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2.4 Interacionismo Sócio-Discursivo e seu projeto teórico

2.4.6 Mecanismos de Conexão

Neste momento, trataremos dos mecanismos de conexão os quais deixam explícitas relações existentes entre os diversos níveis da infra-estrutura textual. Bronckart (op. cit.) chama-os de organizadores textuais. Este grupo abarca elementos lingüísticos de ordem vária, como, por exemplo, conjunções, locuções conjuntivas, advérbios, locuções adverbiais, preposições, sintagmas preposicionais, substantivos, sintagmas nominais, entre outros que são nomeados pelo rótulo “conectores”. Quanto às funções destes organizadores, Bronckart (p. 264-265) propõe as seguintes:

ƒ Segmentação: explicitam as articulações do plano textual, ao mesmo tempo em que delimitam suas partes, podendo, sobretudo, assinalar os diferentes tipos de discursos, como, por exemplo, marcar a passagem de um discurso teórico para o discurso interativo.

ƒ Demarcação ou Balizamento: num nível inferior, marcam a junção entre as fases de uma seqüência (cf. seção 2.5.3).

ƒ Empacotamento: são elementos que marcam a forma de junção das frases sintáticas à estrutura que constitui a fase de uma seqüência. Por exemplo, o conectivo “portanto” conecta segmentos da seqüência argumentativa.

ƒ Ligação: Divide-se em dois tipos: Justaposição (coordenação) ou de encaixamento (subordinação). Sua tarefa é a articular orações de um só período.

As unidades acima expostas, apoiando-nos em Bronckart (2003), são compostas de unidades diversas e diferenciam-se, evidentemente, pelo valor semântico. Alguns organizadores temporais (depois, enquanto, antes etc.), são característicos dos discursos da ordem do Narrar. Outros, porém, de ordem lógica (porque, entretanto, etc.) são freqüentes nos discursos do Expor. Há, enfim, organizadores espaciais (acima, abaixo, etc.) freqüentes nas seqüências descritivas que podem aparecer nos discursos do expor ou do narrar.

A coesão47 é a operação responsável pelas marcas de relação de dependência e/ou de descontinuidade entre constituintes internos das frases. Koch (1994), por outro lado, afirma que a coesão estabelece relações de sentido por meio de recursos semânticos e, por meio destes, uma sentença se liga à anterior com a intenção de criar sentidos. Há duas formas básicas de coesão: verbal e nominal. Neste momento, restringir-nos-emos à nominal, a qual serve para a introdução/retomada de argumentos ao longo do texto provocando efeitos de estabilidade/continuidade, no dizer dos autores supracitados. As nominais são semiotizadas por meio de anáforas pronominais e nominais. As primeiras são constituídas por pronomes pessoais, relativos, possessivos, demonstrativos e elipses48.

As anáforas nominais são compostas por sintagmas nominais que retomam o referente (introdução). Podem ser idênticas ao referente ou diferente no plano lexical. Bronckart coteja as anáforas aos mundos discursivos. Para ele, nos discursos da ordem do narrar, há predominância de anáforas pronominais de terceira pessoa, já que este mundo discursivo “põe em cena” vários personagens. Constata que, nas seqüências descritivas, prevalecem anáforas nominais com determinante possessivo49. Nos discursos da ordem do expor, mormente nos discursos interativos, há predomínio das anáforas pronominais de primeira, segunda e terceira pessoas, normalmente, com valor dêitico, com valor anafórico recorrencial do eu, você, nós, a gente. Nos discursos teóricos, as anáforas nominais são, estatisticamente, mais freqüentes dada a abstração dos argumentos presentes.

Com relação à coesão verbal50, os mecanismos atuam na organização temporal e/ou hierárquica das relações expressas pela semântica do verbo. Assim sendo, são realizados principalmente pelos tempos verbais, advérbios, certos organizadores textuais e unidades diversas de temporalização, que, por sua vez, dependem dos tipos de discursos insertos nos textos empíricos. Para Bronckart (2003), ao fazer análise das relações verbais/ temporais, devemos levar em consideração três parâmetros:

ƒ os processos, que são os efeitos de sentido, são “materializados” pelas diversas propriedades aspectuais e pela eventualidade da situação temporal objetiva;

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Para a análise das produções escritas, tomamos como referência a análise de Bronckart (2003), páginas 265- 267.

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Bronckart destaca que determinados pronomes pessoais de 1ª e de 2ª pessoas podem não se inscrever em cadeias anafóricas, mas, por outro lado, costumam referir-se a agentes externos, como ao agente produtor ou aos interlocutores (dêiticos, por exemplo)

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Convém ressaltar que estes dados referem-se ao estudo do francês contemporâneo. Mas, segundo Anna Rachel Machado, tais ocorrências do francês em muito se assemelham ao português de hoje.

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Para maior aprofundamento da coesão verbal, remetemos o leitor a Jean-Paul Bronckart , Editora EDUC, 2003. O autor faz um estudo criterioso dos mecanismos de coesão verbal nos discurso narrativo, relato interativo, discurso teórico, discurso interativo.

ƒ os eixos de referência: também chamados de momento psicológico de referência. Por exemplo: “Hoje, Maria arrumou seu quarto”. O eixo no exemplo proposto pelo autor é: “Hoje”.

ƒ a duração: é o momento da fala, da produção. É psicologicamente construída, em se tratando da produção escrita, por exemplo, de um artigo opinativo.

Dois parâmetros são comuns aos quatro tipos discursivos (os processos e a duração), uma vez que todo discurso constitui o resultado de um ato de produção realizado em certa duração e veicula propriedades de aspecto diversas. Contudo, com relação ao eixo de referência, esta afirmativa fica invalidada, já que este é elemento constitutivo do mundo específico a que cada tipo discursivo se associa. Destacaremos, dados os tipos discursivos que entram na composição da dissertação, apenas o discurso teórico e o relativo interativo. O primeiro é da ordem do expor, articulado a um mundo conjunto ordinário do agente-produtor, marcado pela ausência de origem espaço-tempo. O discurso do mundo teórico é autônomo em relação aos parâmetros do ato produtivo de texto e organiza seu conteúdo temático de forma independente das circunstâncias específicas de uma determinada produção. O sistema tempo/ verbo predominante é o presente de valor genérico e o futuro do presente e o futuro do pretérito.

Com relação ao relato interativo, este se constitui por ser disjunto do mundo ordinário do ato de produção. Como é implicado, seu mundo discursivo ancora-se em dêiticos (ontem, a semana passada, etc.) revelando o eixo temporal de referência entre o início da narração com a duração do ato de produzir o texto. São marcados por diferentes tempos verbais: pretérito imperfeito, mais-que-perfeito, passado composto, entre outros. Sintetizando, podemos dizer que nas dissertações há predominância do tempo presente de valor atemporal, chamado de temporalidade primária, relaciona a produção a um dos eixos de referência ou com a duração associada a este eixo. Por outro lado, há o pretérito perfeito, presente, futuros para falar de fatos numa certa temporalidade (secundária) situando um processo em relação a outro.