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Violência entre mulheres

4.1 Sujeito Ativo

4.1.3 Violência entre mulheres

Considerando que a Lei Maria da Penha não discrimina o gênero do agressor, a mulher poderia ser, em tese, o sujeito ativo nos crimes de violência doméstica. Nesse sentido, aplicando-se uma interpretação sistemática da Lei Maria da Penha é possível extrair-se que o sujeito ativo não deve necessariamente pertencer ao gênero masculino, podendo advir do gênero feminino.

Para tanto bastaria que vítima e agressor possuíssem, entre si, uma das modalidades de relacionamento elencadas pelo artigo 5º da Lei Maria da Penha. Relevante notar que não há referência ao gênero do agressor nas disposições do referido dispositivo legal.

Este é o entendimento adotado com base nos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana. Conforme esta doutrina, seria inconstitucional dar tratamento jurídico diferenciado àquela mulher que sofre violência doméstica e familiar, apenas porque seu agressor também pertence ao gênero feminino.

O propósito da lei Maria da Penha seria a proteção de todas as mulheres, indistintamente. Isso é destacado pelo próprio artigo 2º da Lei que ressalta que “toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.

Por outro lado, conforme reafirma o parágrafo único do artigo 5º da Lei nº 11.360/06 para a configuração da lei Maria da Penha, seria irrelevante a orientação sexual das partes. Significa dizer que relacionamentos homossexuais entre mulheres estariam automaticamente abrangidos pela Lei.

É a posição adotada por Ricardo José de Medeiros e Silva (2013, p.1) ao pontuar que:

“[...] seria por demais ilógico e juridicamente incongruente quando, por exemplo, uma mulher sofresse de sua parceira uma violência física ou de

outra natureza (psicológica, sexual, moral ou patrimonial) e não pudesse ser protegida e atendida nos preceitos da Lei Maria da Penha. Sabemos que no Direito nenhuma interpretação pode ser levada ao absurdo. Pensar de tal forma seria no mínimo discriminar, rejeitar, marginalizar, negar a uma mulher a proteção legal instituída pelo simples fato de não considera- la [sic] casada nos termos formais da legislação civilista. Ainda, tal tratamento seria em primeiro plano contrário ao princípio fundamental consagrado na Constituição Federal, que é o da Dignidade da Pessoa Humana (CF. art.1º, III). Em segundo, estar-se-ia afrontando um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art.3º, IV). Como se não bastasse, haveria ainda todo o desrespeito ao art.5º da Constituição Federal, quando trata dos direitos e garantias fundamentais, asseverando expressamente que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Ainda segundo esta corrente, o termo “violência baseada no gênero” apenas serviria para ressaltar que em situação de violência doméstica, as mulheres necessitariam de especial proteção, dada a sua hipossuficiência perante o quadro de agressões físicas e psicológicas.

Conforme ressalta Eliseu Antônio da Silva Belo (2010, p.2):

Ora, a expressão "gênero" contida no caput do transcrito art. 5° procura apenas reforçar a ideia exteriorizada no art. 4° da mesma lei, conforme a qual as mulheres, em situação de violência doméstica e familiar, são pessoas portadoras de condições peculiares e, por esse mesmo motivo, merecedoras de maior proteção jurídica (ação afirmativa), ainda que ela venha a ser vitimada por outra mulher (ressalte-se: desde que entre ambas haja um vínculo caracterizado pela ambiência doméstica, familiar ou de relação íntima de afeto).

Nesse ponto, entretanto, é necessário discordar com esta corrente de pensamento. O termo violência de gênero não tem meramente a função de ressaltar a necessidade de ações afirmativas. Tem, em verdade, a função de especificar a motivação das agressões sofridas pela mulher: discriminação de gênero.

Como anteriormente explicado, o poder publico, ao reconhecer presente a discriminação contra as mulheres na sociedade e na família brasileira, optou por criar um mecanismo legal que protegesse as mulheres inseridas nesse tipo de discriminação, igualando as relações sociais.

Esse é o entendimento que se extrai do artigo 1º da Lei nº 11.360/06. Ao elencar que esta volta-se especificamente para o combate da discriminação contra a mulher, em acordo com a Constituição e Convenções Internacionais, restringe seu alcance.

Assim, embora o agressor tenha relação familiar ou afetiva com a vítima, para a configuração da Lei Maria da Penha, faz-se necessário reconhecer o elemento específico da discriminação do gênero. Quando a violência é motivada por razões diversas da subordinação do gênero feminino, não se aplica a legislação específica.

Exemplo disso, são casos em que o agressor que possui relacionamento familiar-afetivo com a vítima, perpetua agressões físicas e psicológicas, tendo em vista apenas obter vantagem econômica. Nesse contexto, a violência não é motivada por nenhuma forma de preconceito contra a mulher.

Este foi o entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

PENAL. DELITO DE MAUS TRATOS. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. MADRASTA EM FACE DA ENTEADA. APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO. SENTENÇA MANTIDA. 1. SE AUSENTE A SUJEIÇÃO, RELAÇÃO DE SUBORDINAÇÃO OU QUALQUER INDÍCIO DE FRAGILIDADE DA OFENDIDA FRENTE À SUA POSSÍVEL AGRESSORA, AFASTA-SE A INCIDÊNCIA DA LEI Nº 11.340/06. 2. NA ESPÉCIE, O SUPOSTO DELITO DE MAUS TRATOS CONTRA MENOR PRATICADO PELA MADRASTA CONTRA A SUA ENTEADA NÃO CARACTERIZOU VIOLÊNCIA BASEADA NO GÊNERO, NO SENTIDO DE OPRIMI-LA POR SER MULHER. 3. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-DF - APR: 20130710313249 DF 0030429-06.2013.8.07.0007, Relator: JESUINO RISSATO, Data de Julgamento: 10/04/2014, 3ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 22/04/2014 . Pág.: 223)

Portanto só seria admissível adotar a Lei Maria da Penha em casos de violência entre mulheres, se ficasse demonstrado que a agressora tinha o objetivo de oprimir vítima por esta ser mulher.

Naturalmente, isto é algo difícil de ser imaginado, pois implicaria afirmar que a agressora agiria motivada por discriminação contra o próprio gênero. Entretanto, parte da doutrina especializada afirma que este tipo de agressão é possível entre mulheres, especialmente quando estas passam a reproduzir os estereótipos sociais existentes.

Essa é a postura de Marilena Chiauí (1985) que afirma que os padrões de supressão do gênero feminino são passíveis de serem reproduzidos até mesmo pelas próprias mulheres. Neste contexto, a mulher detentora dos mesmos valores

cultivados pela sociedade machista, utilizaria a violência doméstico-familiar como forma de afirmação desses mesmos valores.

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