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4.1 Concepções de Pensadores Estrangeiros

4.1.1 Maurice Tardif

Iniciando a sua obra “Saberes docentes e formação profissional” (2014), já na introdução, Tardif faz várias indagações, entre elas destacamos a seguinte: quais são os conhecimentos, o saber-fazer, as competências e habilidades que os professores mobilizam diariamente, nas salas de aula e nas escolas, a fim de realizar concretamente as suas diversas tarefas?

Da pergunta destacamos a questão do “saber-fazer” por estar, a nosso entendimento, diretamente relacionada ao “saber ensinar”, ao Estágio Curricular Supervisionado. Segundo o autor o trabalho do professor não corresponde a um tipo de ação específica, mas recorre constante a uma grande diversidade de ações que os obrigam a realizarem uma grande variedade de intervenções com os alunos. Os dilemas inerentes ao ensino se situam no próprio cerne das interações cotidianas na sala de aula. Para Tardif (2014, p. 10), “a questão do saber dos professores não pode ser separada das outras dimensões do ensino, nem do estudo do trabalho realizado diariamente pelos professores de profissão”.

Isto significa que esses saberes não podem ser tratados como categorias autônomas porque esses saberes estão ligados aos condicionantes do contexto de cada um, seja pela relação ao trabalho, à sua vida profissional, ou seja pelas suas experiências e vivências. Portanto todos esses elementos constitutivos do trabalho docente precisam ser estudados, articulados a todos esses condicionantes, levando em conta os aspectos sociais e individuais dos saberes dos professores (TARDIF, 2014).

Por conta disso, ensina Tardif que o “saber-ensinar” deve ser considerado e analisado em função dos tipos de ação presentes na prática porque, o saber ensinar, supõe um conjunto de saberes e, portanto, um conjunto de competências diferenciadas.

Para ensinar, o professor deve ser capaz de assimilar uma tradição pedag ógica que se manifesta através de hábitos, rotinas e truques do ofício; deve possuir uma competência cultural oriunda da cultura comum e dos saberes cotidianos que partilha com seus alunos; deve ser capaz de argumentar e de defender um ponto de vista; deve ser capaz de se expressar com uma certa autenticidade, diante de seus alunos; deve ser capaz de gerir uma sala de aula de maneira estratégica a fim de atingir objetivos de aprendizagem, conservando sempre a possibilidade de negociar seu papel; deve ser ca paz de identificar comportamentos e de modificá-los até certo ponto (TARDIF, 2014, p. 178).

A construção do saber docente deve estar articulada a uma prática docente representada por um saber-ser e um saber-fazer pessoais e profissionais validados pelo trabalho cotidiano. Nesse sentido, segundo Tardif:

A prática é como um processo de aprendizagem através do qual os professores e professoras retraduzem sua formação anterior e a adaptam à profissão [...]. Para as faculdades de educação o reconhecimento da p rática do professor como processo de aprendizagem profissional deveria incluir o desenvolvimento de uma parceria com os professores, de modo que estes tomem parte diretamente na formação de professores (TARDIF, 2014, p.181).

Para o autor em referência, esse pluralismo da ação e do saber pode e deve ser subordinado a finalidades porque

A educação é uma arte, uma técnica, uma interação, mas é também a atividade pela qual prometemos às crianças e aos jovens um mundo sensato no qual devem ocupar um espaço que seja significativo para si mesmo [...]. Na educação, o objetivo último dos professores é formar pessoas [que] serão capazes de dar sentido à sua própria vida e à sua própria ação (TARDIF, 2014, p. 191).

Segundo o autor, a ação profissional do professor está estruturada em função de duas séries de condicionantes:

Os condicionantes ligados à transmissão da matéria (tempo, organização sequencial dos conteúdos, de alcance de finalidades, de aprendizagem por parte dos alunos, de avaliação, etc.) e os condicionantes ligados à gestão das interações com os alunos (manutenção da disciplina, gestão das ações desencadeadas pelos alunos, motivação da turma, etc.). O trabalho docente no ambiente escolar consiste em fazer essas duas séries de condicionantes convergirem, em fazê-las colaborar entre si (TARDIF, 2014, p. 219).

