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1.2. Vygotsky e a aprendizagem

1.2.5. Mediação

Vygotsky recorreu ao termo "mediação" para descrever a atividade produtora do comportamento em que “o indivíduo modifica ativamente a situação estimuladora como uma parte do processo de resposta a ela” (Cole & Scribner, 1991, p. 15). Assim sendo, a aprendizagem mediada pelos pares é aprendizagem realizada através de métodos que utilizam os próprios alunos como recurso de ensino, ensinando-se uns aos outros. Neste tipo de aprendizagem, um adulto ou uma criança mais apta, guiam a atividade do individuo menos apto, entregando-lhe cada vez mais, o controlo das operações, à medida que este desenvolve habilidades e conhecimentos. “O aprendiz, enquanto vai assumindo maior responsabilidade cognitiva sobre a gestão da atividade, vai gradualmente interiorizando os procedimentos e o conhecimento envolvidos, enquanto se vai tornando mais autorregulado na tarefa ou na habilidade” (Fino, 2001, p. 9). De acordo com Molon a mediação é um processo, não é um ato em que algo se interpõe, não está entre dois termos que estabelecem uma relação, mas é a própria relação (Ribeiro, 2006).

Os mediadores são instrumentos que permitem ao sujeito modificar o estímulo, atuando sobre a realidade, transformando-a (Pozo, 1997). Segundo Alvarez e Río (1993, p. 83), Vygotsky considerava instrumentos psicológicos todos os objetos cuja utilização permitia “ordenar e reposicionar externamente a informação, de modo que o sujeito pudesse escapar da ditadura do aqui e agora, utilizando a sua inteligência, memória ou atenção, no que se pode chamar de uma representação cultural dos estímulos” que podia ser mobilizada quando os indivíduos queriam tê-los na sua mente, e não apenas quando a vida real lhos oferecia. Os investigadores referem que o autor considerava instrumentos psicológicos, por exemplo, o nó do lenço, o semicírculo graduado, a agenda, o semáforo, o sistema de signos, entre outros. No entanto, o sistema de mediação instrumental por excelência é o conjunto de instrumentos fonéticos, gráficos, táteis, etc., ou seja, a linguagem.

Cole e Wertsch referem que, por um lado, Vygotsky considera que as ferramentas, os artefactos, são social e culturalmente concebidos e construídos, e por outro, considera que a sua utilização tem efeitos sobre o seu utilizador e sobre o meio envolvente (Fino, 2001). Deste modo, os nossos sistemas de pensamento seriam fruto da interiorização de processos mediadores desenvolvidos por e em nossa cultura (Alvarez & Río, 1993).

Alvarez e Río (1993) distinguem dois tipos de mediação: a mediação Instrumental e a mediação Social.

1.2.5.1. Mediação instrumental

Como já referimos anteriormente, Vygotsky considera que do conjunto dos instrumentos psicológicos, a ferramenta mais importante é a linguagem. A sua importância deve-se ao facto do ensino entre seres humanos assentar no dom da linguagem e no nosso talento para a “intersubjetividade”, ou seja, na capacidade humana para compreender a mente dos outros, através da linguagem, dos gestos e de outros meios. A aquisição de conhecimentos e capacidades implica uma “subcomunidade em interação”, que pode ser um professor e um aluno ou o aluno e um agente vicário como por exemplo um livro, um filme, uma exposição ou um computador «respondente» (Bruner, 1996). Deste modo, a linguagem constitui um mediador, que por um lado, opera como uma forma de comunicação entre a criança e os outros, e por outro, permite à criança organizar o seu pensamento. Vygotsky defende que é através dos signos que a criança consegue interiorizar “os meios de adaptação social disponíveis a partir da sociedade em geral”, e que “as funções mentais superiores são socialmente formadas e culturalmente transmitidas” (Vygotsky, 1991, p. 83), algo só possível graças à linguagem.

