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2. ENTRE-VISTAS COM ADVOGADOS CRIMINALISTAS: O CAMINHO

2.2. QUEM SÃO OS CRIMINALISTAS? MAPEANDO O CAMPO.

Uma parte importante do caminho metodológico é saber quem são os sujeitos a entrevistar e como acessá-los. Afinal de contas, diante de tantas áreas no direito, nem todo advogado é um advogado criminalista. Quando um bacharel em direito consegue aprovação no exame da Ordem e se torna advogado, ele está habilitado para trabalhar em qualquer ramo do direito. Em todos, se ele desejar. Porém, como este trabalho tem como sujeitos de pesquisa os advogados criminalistas, a presente seção visa mostrar os critérios utilizados para se determinar, num universo de advogados, como se chegou aos advogados criminalistas que compuseram a amostra.

Segundo dados obtidos em Julho de 2019, no site da OAB, existem 1.221.695 (um milhão duzentos e vinte e um mil seiscentos e noventa e cinco) inscritos nos quadros da Ordem em todo o território nacional. Destes, 1.147.398 (um milhão cento e quarenta e sete mil trezentos e noventa e oito) são advogados com inscrição principal em sua respectiva seccional; 47.175 (quarenta e sete mil cento e setenta e cinco) são advogados com inscrição suplementar, ou seja, que possuem inscrição principal em determinado estado, mas que, por possuírem considerável número de processos em outro, são obrigados a possuir mais de uma inscrição, e; 27.122 (vinte e sete mil cento e vinte e dois) são estagiários.

Desse total, o estado de Alagoas responde por 11.986 (onze mil novecentos e oitenta e seis) inscritos, o que corresponde a apenas 0,98% do total de inscritos no país. Desses, 11.377 são advogados com inscrição principal; 556, advogados com inscrição suplementar, e; 53 são estagiários.

O referido site não traz maiores informações sobre o perfil destes advogados, notadamente a vinculação ou afinidade do advogado com determinada área do direito. Do mesmo modo, o sistema da OAB seccional de Alagoas também não possui essa informação, o que mostra a necessidade de a advocacia nacional realizar uma pesquisa sobre o perfil dos advogados, a exemplo do Conselho Nacional de Justiça, que divulga periodicamente o censo do poder judiciário.

O censo do poder judiciário traz informações que permitem traçar um perfil da magistratura brasileira, como tribunal e unidade da federação onde trabalha, idade, sexo, estado civil, cor ou raça, portador de deficiência, nacionalidade, naturalidade, nível de escolaridade, se possui outras graduações, entre outras. Além disso, a pesquisa traz dados em relação ao quanto os magistrados brasileiros estão satisfeitos com suas condições de trabalho.

Portanto, dada a ausência de um perfil da advocacia nacional e alagoana, o critério utilizado neste trabalho para tentar um mapeamento do campo foi o da autoidentificação do advogado com a área criminal. Como a OAB não faz essa classificação, recorri às associações de advogados criminalistas de Alagoas, que existem paralelamente à OAB/AL.

De filiação não obrigatória, as associações concentram advogados que trabalham em áreas específicas e se identificam com elas. Em Alagoas, são três as associações de advogados criminalistas: ACRIMAL (Associação dos Advogados Criminalistas de Alagoas), ABRACRIM (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas) e ANACRIM (Associação Nacional dos Advogados Criminalistas). Frise-se que a criação dessas associações em Alagoas é recente. Embora o site da ACRIMAL informe que, desde a década de 90, já havia um movimento dos advogados criminalistas com a finalidade de criar uma associação específica, a criação da ACRIMAL só ocorreu no ano de 2014, sendo esta a associação de criminalistas mais antiga no estado de Alagoas; a mais recente é a ANACRIM, fundada no final do ano de 2018.

Descobertas essas associações, o mapeamento do campo foi possível a partir da solicitação de relação nominal dos associados de cada uma delas. Obtida a relação, os nomes foram inseridos em uma planilha do programa Microsoft Excel, excluindo-se os que se repetiam por estar associados a mais de uma entidade. Com isto, chegou-se ao número de 184 (cento e oitenta e quatro) advogados filiados a pelo menos uma das associações de criminalistas.

Assim, o critério para determinar quem são os advogados criminalistas, num campo geral de advogados, foi a filiação não obrigatória a uma entidade específica, qual seja, uma

das associações de advogados criminalistas. Além desse critério, foi utilizado o meu conhecimento pessoal do campo, pois há advogados com atuação conhecida na área criminal, mas que não possuem filiação a nenhuma das associações. Assim, embora a maioria dos entrevistados seja pertencente a uma das associações, também foram entrevistados advogados que não faziam parte de nenhuma delas e, mesmo assim, se reconheciam como criminalistas.

De posse das listas com os nomes dos advogados das associações, foram obtidas informações, a partir do cadastro na OAB/AL, quanto à data de nascimento e data de ingresso nos quadros da OAB, sendo possível converter esses dados, respectivamente, em idade e tempo de advocacia. Como o cadastro dos advogados não traz informações quanto à autoatribuição de raça, este critério foi preenchido por heteroatribuição, ou seja, quando a raça é atribuída por um terceiro que não o próprio pesquisado. No caso, dada a falta dessas informações, a heteroatribuição de raça foi feita por mim, a partir da análise visual das fotografias dos advogados, constantes do Cadastro Nacional dos Advogados. Esta análise visual das fotografias também possibilitou a verificação do gênero dos entrevistados, visto que alguns nomes causavam dúvidas acerca do gênero da pessoa.

