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4.2 Concepções de Pensadores Nacionais

4.2.2 Selma Garrido Pimenta

Ao tratar, em suas obras, seus escritos, da questão do estágio na formação do professor, em especial nos livros: Estágio e Docência (2012) e O Estágio na Formação de Professores: unidade teoria e prática? (2001), Pimenta destaca a necessidade de explicitar e valorizar o estágio como um campo de conhecimentos necessários aos processos formativos para que não se

configurem atividades distantes da realidade concreta das escolas. Como oportunidade de aprendizagem da profissão docente e da construção da identidade profissional o estágio deve conciliar teoria e prática para formar o educador como profissional com competência técnica, científica, pedagógica e política; comprometido com os interesses da maioria da população.

A falta de intencionalidade e de reflexão sobre o caráter formativo que constitui a essência do estágio leva a que ele se transforme em algo fluido, etéreo em que toda atividade é válida. Isto impede ou dificulta a visão da vida escolar e do ensino como um todo, tornando muitas vezes essa prática insuficiente para preparar o estagiário para a docência. Por conta disso, segundo Pimenta (2012), o estágio não tem garantido uma preparação completa para o magistério mas possibilita, entre outras coisas, que o futuro educador tenha noções básicas e alguma vivência do que é ser professor e qual a realidade dos alunos que frequentam a escola. Essa oportunidade de observação, reflexão e atuação na prática permitirá que o aluno/estagiário reafirme ou não a sua escolha pela profissão.

[...] o estágio supervisionado para alunos que ainda não exercem o magistério pode ser um espaço de convergência das experiências pedagógicas vivenciadas no decorrer do curso e, principalmente, ser uma contingência de aprendizagem da profissão docente, mediada pelas relações sociais historicamente situadas. [...] Seu objetivo é p reparar o estagiário para a realização de atividades nas escolas, com os professores nas salas de aula, bem como para o exercício de análise, avaliação e crítica que possibilite a proposição de projetos de intervenção a partir dos desafios e dificuldades q ue a rotina do estágio nas escolas revela (PIMENTA, 2012, p. 102).

Como ação/reflexão das práxis, o estágio deve possibilitar aos estagiários aprender com quem já possui experiência no trabalho docente. Normalmente um dos primeiros impactos do estagiário é o susto diante da realidade e as contradições entre o teórico e o prático, o dito e o vivido. Além disso, o estagiário muitas vezes vai se deparar com professores insatisfeitos, desgastados pela vida que levam na realização do seu dia a dia; descompasso entre hábitos, calendários e demais atividades e rotinas da universidade e da escola; tempo para cursar outras disciplinas e da feitura do TCC, além do estágio no mesmo período letivo. Nesse momento, de fundamental importância a mediação dos orientadores para que “o aluno estagiário compreenda a dinâmica do estágio e de sua presença na escola. Quanto mais claros forem os fundamentos, a

natureza e os objetivos do estágio, suas possibilidades e limites curriculares, mais fácil fica a compreensão do processo” (PIMENTA, 2012, p. 105).

Tratando da questão da relação entre universidade, estágio e escola no processo de Estágio Supervisionado, Pimenta alerta para a necessidade de levar em consideração os diferentes níveis de ensino, suas características, seus objetivos, suas estruturas e funcionamento e, com isso, verificar o que as aproximam

para não ocorrer em mútuas acusações. [...] essa complexidade que envolve o estágio e as práticas executadas em seu interior pode ser comparada “a uma ponte em que os estagiários viverão a tensão desse jogo de forças. A nossa preocupação, na postura de orientadores formadores, é quanto às aprendizagens e lições decorrentes dessa passagem dos estagiários (PIMENTA, 2012, p. 107).

Entender o estágio como campo de conhecimento aponta para a importância de compreender a inserção dos estagiários no jeito de ser peculiar de cada escola, o que a caracteriza e a diferencia das demais unidades de ensino e de suas possibilidades formativas para os estagiários, especialmente no desenvolvimento das habilidades e formas de conhecimento necessárias para a prática docente. As especificidades de cada escola influenciam diretamente na vida do aluno e na sala de aula porque na vivência da escola, os alunos desenvolvem papéis específicos que são próprios do mundo da escola.