Os trabalhos de Vygotsky permitiram-lhe concluir que a capacidade resolutiva do individuo aumenta quando se recorre à utilização de um instrumento psicológico. Alvarez e Río (1993) referem o exemplo da utilização de cartões com figuras ou “tokens” icónicos para trabalhar uma atividade de categorização e memória. Os autores referem que sem alterar estruturalmente a tarefa, estes permitem uma mediação dos estímulos, que melhora a representação e, com isso, o controle e execução externos, por parte do sujeito. No mesmo sentido, Cole e Wertsch sustentam que a utilização de uma nova ferramenta, de um novo artefacto, num determinado processo de comportamento vai transformar o funcionamento da mente no que se refere a esse comportamento, acrescentando-lhe várias “funções novas” que se prendem, quer com a utilização da ferramenta, quer com o seu controlo; faz cessar outras, “alguns processos naturais” que passam a ser desnecessários com a utilização desta; e substitui algumas funções por outras ao modificar “todo o conjunto dos traços individuais (intensidade, duração, etc.) de todos os processos mentais que fazem parte do ato instrumental” (Fino, 2001, p. 3). Segundo o autor, deste modo as ferramentas, os artefactos não são apenas um “meio de facilitar processos mentais já existentes” mas são o motor de transformação do funcionamento da mente (p. 3).

Os materiais didáticos e os brinquedos educativos constituem uma linha de instrumentos psicológicos, criados pela educação, com uma finalidade estritamente educativa, ou seja, são instrumentos concebidos implicitamente como mediadores representativos na ZDP (Alvarez & Río, 1993). Para além de incentivar o individuo a explorar as suas potencialidades dentro da zona de desenvolvimento proximal, é dever da pedagogia facultar à comunidade educativa o “estojo de ferramentas” que a cultura desenvolveu com objetivos pedagógicos e onde se incluem estes mediadores (Bruner, 1996).

1.2.5.2. Mediação Social

Todas as funções psicológicas superiores têm origem na relação entre seres humanos (Vygotsky, 1991). Com a ajuda do outro, a criança potencia a sua consciência, memória, atenção e inteligência, construindo aos poucos a sua mente. Uma “mente social, que funciona no seu exterior, com apoios instrumentais e sociais externos”, até que esta a consiga dominar e vá construindo correlações mentais dos operadores externos, interiorizando desta forma as funções psicológicas superiores (Alvarez & Río, 1993, p. 85). Vygotsky concluiu que se a criança for orientada e regulada por um adulto ou outras crianças mais capazes do que ela, se “apropria da linguagem, dos signos e significados linguísticos, bem como dos objetos físicos disponíveis no seu meio”, assimilando, através deles, simultaneamente “as formas de pensar, de perceber, de raciocinar de interpretar, implícitas no conhecimento” presentes nesse complexo de inter-relações (Palangana, Galuch, & Sforni, 2002, p. 114). Segundo Alvarez e Río (1993), é este processo de mediação instrumental realizada em articulação com a mediação social, que explica o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. A este processo de mediação social, Vygotsky chama lei de dupla formação dos processos psicológicos. Deste modo, a mediação social constitui o berço da mediação instrumental, pois segundo Alvarez e Río (1993) é através da primeira que o Homem desenvolve a representação externa, com recurso a instrumentos. Os autores sustentam que o processo de mediação é construído através da mediação instrumental num ambiente interpessoal, isto é, entre duas ou mais pessoas que cooperam numa atividade conjunta ou coletiva. Atividade essa, que mais tarde passa a ser desenvolvida pelos sujeitos de forma individual. Deste modo, uma atividade

que inicialmente ocorre externamente, é reconstruida, e começa a ocorrer internamente. Assim, ao longo do desenvolvimento do individuo todas as funções surgem em duas etapas. Começam por surgir a nível social, interpsicológico, entre duas ou mais pessoas, e depois, mais tarde, a nível individual, intrapsicológico, no interior da própria criança (Alvarez & Río, 1993).

Por este motivo, Alvarez e Río (1993) referem que em termos educativos, empregar conscientemente a mediação social, requer atenção não apenas ao conteúdo e aos mediadores instrumentais (ao que se ensina e com quê), mas também aos agentes sociais (a quem ensina) e às suas particularidades.

No documento ULHT Dores Bernardino Trabalho de Projeto (páginas 33-36)