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Antes de passarmos para a análise específica dos dispositivos da Lei Maria da Penha, é necessário fazer uma análise acerca da Tutela Cautelar, compreendendo por quais meios funcionam as medidas protetivas de urgência.

Analisando a Teoria Geral do Processo, extrai-se que tradicionalmente considera-se que, levando em conta a tutela jurisdicional pretendida pelo autor, existem três tipos de processo: o de conhecimento, o de execução e o cautelar, cada uma possuindo funções e características próprias.

O processo de conhecimento tem por objetivo emitir um pronunciamento judicial acerca de determinada situação fática, descrita e comprovada pelas partes. Nesse sentido caracteriza-se por possuir um amplo contraditório, tanto no que diz respeito aos fatos quanto à argumentação jurídica.

Nesse sentido, o processo de conhecimento deve, necessariamente, possuir uma cognição exauriente, ou seja, o direito pleiteado deve estar provado para além de qualquer dúvida antes que o juiz possa pronunciar a sentença.

É através do fim da atividade cognitiva e consequente prolatação da sentença que se formula a norma jurídica concreta, colocando, em tese, fim ao litígio judicial. A sentença então poderá ser considerada título executivo, que servirá para instrumentalizar um processo de execução, nos casos em que a parte condenada não cumpra a determinação judicial.

Excetuando-se nos casos de sentença meramente declaratória, a decisão final do Estado-juiz deverá necessitar de um processo para a sua efetivação. É o nomeado processo de execução. Este caracteriza-se, em princípio, pela ausência de contraditório, visto que teoricamente é composto apenas por atos de coerção no sentido de cumprir a sentença judicial.

É importante ressaltar que o termo “processo” é meramente uma classificação doutrinária. Em verdade, quando temos o Direito Civil, a atividade de execução é contínua ao conhecimento do processo, não existindo mais a separação das duas atividades em procedimentos processuais distintos.

Notadamente, nem sempre a parte que vai a juízo pleitear direito tem condições de esperar o final do processo para obter a prestação judicial. É justamente pelo fato de que se exige cognição exauriente para a prolatação de sentença que o processo muitas vezes é considerado lento, dado o número de provas que ambas as partes necessitam produzir para defender suas respectivas causas.

Assim, em casos onde se verifica a especial urgência da causa, ocorrendo o perigo de lesão do direito pretendido com a passagem do tempo, confere-se ao juiz a possibilidade de utilizar-se de medidas cautelares a fim de garantir que ao final do processo, o direito pleiteado não tenha se esvaído. É em decorrência disto que Marcellus Polastri (2014) o denomina de “instrumento do instrumento”.

Verifica-se que a tutela cautelar guarda similaridade com o processo de conhecimento. Entretanto, aquele possui certas características próprias decorrentes da urgência da demanda.

O processo de conhecimento, tendente à formulação da norma jurídica concreta que deve reger determinada situação, e o processo de execução, por meio do qual se atua, praticamente, essa norma jurídica concreta, têm um denominador comum: visam um e outro à tomada de providências capazes de, conforme o caso, preservar ou reintegrar em termos definitivos a ordem jurídica e o direito subjetivo ameaçado ou lesado. Por isso se diz que constituem modalidades de tutela jurisdicional imediata ou satisfativa. A ambos se contrapõe, em tal perspectiva, o processo cautelar, cuja finalidade consiste apenas em assegurar, na medida do possível, a eficácia prática de providências quer cognitivas, quer executivas. Tem ele, assim, função meramente instrumental em relação às duas outras espécies de processo, e por seu intermédio exerce o Estado uma tutela jurisdicional mediata.

Nesse sentido, da tutela cautelar extrai-se decisão provisória, fundamentando-se apenas na aparência de bom direito (fumus boni iuris) e no perigo da demora (periculim in mora).

3.3.1 Características

Neste capítulo serão tratados pressupostos considerados pela doutrina como gerais.

Em primeiro lugar destaca-se a sua característica autônoma em relação ao processo principal. Considerando que o Processo Cautelar possui petição inicial com pedido distinto daquele do Processo de Conhecimento, irá por consequência gerar sentença distinta daquele. Notadamente, autonomia não significa total desvinculação.

Exemplo disto é que caso o processo principal seja extinto, por decisão com ou sem mérito, automaticamente a tutela cautelar perderá o seu objeto, qual seja, garantir o direito pleiteado, implicando sua consequente extinção.

Entretanto, importante ressaltar que certas medidas cautelares quando tomadas dentro do próprio processo de conhecimento e de execução, sem a existência de um processo cautelar, não dispõe dessa autonomia.