Aprender a profissão docente no decorrer do estágio supõe estar atento às particularidades e às interfaces da realidade escolar em sua contextualização na sociedade [...]. Ao transitar da universidade para a escola e desta para a universidade, os estagiários podem tecer uma rede de relações, conhecimentos e aprendizagens, não com o objetivo de copiar, de criticar apenas os modelos, mas no sentido de compreender a realidade para ultrapassá-la. Aprender com os professores de profissão como é o ensino, como é ensinar, é o desafio a ser aprendido/ensinado no decorrer dos cursos de formação e no estágio [...]. A identidade se constrói com base no confronto entre as teorias e as práticas, na análise sistemática das práticas à luz das teorias, na elaboração das teorias, o que permite caracterizar o estágio como um estágio de meditação reflexiva entre a universidade, a escola e sociedade (PIMENTA, 2012, p. 111-112).

Refletindo sobre ensinar e aprender a profissão docente, Pimenta (2012) nos ensina que o estágio deve traduzir as características do projeto político pedagógico do curso, seus objetivos, interesses e preocupações formativas, assim como a marca do tempo histórico e das tendências pedagógicas adotadas pelo grupo de docentes formadores e das relações organizacionais do espaço acadêmico a que está vinculado. Traduz, também, a marca dos professores que o

orientam, as teorias e práticas por eles adotadas. Com base em Zabala (1998), afirma que “por traz das propostas metodológicas se escondem valores e ideias em relação aos processos de ensinar e de aprender e concepções de conhecimento e de ciência que norteiam a prática pedagógica do professor de estágio” (PIMENTA, 2012, p. 113).

Pimenta (2012, p. 114) destaca, utilizando-se dos estudos de Chaves (1999), que

a ação supervisionada do professor de Prática de ensino se configura como ação pedagógica que pode se caracterizar tanto por formas rígidas de inspeção e de direção como por formas flexíveis e facilitadoras de orientação e de aconselhamento [...]. As atividades de supervisão que acontecem no estágio requerem aproximação e distanciamento, partilha de saberes, capacidade de complementação, avaliação, aconselhamento, implementação de hipóteses de solução para os problemas que, coletivamente, são enfrentados pelos estagiários.

Dependendo do professor, o estágio pode se caracterizar mais como uma interação do que como uma simples intervenção. Essa atitude abre possibilidade para uma ação entre a universidade e a escola, na qual professores, alunos, orientadores e supervisores de estágio também atualizem seus conhecimentos a respeito da profissão docente. O período de estágio, ainda que transitório, deve ser um exercício de participação, de conquista e de negociação do lugar do estágio na escola. Como espaço de formação e construção de identidade, o estágio necessita ter uma compreensão ampla de escola e sua organização social, o trabalho docente e a sala de aula.

O estudo da sala de aula como espaço de conhecimento compartilhado vem se apresentando, segundo Pimenta (2012), uma necessidade pedagógica indispensável para a compreensão dos processos de ensinar e de aprender. Por conta disso ela empreende uma reflexão sobre a sala de aula como o lugar do encontro entre professores e alunos com suas histórias de vida, das possibilidades de ensino e aprendizagem, da construção do conhecimento compartilhado.

A aula é uma célula que representa o todo da escola: o projeto político -pedagógico, o currículo, o projeto da área e o planejamento da dis ciplina. As aulas são por sua vez, múltiplas, diversas e expressam diferentes compreensões da Pedagogia e da Didática, da epistemologia das áreas, das características, valores e posturas de seus integrantes. Por isso, para que a sala de aula se constitua em espaço de formação dos estagiários das disciplinas específicas, tanto para aquele que não exerce o magistério como para aquele que já é professor, é preciso que as aulas sejam consideradas na (s) realidade (s) em que ocorrem, nos contextos ins titucionais nos quais se situam nos aspectos individuais e pessoais que são manifestados pelos alunos e professores, nos saberes de que são

portadores, em suas experiências e expectativas [...]. A análise da aula assim, se constitui em processo de pesquisa a partir da mobilização dos conhecimentos das áreas específicas e da Didática, configurando-nos como um laboratório pedagógico de aprendizagem da profissão docente (PIMENTA, 2012, p.159).

