque disseram que mulher não tem competência nenhuma pra advogar na área criminal”, mas eu digo a você: as mulheres hoje tão dando show, viu? (entrevista concedida em 30/07/2019)

Embora reconheça que as mulheres têm tido destaque na área, a entrevistada relata um episódio em que foi desacreditada como criminalista por um colega, pelo simples fato de ser mulher. Apesar de se sentirem subestimadas por colegas criminalistas do sexo masculino, as entrevistadas apontam que a condição de mulher, que constitui uma desvantagem na carreira, também pode ser uma grande vantagem, pelas habilidades no trato com os clientes e com a família dele, conforme mostra a advogada Lara.

A principal vantagem é a sensibilidade que a mulher tem, é... de vida mesmo. E essa sensibilidade ajuda, às vezes, no trato com o cliente, na maneira como você olha aquele cliente; que você não vê aquele cliente só como uma fonte de renda. Você passa a ver, a tentar entender o motivo que levou aquela pessoa... E acreditar que aquela pessoa tem poder de se regenerar. Eu acho que isso é mais latente nas mulheres do que nos homens. E a desvantagem é a desvantagem do dia-a-dia mesmo, as coisas que a gente sofre... Eu, pelo menos, eu tenho um biótipo, sou pequena, sou magrinha, então às vezes a pessoa vê aquilo como uma vulnerabilidade. “Pôxa, aquela menina é uma advogada?”. E aí você precisa mostrar que você tem o poder de trabalhar bem, que você consegue, que você tem experiência. Mas aí quando você consegue pegar a confiança do cliente – o que é interessante também, que a advocacia criminal me mostrou – é que o cliente quer o resultado, resultado positivo, mas uma boa parte deles, eles têm consciência do que fizeram e que é uma pena alta, então o trato com eles de ser uma coisa responsável de uma sinceridade do que pode vir a acontecer, sem promessas fantasiosas, faz com que eles tenham uma credibilidade grande em você. E a desvantagem é como eu digo, é essa questão do dia-a-dia mesmo (entrevista concedida em 12/07/2019).

A sensibilidade, elencada como uma vantagem da atuação das mulheres na advocacia, é o mesmo predicado utilizado para estereotipar as mulheres como fracas, em contraposição à força dos homens. Assim, da mesma forma que as mulheres utilizam o argumento de que sua sensibilidade constitui uma vantagem na advocacia criminal, os colegas do sexo masculino que afirmam que mulheres não têm competência para trabalhar na área podem utilizar o mesmo argumento para dizer que as mesmas não são aptas. Assim, verifica-se certa ambiguidade no discurso da entrevistada, pois ao mesmo tempo em que atribui vantagem à sensibilidade, reifica o estereótipo da mulher sensível. Do mesmo modo, Tulipa, advogada que trabalha na área criminal junto com o marido, tenta demarcar diferenças entre sua atuação profissional e a dele:

Quando a gente chega no sistema prisional… Eu de preferência, né? Porque quando eu chego no sistema prisional, normalmente de 8:30 eu tô entrando no sistema prisional. Tem dia que eu saio do sistema prisional 5 horas da tarde. Eu visito todos, eu faço todos, eu faço a relação dos que eu tenho que visitar. Eu procuro, às vezes a mãe tá lá, eu vou conversar com a mãe, vou levar a mãe para o Diretor, vou falar com a Assistente Social, vou falar com a Enfermeira. Então, quando eu vou com ele,

com o meu sócio, meu marido, é complicado, porque ele diz: “E vai demorar muito, é? E tem mais alguma coisa pra fazer?”. Ele só quer ir visitar o cliente. Tem audiência, ele vai lá conversar com o cliente e pronto. Se tiver outra coisa a parte social ele não quer fazer, entendeu? E eu não. Eu me preocupo (entrevista concedida em 29/05/2019).

As mulheres também procuram ressaltar, em sua atuação, o cuidado, a preocupação com o preso e seus familiares, para além do ganho financeiro. Nani atribui essa vantagem das mulheres na advocacia criminal às características da maternidade e ao perfil dos clientes, geralmente homens jovens, os quais se sentem mais amparados pela presença feminina.

Existe a vantagem porque hoje a faixa etária desses indivíduos do crime é uma faixa etária de 21 até 40. Então, há vantagem porque eles se sentem mais protegidos por mulher. Eu não sei, eu falo por mim. Porque quando eu vou falar com um cliente, eu vou com aquele lado mãe, primeiramente a profissional e depois eu vejo o meu lado mãe, o meu lado mulher. Porque tem a mulher dele, a companheira, com filhos (entrevista concedida em 12/07/2019).

Os relatos reforçam outros estereótipos atribuídos à mulher, como zelosa, cuidadosa, preocupada. Bourdieu (2002) trata da dominação masculina como uma violência simbólica, que é introjetada sutilmente sobre dominantes e dominados, a ponto de ser aceita por eles como algo natural, e não uma construção social. Essa violência simbólica opera através de esquemas de percepção, de avaliação e de ação que fazem parte do habitus, inculcando nos sujeitos que certas práticas e características relacionadas à força e virilidade são masculinas e aquelas relacionadas à vulnerabilidade são femininas. Assim, sob a lógica da dominação masculina, a advocacia criminal exigiria uma força e virilidade incompatíveis com a sensibilidade atribuída às mulheres. Até nas representações sociais que tratam sobre os advogados criminalistas, os exemplos de mulheres exercendo a profissão são poucos.

Na busca por destaque no campo, ao mesmo tempo em que as advogadas reconhecem os estereótipos que recaem sobre as mulheres, ao mesmo tempo fazem o uso deles como diferenciais. Maria Antônia é uma das poucas entrevistadas que atribui a si qualidades como combativa, aguerrida e incisiva, características que normalmente seriam atribuídas a advogados do sexo masculino.

O meu perfil como criminalista… Olha, eu sou muito aguerrida. Sou muito aguerrida, sou muito combativa, eu sou muito incisiva. Só que pra você ser criminalista, eu sempre avalio o seguinte: que além de você ser aguerrido, combativo e incisivo, você também tem que conhecer um pouco do que você vai pleitear em defesa dos seus clientes. Você tá lidando com um bem muito precioso, que é a liberdade (entrevista concedida em 09/08/2019).

A avaliação de força como característica autoatribuída por uma advogada mostra a reflexividade da ação como força flexibilizadora do habitus (ARCHER, 2011). E essa

reflexividade que amplia o leque de ações do sujeito possibilita a mudança do campo, o que Archer (2000) chama de morfogênese.

Mesmo conseguindo cada vez mais destaque no campo jurídico, a maioria das advogadas criminalistas entrevistadas ainda não conseguiu construir uma autoimagem profissional desatrelada dos estereótipos comumente atribuídos às mulheres.

3.13. OS SENTIDOS DE FELICIDADE E FRUSTRAÇÃO NA ADVOCACIA