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Os sujeitos ativo e passivo na Lei Maria da Penha

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CAIO JARBAS BATISTA DE MELO

OS SUJEITOS ATIVO E PASSIVO NA LEI MARIA DA PENHA

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CAIO JARBAS BATISTA DE MELO

OS SUJEITOS ATIVO E PASSIVO NA LEI MARIA DA PENHA

Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Samuel Miranda Arruda.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

M528s Melo, Caio Jarbas Batista de.

Os sujeitos ativo e passivo na Lei Maria da Penha / Caio Jarbas Batista de Melo. –

2014.

57 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Direito Penal.

Orientação: Prof. Dr. Samuel Miranda Arruda.

1. Lei Maria da Penha. 2. Violência doméstica. 3. Violência conjugal - Brasil. 4. Transexuais – Brasil. I. Arruda, Samuel Miranda (orient.). II. Universidade Federal do Ceará Graduação em Direito. III. Título.

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CAIO JARBAS BATISTA DE MELO

OS SUJEITOS ATIVO E PASSIVO NA LEI MARIA DA PENHA

Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Samuel Miranda Arruda.

Aprovada em: ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

_________________________________ Prof. Dr. Samuel Miranda Arruda (Orientador)

Universidade Federal do Ceará – UFC

_______________________________________ Prof. Me. William Paiva Marques Júnior

Universidade Federal do Ceará – UFC

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AGRADECIMENTOS

A todos que de alguma forma contribuíram para a conclusão do presente trabalho fica a minha gratidão, em especial:

A Deus por constantemente abençoar minha vida e iluminar meus caminhos.

Aos meus pais por me guiarem em minha jornada, sempre tendo fé em mim.

Ao professor Samuel Arruda, pelo aprendizado na área de Direito Penal, que viabilizou o presente trabalho.

Aos Membros da Banca, por sua inestimável orientação.

À Juíza Fátima Maria Rosa Mendonça, por seus ensinamentos acerca da Lei Maria da Penha.

A todos os integrantes do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Fortaleza pela inspiração para escrever este trabalho.

À Natasha Souza pela ajuda nas horas mais difíceis.

Aos amigos que fiz durante minha jornada pela Faculdade de Direito, em especial, André Nobre, Francisco Fernando, João Cláudio e Matheus Aragão

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“Tudo o que um sonho precisa para ser realizado é alguém que acredite que ele possa ser realizado”

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RESUMO

A Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, foi resultado de uma luta histórica das mulheres pela conquista de direitos sociais. Nesse contexto, inovou o ordenamento jurídico ao estabelecer mecanismos que garantem a igualdade material entre homens e mulheres, combatendo a violência de gênero. Na qualidade de norma jurídica que concede direitos e impõe obrigações, é imperativo descobrir a quem se destinam tais regras, delimitando seu campo de incidência. Através do estudo doutrinário e jurisprudencial, observa-se que a lei identifica as mulheres como sujeitos passivos do delito de violência doméstica e familiar. Entretanto, em consideração aos princípios constitucionais da liberdade e da dignidade da pessoa humana, o conceito de mulher não pode ser restringindo meramente às noções de sexo biológico, devendo abranger também a própria identidade sexual do indivíduo como nos casos de transexualismo. Em relação ao agressor, verifica-se que a Lei Maria da Penha, em primeiro momento, não realiza quaisquer restrições de ordem sexual, exigindo apenas que sua conduta consista em discriminação de gênero.

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ABSTRACT

The law nº. 11340/06, known as the Maria da Penha Law, was the result of a historical struggle of women for the achievement of social rights. In this context, the legal system was innovated by establishing mechanisms that ensure material equality between men and women, combating gender violence. As a legal rule that grants rights and imposes obligations, it is imperative to find out those who are designed to such rules, limiting their field of focus. Through the doctrinal and jurisprudential study, it is observed that the law identifies women as passive subjects of the crime of domestic violence. However, considering the constitutional principles of freedom and human dignity, the concept of woman cannot be restricted by notions of biological sex, should also cover sexual identity of the individual as in transsexualism itself. Concerning the perpetrator, Maria da Penha Law does not carry any restrictions on sexual order, requiring only that his conduct consists of gender discrimination.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 A VIOLÊNCIA DE GÊNERO SOB O PRISMA DO DIREITO CONSTITUCIONAL E DO INTERNACIONAL ... 12

