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Capítulo 2 Contextualização

2.2 Queimaduras

2.2.1 Tratamento de Queimaduras

Em 2004 cerca de 11 milhões de pessoas a nível mundial recorreram a serviços de saúde com queimaduras severas [2]. Nas últimas décadas, o tratamento deste tipo de lesões sofreu avanços disruptivos muito significativos, reflectindo-se numa melhoria da qualidade de vida das pessoas após os acidentes. A evolução da ciência médica e de procedimentos hospitalares permitiu identificar as principais áreas no que diz respeito aos cuidados médicos de lesões provocadas por queimaduras [43]:

- Fluidoterapia endovenosa segundo protocolos específicos, visando o restabelecimento dos líquidos e electrólitos que estão a sair dos capilares, devido a um aumento de permeabilidade destes pelo corpo todo.

- Adição de suplementos nutricionais no sentido de fazer face à resposta hipermetabólica que o organismo tem nestas situações de agressão violenta.

- Protocolos médicos para controlo das infecções associadas a este tipo de lesões, como a colocação dos pacientes em ambiente asséptico, administração de antibióticos, remoção dos tecidos desvitalizados ou necróticos (desbridamento) e a cobertura temporária ou definitiva das áreas queimadas.

Quando os clínicos estão perante lesões de 1º grau, dependendo da extensão, geralmente optam pela aplicação de cremes hidratantes não havendo necessidade de tapar a ferida (tratamento exposto ou aberto).

Quando as queimaduras são de 2º grau superficial ou profundo mas pouco extenso, a abordagem para o tratamento incide, fundamentalmente, na limpeza da ferida, aplicação de soluções antissépticas e a

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posterior aplicação de agentes tópicos, entre os quais, os que utilizam o princípio activo sulfadiazina de prata a 1%, cujas propriedades antibacterianas oferecem a garantia dos melhores resultados para o tratamento deste tipo de queimaduras.

No que diz respeito a queimaduras de 2º grau profundas e 3º grau a terapia padrão visa o desbridamento e o encerramento da área cruenta. Os métodos utilizados na recuperação deste tipo de lesões podem classificar-se em autoenxertos, xenoenxertos, aloenxertos e substitutos sintéticos ou biosintéticos [44].

Os autoenxertos são procedimentos cirúrgicos que transplantam para a região lesada pele do próprio paciente. Este procedimento pode ocorrer por remoção parcial ou total (ocorre em locais muito específicos como por exemplo as pálpebras, zonas de flexão, à volta da boca, pois a pele não retrai depois de um autoenxerto total) de pele saudável em determinadas regiões do corpo do paciente ou pelo transplante de uma cultura de queratinócitos e fibroblastos autólogos. Por exemplo, o Laserskin(Anika Therapeutics

Inc.) é um produto cujo conceito assenta no transplante de epiderme cultivada in vitro. É efectuada uma recolha de queratinócitos do paciente que são cultivados em laboratório e semeados em matrizes compostas por ácido hialurónico, previamente microfurado a laser, constituindo um ambiente propício à formação do tecido a regenerar.

Os xenoenxertos ou heteroenxertos correspondem a enxertos transplantados entre espécie diferentes. O animal mais utilizado tem sido o porco e os produtos comerciais disponíveis dirigem-se essencialmente à substituição temporária da derme. Um produto exemplo é o OASIS(Healthpoint), um

produto acelular composto por alguns componentes da matriz extracelular como glicosaminoglicanos, fibronectina e proteoglicanos e factores de crescimentos. O MatriDerm (MedSkin Solutions) é um

produto semelhante, mas de origem bovina, constituído pelas proteínas colagénio e elastina. Uma abordagem um pouco diferente mas que se insere na categoria dos xenoenxertos é o Epicel(Genzyme

Tissue Repair Corporation), um produto feito a partir da colheita de queratinócitos do próprio paciente, os quais regeneram a epiderme em ambiente in vitro mediante a presença de fibroblastos de rato. Embora seja um método que permite uma substituição permanente da epiderme, enquanto produto apresenta algumas desvantagens tais como o preço, o tempo de preparação e fragilidade.

Os aloenxertos ou homoenxertos referem-se ao transplante entre indivíduos geneticamente diferentes mas da mesma espécie, podendo ser de doadores vivos ou de cadáver. Geralmente classificam- se em acelulares e celulares. Os aloenxertos acelulares são assim denominados pois resultam no transplante de um tecido cujas componentes celulares foram previamente removidas. Entre estes destacam-se os derivados da derme de doadores cadáveres humanos. A preparação deste tipo de tecidos

Desenvolvimento de matrizes biomiméticas como substitutos de pele destinados

ao tratamento de queimaduras

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passa por um conjunto de etapas que envolve a sua criopreservação e liofilização com o intuito de remover agentes infecciosos e antigénicos. A estrutura acelular resultante serve de suporte para o crescimento de fibroblastos hospedeiros e promover a revascularização. Alguns produtos comerciais que assentam nesta metodologia são o AlloDerm(LifeCell), o GraftJacket (Wright Medical Technologies, Inc.) e o DermaMatrix (Musuloskeletal Transplant Foundation). Estes substitutos são reconhecidos por controlar a

dor mas apresentam limitações na protecção contra a invasão de agentes externos. Outra solução comercializada é a membrana amniótica humana criopreservada, em Portugal disponibilizada pelo Centro de Histocompatibilidade. Esta membrana, imunologicamente inerte, é caracterizada por assegurar um bom transporte de vapor de água, barreira de protecção e o ambiente propício à adesão e proliferação de fibroblastos e células epiteliais que coordenam o processo de reparação. A grande desvantagem reside na dificuldade em obter, preparar e armazenar.

