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Capítulo 2 Contextualização

2.1 Pele

2.1.2 Mecanismo de cicatrização de feridas cutâneas

Define-se como ferida uma solução de continuidade da pele, quase sempre de origem traumática, que além da pele pode atingir a hipoderme e o músculo.

Em termos clínicos a cicatrização de uma ferida envolve a conjugação de três processos: (1) re- epitelização, (2) deposição de um tecido conjuntivo específico, a cicatriz, com propriedades funcionais diferentes do tecido original, e (3) contracção. Dependendo do tipo de lesão, geralmente um dos processos é dominante [36].

O mecanismo de cicatrização de feridas cutâneas é um processo biológico complexo que envolve múltiplos mecanismos intracelulares e intercelulares indispensáveis ao restauro do organismo. Este mecanismo pode ser dividido em três fases que se sobrepõem parcialmente: inflamação, proliferação e maturação [37-40].

Inflamação

A fase de inflamação tem início no exacto momento da lesão, com a paragem da hemorragia resultante da ruptura dos vasos sanguíneos (hemostase) e dura aproximadamente três dias, período durante

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qual são iniciados os mecanismos de defesa contra os agentes externos e são estabelecidas as condições que desencadeiam a cicatrização (Figura 2.4a).

Imediatamente após a lesão as plaquetas são activadas para coagular o sangue libertado. O coágulo, composto maioritariamente por plaquetas, eritrócitos e fibrina, funciona como uma matriz provisória para a migração celular e dará origem a uma crosta que protege os tecidos expostos. As plaquetas libertam os seus grânulos alfa que contêm factores de crescimento (como o PDGF – derivado de plaquetas, EGF – epidérmico e TGF- - transformador ) e iniciam o processo de cicatrização, por atracção e activação de fibroblastos, células endoteliais e macrófagos. Estes factores activam ainda o sistema complemento1.

Na fase seguinte, que ocorre entre as 24 e 48h, uma série de agentes quimioatractivos, tais como fragmentos proteicos da matriz extracelular, factor de crescimento TGF-, produtos peptídicos de bactérias, accionam a migração de neutrófilos para o interior da ferida. Estas células têm como função a fagocitose de bactérias e outras partículas estranhas, por acção enzimática e radicais livres de oxigénio, minimizando a contaminação e impedindo a infecção. Durante este período, os queratinócitos não danificados na margem da ferida (e também os das estruturas anexas, no caso de ferimentos de espessura parcial da pele) aumentam a actividade mitótica e começam a migrar para dentro da ferida depositando componentes da membrana basal, iniciando a re-epitelização.

Nas últimas 48 a 78h, torna-se mais importante a actuação dos macrófagos, que são activados por um conjunto de agentes quimioatractivos que incluem componentes de coagulação, fragmentos de imunoglobulina G, produtos resultantes da quebra do colagénio e elastina e citocinas (leucotrina B4, factor plaquetário IV, factores de crescimento PDGF e TGF-). Além de funcionarem como células fagocíticas são as principais produtoras dos factores de crescimento responsáveis pela activação dos fibroblastos e proliferação de células musculares lisas e endoteliais necessárias ao crescimento de novos vasos sanguíneos (angiogénese).

Proliferação

Esta fase começa aproximadamente ao 3º dia após o ferimento e demora cerca de 2 semanas. É caracterizada pela proliferação de fibroblastos e de células endoteliais na ferida, dando início ao processo fibroplasia (síntese de colagénio) e de angiogénese, e respectivamente (Figura 2.4b).

Os fibroblastos surgem no processo entre o 2º e 4º dias da lesão. Os seus principais estímulos são os factores FGF (factor de crescimento de fibroblastos), PDGF, TGF- β, IL-1(interleucina), TNF (factor de

1 Sistema de proteínas funcionalmente ligadas entre si que interage de forma regulada, permitindo uma amplificação da resposta imunológica.

Desenvolvimento de matrizes biomiméticas como substitutos de pele destinados

ao tratamento de queimaduras

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necrose tumoral) e IGT-1 (factor de crescimento do tipo insulina-1). Os fibroblastos começam por produzir fibronectina e ácido hialurónico, seguindo-se o colagénio (essencialmente dos tipos I e III) e os proteoglicanos. Estes componentes irão ajudar a construir uma nova matriz extracelular que irá preencher o defeito tecidual causado pela lesão e suportar o movimento e crescimento de células atraídas para o local. Os factores PDGF e TGF-β induzem também a diferenciação dos fibroblastos em miofibroblastos (tipo de fibroblastos dotados de proteínas contrácteis), que ligando-se às fibras de colagénio III, promovem a contracção das feridas.

Em simultâneo, os factores de crescimento PDGF, FGF, VEGF (factor de crescimento do endotélio vascular) e TGF-β estimulam a migração e proliferação de novos vasos sanguíneos.

Entre o 3º e 5º dias a matriz encontra-se povoada por uma rede microvascular, fibroblastos e células inflamatórias, configurando o tecido de granulação.

Com a evolução do processo, a densidade de células inflamatórias e vasos sanguíneos diminui e o tecido de granulação vai sendo substituído principalmente por colagénio I, finalizando com a formação de tecido de cicatriz.

Maturação

É um período caracterizado pela alteração do tipo de colagénio que compõe a matriz extracelular, transitando para um tecido mais organizado e consequentemente mais resistente (Figura 2.4c). A re- epitelização da lesão finaliza.

Inicialmente, o colagénio III é o mais abundante na ferida, e vai sendo degradado com o decorrer do processo de cicatrização. Por sua vez, o colagénio I é produzido pelos fibroblastos que migraram para a ferida. Por exemplo, o factor de crescimento PDGF estimula uma maior degradação de colagénio I e síntese de colagénio III enquanto o factor TGF-β induz uma maior síntese do tipo I e uma menor degradação do mesmo por influência das metaloproteínases da matriz (MMPs) e seus inibidores.

Deste modo, a razão entre estes dois constituintes tem um papel decisivo na contracção da ferida e no processo de maturação.

Paralelamente à substituição do tipo de colagénio dá-se uma alteração na sua organização. As fibras de colagénio dispostas de uma forma aleatória evoluem para um estado de alinhamento ao longo das linhas de tensão. Este processo é o responsável pelo aumento da resistência da estrutura danificada. Geralmente é necessário esperar alguns meses para que resistência da pele atinja cerca de 80% do valor antes de ter sofrido a lesão. Este tempo depende de certos factores que podem ser divididos em dois tipos fundamentais. Primeiro, tem a ver com os aspectos relativos a toda a terapêutica que foi aplicada. Em

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segundo, existem os aspectos relacionados com o próprio paciente, nomeadamente, os dados relativos à sua idade, estado nutricional e a existência de doenças de base.

Figura 2. 4 Etapas clássicas da cicatrização de feridas: (a) inflamação, (b) proliferação e (c) maturação (adaptado de

[40, 41]). (a) A ferida é preenchida com um coágulo rico em fibrina logo após a lesão (hemostase). São accionados os mecanismos de defesa (neutrófilos e macrófagos) para impedir a infecção. Os queratinócitos na margem da lesão entram em processo mitótico e começam a formar nova epiderme. (b) A maioria das células migra para a ferida. Os fibroblastos começam a sintetizar nova matriz extracelular e novos vasos sanguíneos povoam a área. O novo tecido denomina-se tecido de granulação. A ferida contrai. (c) O tecido de granulação é substituído por tecido de cicatriz (colagénio I). As fibras de colagénio reorganizam-se permitindo um aumento da resistência da pele.

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