2.1 Princípios Constitucionais ... 14

2.1.1 Dignidade da Pessoa Humana ... 14

2.1.2 Isonomia ... 15

2.1.2.1 Discriminação Positiva ... 16

2.1.3 Liberdade ... 18

2.1.3.1 Liberdade Sexual ... 19

2.2 Tratados Internacionais acerca da Violência de Gênero ... 20

2.2.1 Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra à mulher ... 21

2.2.2 Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra à mulher (Convenção de Belém do Pará) ... 22

3 A LEI Nº 11.340/06 (LEI MARIA DA PENHA) ... 25

3.1 Antecedentes ... 25

3.2 Maria da Penha ... 27

3.3 Medidas Cautelares ... 28

3.3.1 Características ... 30

3.3.2 O fumus boni iuris e o periculum in mora ... 32

3.4 Disposições gerais da Lei Maria da Penha ... 33

3.4.1 Formas de violência ... 34

3.4.2 Tratamento jurídico-assistencial ... 35

3.4.3 Medidas Protetivas de Urgência ... 37

4 OS SUJEITOS DA LEI MARIA DA PENHA ... 40

4.1 Sujeito Ativo ... 40

4.1.1 Violência baseada no gênero ... 41

4.1.2 Âmbitos doméstico, familiar e afetivo. ... 42

4.1.3 Violência entre mulheres ... 45

4.2 Sujeito Passivo ... 48

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4.2.2 Transexuais ... 51

5CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 54

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1 INTRODUÇÃO

Graças aos regimes democráticos, setores sociais historicamente minoritários estão ganhando voz e reivindicado seus direitos. A partir desse processo, as formas de violência que estes grupos sofrem ficam em evidência, passando a serem debatidas por toda a sociedade. Consequentemente, leis são criadas em resposta a essas violações de direitos.

A Lei Maria da Penha é uma dessas legislações pioneiras. Voltada especificamente para resolver a problemática da violência doméstica contra a mulher, representa uma grande conquista em termos de garantia dos direitos humanos.

Entretanto, na qualidade de instrumento de proteção, tem levantado dúvidas acerca de quem seria o titular das garantias ali descritas. Assim, a doutrina e a jurisprudência debatem acerca de sua aplicação, havendo imprecisão tanto com relação ao agressor (sujeito ativo) quanto à vítima (sujeito passivo). Diante deste quadro, o presente trabalho propõe-se a analisar o âmbito de incidência da lei Maria da Penha, analisando suas repercussões sobre o caso concreto.

A pesquisa é bibliográfica, utilizando-se de livros (em especial aqueles que abrangem a doutrina especializada), bem como às produções acadêmicas sobre o assunto, tais como artigos (científicos e jornalísticos), teses e dissertações. Também será jurisprudencial analisando, especialmente, os mais recentes julgados em relação aos sujeitos ativo e passivo. Dessa forma, determinarei qual é o entendimento majoritário e irei contrapô-lo com argumentos da doutrina especializada.

No primeiro capítulo, avalia-se a problemática da violência contra a mulher confrontada com princípios constitucionais e Convenções Internacionais. Assim, busca-se extrair os fundamentos jurídicos que ensejaram a criação da Lei Maria da Penha, compreendendo seus objetivos e limites legais.

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alcunha, bem como as inovações que esta traz ao combate à violência familiar-afetiva. Para uma melhor avaliação do instituto das medidas protetivas de urgência, é realizado um paralelo com os princípios do Processo Cautelar.

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2 A VIOLÊNCIA DE GÊNERO SOB O PRISMA DO DIREITO CONSTITUCIONAL E DO INTERNACIONAL

Devido às constantes mudanças de valores sociais e culturais, nota-se uma evolução do conceito de violência. Concebido como a definição de violação de direitos alheios por meio da utilização de coerção, a noção de violência é variável e muda de acordo com o tempo e os costumes locais.