Na base de concepção dos aloenxertos celulares está a produção de um suporte onde são semeados fibroblastos humanos, que sintetizam proteínas e outros componentes da matriz extracelular, nomeadamente factores de crescimento que irão ser usados para estimular as células dentro da ferida promovendo a sua recuperação. Alguns produtos que utilizam este método são o TransCyte (Advanced

BioHealing, Inc.) e o Dermagraft (Advanced Biohealing, Inc.). O primeiro utiliza uma matriz de nylon

revestida com colagénio dérmico de porco onde são semeados fibroblastos neonatais. Os fibroblastos são criopreservados, mas no processo de implante apenas se mantêm intactos a matriz extracelular sintetizada e os factores de crescimento. Como usa colagénio de porco e proteína de bovino no meio de crescimento, a hipersensibilidade a estes produtos são a sua principal contra-indicação. Tipicamente são utilizados como substitutos permanentes de feridas superficiais ou substitutos temporários de feridas mais profundas que requerem enxerto de pele numa fase posterior. No segundo produto os fibroblastos são semeados em matrizes de poliglactina e mantêm-se preservados após implantação na ferida, permitindo que continuem a secretar factores de crescimento e a recrutar células hospedeiras até que o crescimento interno de tecido substitua gradualmente o implante.

Os aloenxertos compósitos são os produtos mais avançados e próximos da pele real actualmente disponíveis no mercado. São produtos constituídos por multicamadas onde crescem em paralelo queratinócitos (regeneração da epiderme) e fibroblastos (regeneração da derme). Dentro dos produtos existentes comercialmente destacam-se o Apligraf(Organogenesis, Inc.), que utiliza gel de colagénio de

bovino tipo I para semear fibroblastos e uma camada de epiderme composta por queratinócitos e o Orcel (Ortec International, Inc.), que utiliza uma esponja composta por colagénio de bovino tipo I onde em cada

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face são semeados fibroblastos e queratinócitos, respectivamente. Tipicamente, estes produtos são mais utilizados no tratamento de feridas crónicas.

Os substitutos sintéticos ou biosintéticos são produtos tipicamente acelulares que podem ser concebidos em monocamada ou bicamada. Um exemplo de produto concebido em monocamada é o

Suprathel (Institute of Textile and Process Engineering, Denkendorf, Germany; Burn Department of

Marienhospital, Stuttgart, Germany) que atua como substituto de epiderme. É composto essencialmente pelo copolímero sintético DL-Láctico (> 70%), trimetilcarbonato e -caprolactona. Apresenta uma boa plasticidade e permeabilidade à água. É uma membrana de estrutura porosa, com poros de diâmetro variável entre 2 a 50 m, que exibe tempos de cicatrização aceitáveis. Quanto a produtos concebidos em bicamada são geralmente substitutos dérmicos mas que contêm uma camada epidérmica à base de silicone removível que ajuda a proteger a ferida. Os produtos que se evidenciam nesta categoria são o Integra

(Integra Life Sciences Corporation) e o Biobrane (UDL Laboratories, Inc.). No primeiro produto a matriz

dérmica é formada por colagénio de bovino e glicosaminoglicanos. A matriz é concebida para ter diâmetros de poros entre 20 a 50 m para promover a infiltração de fibroblastos e células endoteliais da ferida. A matriz é gradualmente reabsorvida à medida que a derme é regenerada e vascularizada. No final, a camada epidérmica é removida e a ferida é encerrada com a aplicação de um autoenxerto. No segundo produto a matriz dérmica é composta por uma malha de nylon coberta com peptídeos derivados de colagénio de porco tipo I que permite a actuação dos fibroblastos hospedeiros e capilares na reparação da derme. Todavia, a aplicação deste produto requer uma ferida previamente vascularizada.

De todos os produtos existentes no mercado ao dispor dos clínicos, ainda não existe um que preencha todos os requisitos para ser denominado, verdadeiramente, de substituto definitivo de pele. Os substitutos descritos estão limitados na cicatrização completa das queimaduras de 3º grau, por rejeição imunitária e por necessidade da realização de um autoenxerto.

Nesse sentido o desenvolvimento de um verdadeiro substituto de pele torna-se uma necessidade premente, sendo por isso uma área com grande espaço para desenvolvimentos e com grande impacto clínico no tratamento de lesões com perda total de pele [3].

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