Com isto, foi possível traçar um perfil dos advogados criminalistas que fazem parte das associações, a partir dos critérios gênero, raça, tempo de advocacia e faixa etária, resultando que, dos 184 advogados filiados a associações de criminalistas, são 145 (cento e quarenta e cinco) homens e 39 (trinta e nove) mulheres, o que corresponde a 78,80% de homens e 21,19% de mulheres criminalistas filiados a essas associações. Observa-se que as mulheres não chegam a 1/3 da composição dessas entidades. Inclusive, à época da pesquisa, embora algumas ocupassem cargos de diretoria ou em comissões dessas associações, apenas na ANACRIM havia uma mulher em posição de destaque, ocupando a vice-presidência. Nas demais, os cargos de presidência e vice-presidência eram ocupados por indivíduos do sexo masculino.

Quanto ao critério raça, mesmo tendo em vista as limitações que a heteroatribuição possui, já que os critérios atuais de determinação de raça primam pela autoidentificação e senso de pertencimento do indivíduo a uma determinada raça em detrimento dos aspectos fenotípicos, a análise visual, a partir das fotografias dos advogados no Cadastro Nacional do Advogado, aponta que há uma predominância de brancos nas associações de advogados criminalistas, sendo 145 (cento e quarenta e cinco), correspondente a 78,80%; 29 (vinte e nove) foram considerados pardos, correspondendo a 15,76%, e; 10 (dez) foram considerados negros, correspondendo a 5,43%. Mesmo com a adoção do critério da heterotribuição para

traçar um perfil local da advocacia criminal, os advogados selecionados para as entrevistas foram questionados sobre a qual raça entendiam pertencer. Dessa forma, na etapa das entrevistas, utilizei o critério da autoatribuição.

O critério idade apresenta faixas relativamente bem distribuídas, diminuindo consideravelmente apenas entre os maiores de 60 (sessenta) anos da idade. Dos 184 filiados, 52 possuem entre 20 e 30 anos de idade, correspondente a 28,26% do total; 64 possuem entre 31 e 40 anos, correspondente a 34,78%; a faixa etária dos 41 a 50 anos e dos 51 a 60 anos registrou o mesmo número de advogados, sendo 28 em cada faixa etária, correspondente a 15,21%, e; a faixa etária acima dos 60 anos conta com 12 inscritos, correspondente a 6,52%.

Por fim, o critério tempo de advocacia revela uma quantidade razoável de profissionais com até 5 anos de advocacia criminal. Com menos de um ano de inscrição na OAB, foram registrados 2 advogados, correspondendo a 1,08% do total de associados; com mais de um ano até 5, foram contabilizados 100 advogados associados, correspondendo a 54,34%; de 6 a 10 anos de inscrição, foram 25 associados, correspondendo a 13,58%; de 11 a 20 anos de inscrição, foram 27 associados, o que equivale a 14,67% dos associados; de 21 a 30 anos, foram somados 22 advogados, o que significa 11,95% dos associados, e; com mais de 30 anos de advocacia, são 8, o que resulta em 4,34%. Isso mostra que mais da metade dos inscritos nas associações são advogados iniciantes, o que, comparando com o critério idade, não quer dizer que sejam advogados jovens, uma vez que, do grupo de advogados com menos tempo de advocacia, há pessoas que podem ter se bacharelado em direito ou conseguido aprovação no exame da ordem tardiamente.

Cumpre salientar que os dados foram obtidos em 27/04/2019, estando sujeitos a modificações nos critérios idade e tempo de advocacia no decorrer dos meses, já que são critérios temporais. Do mesmo modo, nada impede que os filiados deixem as associações posteriormente, uma vez que a inscrição e a permanência não são obrigatórias. Porém, na época da pesquisa, estes profissionais se auto identificavam com associações específicas de advogados criminalistas.

O mapeamento realizado se mostrou importante não só para se ter uma noção do perfil dos advogados criminalistas filiados às associações, mas principalmente para compor a “amostra” dos entrevistados. Embora o termo seja estranho à pesquisa qualitativa, a constituição de uma amostra é importante para permitir uma diversificação do quadro de sujeitos. Kaufmman (2013) informa que “a constituição da amostra, na pesquisa qualitativa, apesar de servir para fixar um quadro dos sujeitos, se torna menos operante que as histórias

dos sujeitos. Isto não significa que a amostra deva ser criada de qualquer jeito. O erro a se evitar é a generalização a partir de uma amostra mal diversificada”.

Isto significa que, para compreender as percepções dos advogados criminalistas, é preciso variar as categorias de sujeitos, de modo a ter uma dimensão completa do fenômeno. Como os sujeitos são advogados criminalistas, de nada adiantaria compor uma amostra apenas com advogados do sexo masculino ou de determinada raça ou faixa etária. Por isto, foram levados em consideração, na escolha dos entrevistados, sexo, idade, raça e tempo de advocacia.

Seguindo o critério da filiação a associações de advogados criminalistas e, em parte, do meu próprio conhecimento do campo, para tentar compor uma amostra de entrevistados, tornou-se possível pensar quem são os sujeitos de pesquisa antes da efetiva entrada em campo, que constitui o tema da seção seguinte.