Nesse sentido a violência é objeto das mais diversas teorias sociológicas, psicológicas e jurídicas. Trata-se de fenômeno mundial que marca todas as sociedades indistintamente. Suas causas são igualmente complexas, acarretando na dificuldade de abordagem do tema.

Seguindo as próprias variações culturais, atos considerados violentos por determinadas culturas podem ser vistos como naturais, ou mesmo defesos expressamente na Lei de outra cultura.

Exemplo disso é a violência contra crianças que era tida, de forma unânime, como meio eficaz de disciplinar. Embora esse pensamento ainda predomine, nossa sociedade começa a se modificar, como demonstra o advento da Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014, popularmente conhecida como "Lei da palmada".

O Direito, em seu papel normatizador, portanto, retira ou reconhece direitos de indivíduos seguindo as constantes mudanças sociais. Portanto, assim como estas, aquele também está em constante mudança.

É nesse sentido que a evolução histórica do conceito de violência confunde-se com o desenvolvimento das próprias sociedades. Considerando a formação dos institutos democráticos, à medida que os mais diversos grupos ganham espaço e voz através do Estado Democrático de Direito, suas necessidades são postas em evidência e reconhece-se a necessidade de proteção de seus direitos, determinando como ilegais as condutas violadoras de tais garantias.

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movimentos sociais buscam diminuir o abismo social entre homens e mulheres, destacando as formas de subjugação do gênero feminino sob o masculino.

Segundo Damásio de Jesus (2010), nas últimas décadas a violência contra as mulheres tem ganhado grande destaque em todo o mundo graças à ação dos mais diversos movimentos feministas, que deram especial relevo às formas de violência de gênero.

Quando consideramos os direitos humanos, verificamos que estes possuem um caráter universal, abrangendo a todos indistintamente. Entretanto a realidade é muito distinta da teoria jurídica.

De acordo com a pesquisa DataSenado, realizada em 2013, mais de 13 milhões e 500 mil brasileiras já sofreram algum tipo de agressão (19% da população feminina com 16 anos ou mais).

São estudos como este que destacam que ainda existem grandes diferenças entre homens e mulheres. É impossível falar-se em igualdade de gêneros enquanto as mulheres forem vítimas de agressões físicas morais ou psicológicas, frutos de relações de poder e dominação do forte sobre o fraco.

Diante desse quadro é imperativo reconhecer a necessidade de legislação que imponha discriminação positiva em favor das mulheres, que tradicionalmente compõe o denominado "grupo de vulneráveis", igualando os gêneros tanto formalmente quanto materialmente.

A Lei Maria da Penha revelou-se uma grande inovação no ordenamento jurídico pátrio. Seu projeto foi ambicioso: combater uma das mais antigas formas de violência em nossa sociedade, marcada, em suas origens pelo patriarcalismo e pela subjugação do gênero feminino por meio da violência, física ou psicológica.

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2.1 Princípios Constitucionais

Os direitos humanos são intrinsecamente relativos a própria História, consistindo em um fruto das constantes evoluções do ser humano. São direitos que nascem em virtude das mobilizações de grupos e de pessoas em busca de reconhecimento legal de seus valores morais e éticos frente a determinado momento histórico.

É nesse sentido que Noberto Bobbio (1992, p.17) afirma em seu conceito que os direitos humanos são:

aqueles que pertencem ou deveria pertencer a todos os homens ou dos quais nenhum homem pode ser despojado. São aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização

A progressão histórica do reconhecimento de direitos fundamentais levou à formação de Cartas Constitucionais que continham em seu bojo princípios tidos como inalienáveis. Assim, foi com base nesses direitos que inúmeros ordenamentos jurídicos foram construídos, em especial no que diz respeito ao Ocidente.

2.1.1 Dignidade da Pessoa Humana

Dentre os direitos humanos a serem considerados, tem especial valor a dignidade da pessoa humana, base axiológica dos direitos fundamentais, sendo considerada pela nossa Constituição como princípio fundamental da formação do Estado Brasileiro, possuindo força vinculante no que diz respeito a toda sociedade, nela abrangidos tanto o público como o particular.