Ao tratar da questão do planejamento e da avaliação do estágio, Pimenta explicita que nas reflexões e propostas apresentadas os mesmos serão tratados como processo contínuo e coletivo e que o seu desenvolvimento está baseado em textos e depoimentos de alunos e de professores universitários que orientam estágio, o que possibilita, no seu entendimento, uma aproximação a suas práticas. Procura estabelecer um diálogo pedagógico com os alunos e com os professores formadores visando delinear novos caminhos para o estágio. Segundo entende os dois polos: planejamento e avaliação devem estar em íntima interlocução, mediando a ação docente. O planejamento (organização) não deve ser

um momento ou evento, mas uma atividade-eixo, a espinha dorsal que sustenta e permeia todo o percurso do ensinar e do aprender. [...] Na prática cotidiana do professor, as atividades, compreendidas como unidades básicas do processo de ensino e aprendizagem, são as evidências da organização de seu trabalho. [...] A ideia de que os processos educacionais (planejamento e avaliação) venham a acontecer a partir do coletivo abre possibilidades de viabilização do projeto pedagógico do curso e marca a presença do estágio como parte fundamental nessa formação. Possibilita, ainda, o debate sobre os caminhos que viabilizam os objetivos do curso e o perfil do profissional que s e pretende formar, considerando as condições objetivas que a realidade oferece e os avanços que podem ser realizados a partir dela (PIMENTA, 2012, p. 180-183).

Ainda sobre o planejamento (organização) e a avaliação (resultado) no estágio, a autora (2012, p. 186) enfatiza que:

os esquemas tradicionais de realização de estágios sob a forma de observação, participação e regência, tendo por pressuposto que a aprendizagem de ser professor se dá pela reprodução das práticas observadas e experimentadas, revelam esgotamento em decorrência da verificação de que essa modalidade não resulta em melhoria dos resultados do ensino, pois a concepção que a sustenta é a de que o ensino é uma atividade técnica que, uma vez aprendida, poder ser aplicada em qualquer situação.

Segundo Pimenta, a deterioração do estágio no bojo da deterioração da Habilitação para o Magistério, demonstrada por vários estudos e pesquisas, leva a conclusão que, de fato, a formação de professores nem fundamenta teoricamente a atuação do futuro professor, nem toma

a prática como referência para a fundamentação teórica. Ou seja, carece de teoria e de prática. Por conta disso,

não é possível falar de prática – não há nem uma prática idealizada, nem uma prática meramente instrumentalizadora. Há uma burocratização do estágio, um cumprimento formal do requisito legal. Quando os alunos da Habilitação Magistério reclamam que os cursos são teóricos, é preciso ler estes reclames como denunciadores de que o curso não prepara teórica e praticamente para o exercício profissional, porque não toma como referência do seu currículo teórico (no qual se inclui o estágio) as necessidades que a escola-campo está colocada. Não se trata, portanto, de responder ‘com mais prática’ e ‘menos teoria’, O curso não forma adequadamente porque é fraco teórica e praticamente. Isto é, não assume a formação de um profissional para atuar na ‘prática social’ (PIMENTA, 2012a, p. 65).

No entendimento de Pimenta (2012a, p. 95):

A atividade docente é práxis. A essência da atividade (prática) do professor é o ensino- aprendizagem. Ou seja, é o conhecimento técnico prático de como garantir que a aprendizagem se realize como consequência da atividade de ensinar. Envolve, portanto, o conhecimento do objeto, o estabelecimento de finalidades e in tervenção no objeto para que a realidade (na aprendizagem) seja transformada, enquanto realidade social. Ou seja, a aprendizagem (ou a não aprendizagem) precisa ser compreendida enquanto determinada em uma realidade histórico-social. A atividade docente é sistemática e científica, na medida em que toma objetivamente (conhecer) o seu objeto (ensinar e aprender) e é intencional, não casuística.