Ora, se os professores ocupam em seu trabalho cotidiano com os alunos na escola uma posição essencial em relação ao conjunto dos agentes escolares, são eles os principais atores e mediadores da cultura e dos saberes escolares. E é sobre os seus ombros que recaem, ao final, a missão educativa da escola. Considerando que o trabalho dos professores exige conhecimentos específicos, então a sua formação deveria ser baseada nesses conhecimentos. No entanto, na formação de professores ensinam-se teorias que foram concebidas sem qualquer relação com o ensino e as realidades cotidianas (TARDIF, 2014).

Por outro lado, segundo Tardif (2014, p. 242):

A formação para o ensino ainda é organizada em torno das lóg icas disciplinares. Ela funciona por especialização e fragmentação. [...] Essa formação também é concebida segundo um modelo aplicacionista do conhecimento: os alunos passam um certo número de anos ‘assistindo aulas’ baseadas em disciplinas declarativas; depois ou durante essas aulas, eles vão estagiar para ‘aplicar’ esses conhecimentos; finalmente, quando a formação termina, eles começam a trabalhar sozinhos, aprendendo o seu ofício na prática e constatando, na maioria das vezes, que seus conhecimentos dis ciplinares estão mal enraizados na ação cotidiana.

Segundo entende, é necessário um novo direcionamento para a prática. Os saberes (conhecimentos, competências, habilidades) transmitidos pelas instituições de formação (universidades) devem ser concebidos e adquiridos em estreita relação com a prática profissional dos professores nas escolas, não como simples campo de aplicação de teorias elaboradas fora dela. A escola deve tornar-se um espaço original de aprendizagem e de formação para os “futuros práticos”, bem como um espaço de produção de saberes e de práticas inovadoras para os professores experientes. Esses novos dispositivos de formação profissional devem proporcionar “um vaivém constante entre a prática profissional e a formação teórica, entre a experiência concreta nas salas de aula e a pesquisa, entre os professores e os formadores universitários” (TARDIF, 2014, p. 286).

Nessa perspectiva, a prática profissional ganha uma realidade própria constituindo-se em um lugar de aprendizagem autônomo, lugar de mobilização de saberes e competências. Ao incorporar uma parte da formação, a prática torna-se um espaço de comunicação e de transmissão desses saberes e competências. Esta perspectiva, segundo Tardif, “rompe com o modelo tradicional de formação que estabelecia uma separação nítida entre os lugares de mobilização (o mundo do trabalho), de produção (o mundo da pesquisa) e de comunicação (o mundo escolar) dos saberes e das competências” (TARDIF, 2014, p. 288). Diante disso,

os programas de formação dos professores devem ser organizados em função de um novo centro de gravidade: a formação cultural (ou geral) e a formação científica (ou disciplinar), através das disciplinas contributivas (psicologia da aprendizagem, sociologia da educação, didática, etc.), devem ser vinculadas à formação prática, que se torna, então, o quadro de referência obrigatório da formação profissional. Formação geral e formação disciplinar não podem mais ser concebidas na ausência de laços com a formação prática. [...] a formação dis ciplinar deve ligar-se ao exercício da profissão. Os formadores universitários são levados, portanto, a especificar as contribuições de sua própria disciplina em função da prática profissional dos professores (TARDIF 2014, p. 289).

Tardif propõe, ainda, que os professores de profissão sejam integrados no próprio currículo da formação inicial para o ensino, os quais se tornam, a partir de então, verdadeiros atores da formação dos futuros docentes.

Tradicionalmente os professores de profissão eram situados na periferia da formação inicial, tenta-se, hoje, dar-lhes um espaço mais importante. Em última instância, tais como os universitários, os professores se tornam formadores e são integrados nas atividades de formação dos futuros professores (TARDIF 2014, p. 289).

E considerando a importância da prática educativa, para Tardif (2014, p. 288), “a formação inicial visa a habituar os alunos – os futuros professores – à prática profissional dos professores de profissão e a fazer deles práticos ‘reflexivos’”, pois considera que:

O prático reflexivo é o próprio modelo do profissional de alto nível, capaz de lidar com situações relativamente indeterminadas, flutuantes, contingentes, e de negociar com elas, criando soluções novas e ideais. Em relação ao prático reflexivo, o universitário é, sobretudo, um colaborador e também deve ser um prático experiente (TARDIF, 2014, p. 302).