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de 1988, que afirma que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Lei.

A título de exemplo, segundo o art. 6º da Lei nº 11.340/06, adequando-se às convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, considera-se que a violência contra a mulher é considerada uma das formas de violação da dignidade da pessoa humana. É dessa maneira que o texto legal vincula a atuação do Estado Brasileiro à proteção de seus cidadãos de todas as formas de violência, inclusive a doméstica e familiar, assegurando direitos fundamentais.

Neste sentido, conforme Flávia Piovesan (2006), exige-se do Estado uma atuação positiva que busque a defesa do ser humano, com base em princípios previstos por sua Carta Maior, em contraposição à postura neutra, defendida nos séculos XVII e XVIII, que afirmava que cabia ao Estado tão somente o respeito às liberdades individuais, os chamados direitos de segunda dimensão.

2.1.2 Isonomia

É justamente na exigência de uma atuação do Estado na promoção dos direitos humanos, que se destaca o princípio da isonomia, concebido em seu conceito dualista: igualdade formal e material.

O art. 5º, caput, da Constituição Federal, prevê: “Todos são iguais perante

a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

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Por outro lado, encontra-se a igualdade material. Esta exige do Estado uma atuação positiva no sentido de corrigir desigualdades entre os indivíduos. Nesse caso a desigualdade não estaria presente no tratamento legal, mas sim na própria sociedade, onde certos grupos não possuiriam as mesmas vantagens e oportunidades que outros.

Conforme Hans Kelsen (apud, Cavalcanti, 2008, p. 34) a igualdade

material consistiria na:

a igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres

Destaca-se que segundo esta noção haveria a necessidade de políticas discriminatórias capazes de oferecer tratamento desigual aos desiguais, e, portanto, trazendo equilíbrio social.

2.1.2.1 Discriminação Positiva

É justamente ao considerar a igualdade dos indivíduos materialmente, que se construiu doutrina voltada para a obrigação do Estrado de impor certas políticas que discriminassem os desiguais, visando nivelar as relações sociais entre os indivíduos. Nesse sentido, o conceito de ações positivas refere-se a certas medidas temporárias que combatem as desigualdades sociais, políticas e da violência entre os grupos componentes de uma sociedade.

Um dos mais importantes precursores dessa nova forma de pensamento foi Ronald Dworkin (2002). Seu estudo voltou-se especificamente para a análise da Quarta Emenda que reafirma a igualdade formal, consagrando a cláusula da “equal protection of the Law” (igualdade da proteção da Lei):

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privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade ou bens sem o devido processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição igual proteção das leis1.

Ao compará-la com algumas decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos, o autor afirma ser necessária a realização de políticas públicas compensatórias em favor das minorias para o equilíbrio de relações e garantir que, de fato, todos recebam proteção legal equivalente.

É assim que surge a concepção de ações afirmativas como forma de assegurar o princípio da igualdade material expresso (como no caso do Brasil) ou implícito (a exemplo dos Estados Unidos) em diversas Cartas Constitucionais. Segundo Sérgio Ricardo de Souza (2007), há diferenças entre os termos ações afirmativas e discriminação positiva. Aquela abrange esta e se refere a todos os tipos de ações, determinadas em Lei ou não, voltadas para a proteção de minorias. Por outro lado "discriminação positiva" refere-se exclusivamente a normas legais que visam efetivar a proteção dessas mesmas minorias, conferindo-lhes proteção especial.

No Brasil, aufere-se facilmente a obrigação estatal relativa a igualdade material. Já no seu preâmbulo, a Constituição Federal informa que seu objetivo é a criação de um "Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias"

Também em seu artigo 3º, a Constituição reafirma que a função primordial da República Brasileira é "construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

1 All persons born or naturalized in the United States, and subject to the jurisdiction thereof, are

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Notadamente, ao referir-se a tais objetivos, a Constituição Federal abre portas para que sejam implantadas no ordenamento jurídico ações afirmativas. É exatamente nesse contexto que foi criado o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Maria da Penha.