Além disso, verifica-se que a tutela cautelar não tem um fim em si mesma, sendo pautada pela sua instrumentalidade frente ao processo principal. Calamandrei (2000), ao estudar o fenômeno da instrumentalidade no processo

cautelar, opta por dividi-lo em duas vertentes, classificando-o em instrumentalidade qualificada e em instrumentalidade hipotética.

O referido autor aplica o termo instrumentalidade hipotética tendo em vista que a decisão cautelar não depende de decisão favorável do processo principal.

Para que seja concedida medida cautelar, então, bastaria a mera hipótese, probabilidade de que o pedido feito pelo autor seja plausível e que no final haja sentença judicial que lhe seja favorável.

Por outro lado, também destaca a vertente da instrumentalidade qualificada, pontuando que todos os procedimentos jurisdicionais são caracterizados pela sua instrumentalidade frente ao direito substancial pleiteado. Nesse sentido, na relação entre a medida cautelar e o próprio direito, a função daquele seria de indiretamente garantir que o pedido seja, ao final do processo, possível ou exercitável.

Nesse sentido, Galeno Lacerda (apud, Polastri, 2014, p. 65) aponta que: qualquer que seja a natureza da cautela, jurisdicional ou administrativa, é evidente, que o postulante age movido por um interesse. A existência deste não siginifica, porém, que o direito subjetivo exista [...]. Quando a doutrina coloca o interesse entre as condições da ação, considera-o apenas como impulso do ato volitivo, nascido da necessidade de um bem, sem nenhum compromisso com a existência efetiva do direito. No processo cautelar, o interesse resulta da necessidade de segurança para a garantia do resultado útil do processo principal. Nesta perpectiva e neste plano, tal interesse se reveste de caráter meramente processual, caráter genérico e permanente em todas as medidas

A provisoriedade, por sua vez, refere-se ao fato de que a eficácia da tutela cautela é limitada no tempo. Assim, devido ao seu caráter emergencial, a medida cautelar tem a função de meramente proteger o direito pleiteado que naquele momento sofre ameaça de ser desrespeitado.

Passado o perigo de lesão ao bem jurídico, ou caso este tenha sido assegurado no processo principal, torna-se inócua a medida cautelar.

Por fim, a tutela cautelar também é caracterizada pela sua não-

satisfatividade. Assim, o objetivo final da medida cautelar não é satisfazer a

sofra o perigo de perder-se com a passagem do tempo. É nesse sentido que afirma Manuel Galdino (apud, Polastri, 2014, p. 72):

O sentido da satisfatividade que se nega ao processo cautelar é de eficácia externa. Refere-se a impossibilidade de dar cumprimento a um direito objeto do processo principal. Se assim não fosse, e se se permitisse, com a tutela cautelar, atender ao objeto do processo principal, para a garantia de cuja efetividade a preventiva foi concedida, tal liberdade eliminaria a característica fundamental da função da cautela que é a instrumentalidade dobrada. A ação cautelar deixaria de ser de garantia da eficácia de outro processo

Caso a medida cautelar fosse de fato satisfativa, admitir-se-ia a possibilidade de que o juiz decidisse a causa com ausência de cognição exauriente. A ação principal perderia seu objetivo, restando descaracterizado todo o Processo de Conhecimento.

3.3.2 O fumus boni iuris e o periculum in mora

Quando se fala em processo cautelar, imperativo notar que este possui pressupostos específicos ou condições da ação. Fala-se do fumus boni iuris e do periculum in mora.

Como visto anteriormente, a tutela cautelar não exige uma cognição exauriente para a concessão do pedido do autor. Significa dizer que ao Estado-juiz é deferida a capacidade de em determinadas situações julgar com base em provas mínimas que apontem meramente a plausibilidade do direito pleiteado pelo autor.

Esta mera possibilidade é denominada de fumus boni iuris, que traduzida literalmente significa a “fumaça do bom direito”. Portanto, a mera aparência do direito bastaria para a concessão da medida cautelar.

Entretanto, notoriamente, o processo jurídico deve se pautar nos princípios da ampla defesa e do contraditório. A concessão de medida cautelar, portanto, somente pode ocorrer para garantir que o direito pleiteado não sofra o risco de perder-se com a passagem do tempo.

Assim, só se admitiria que o juiz concedesse a medida cautelar frente a situação em que o direito possa perecer com a demora do processo. Esse é o denominado periculum in mora.

As medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, na sua qualidade de cautelares, também necessitam desses pressupostos processuais. Assim, a medida protetiva é deferida diante de um mínimo probatório que indique a ocorrência de violência familiar-afetiva (fumus boni iuris) e o perigo de a vítima sofrer novas agressões (periculum in mora)

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