Tratam-se de legislações que buscam garantir os direitos daqueles que integram os chamados “grupos vulneráveis”. Um idoso, por exemplo, não pode ter tratamento igualitário com um jovem de 25 anos, assim como uma mulher não pode ser tratada de forma análoga ao homem.

Voltando-se especificamente para o que diz respeito às mulheres, ações afirmativas revelam-se fundamentais. Mesmo nos dias atuais as mulheres ainda têm baixa participação no mercado de trabalho. Em 2013, de acordo com o IBGE, as mulheres constituíam maioria na população de 10 anos ou mais de idade, equivalente a 53,7%. Entretanto, eram minoria na população ocupada, cerca de 45,4%.

Também na política nota-se pouca participação feminina. Na Câmara dos Deputados, são atualmente 46 mulheres que exercem mandato entre 513 cadeiras, enquanto que no Senado, existem dez senadoras de um total de 81. Como indicado no começo deste capítulo, apesar da Lei, os índices de violência doméstica também se mantém extraordinariamente elevados.

Todos esses fatores unidos nos levam a crer na importância de legislações que estabeleçam diferenciações entre homens e mulheres privilegiando o estabelecimento de uma real igualdade de oportunidades entre os gêneros

2.1.3 Liberdade

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Nesse sentido, conforme afirma Kelsen (apud, Cavalcanti, 2008), o

princípio da liberdade seria limitado apenas pela existência do direito de outrem. Quer dizer, o indivíduo pode fazer valer a sua vontade desde que não implique na violação de direitos da coletividade a qual aquele faz parte.

Seria, portanto, papel do ordenamento jurídico determinar os limites entre os indivíduos, organizando a sociedade civil. As normas jurídicas impõe ou proíbem determinadas condutas, restringindo a liberdade do indivíduo em prol de terceiros, seja pessoa física ou jurídica.

2.1.3.1 Liberdade Sexual

O direito a liberdade à escolha sexual é uma ramificação específica do próprio princípio da liberdade.

Entretanto, a liberdade sexual não é amparada apenas pelo princípio da liberdade. De fato, também encontra fundamentos nos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana.

Seguindo a linha de raciocínio de que o indivíduo é livre na medida em que não prejudica direitos de outrem, o princípio da dignidade humana impõe o reconhecimento da identidade sexual como forma de expressão livre do indivíduo. Por sua vez o princípio da isonomia prega que a pessoa não deve ser tratada de maneira discriminatória em função de suas escolhas pessoais.

É o entendimento de Maria Berenice Dias (2010, p. 90), ao afirmar que: o direito à homoafetividade, além de estar amparado pelo princípio fundamental da isonomia, cujo corolário é a proibição das discriminações injustas, também se alberga sob o teto da liberdade de expressão

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Tal proteção se faz necessária, tendo em vista que a sexualidade seria uma parte única e inalienável do ser humano, compondo sua personalidade. Conforme afirma Maria Berenice Dias (2010, p. 99):

“Indispensável reconhecer que a sexualidade integra a própria condição

humana. Ninguém pode realizar-se como ser humano se não tiver assegurado o respeito de exercer livremente sua sexualidade com quem desejar, conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade à livre orientação sexual. A sexualidade é um elemento da própria natureza humana, seja individual, seja genericamente considerada. Sem liberdade sexual, sem direito ao livre exercício da sexualidade, sem opção sexual livre, o próprio gênero humano não consegue alcançar a felicidade.”

Assim, na qualidade de parte da personalidade do ser humano, a sexualidade deve ser resguardada, o que é obrigação tanto do poder público quanto da sociedade civil.

2.2 Tratados Internacionais acerca da Violência de Gênero

Embora seja notoriamente mais reconhecida, a Lei Maria da Penha não foi a primeira iniciativa do País a tratar do assunto violência doméstica. Antes de sua criação, a nível internacional, pelo menos, já havia grande preocupação com as formas de violência de gênero existentes, bem como seus efeitos na desigualdade material e formal entre homens e mulheres.

Internacionalmente, o país foi signatário de duas convenções voltadas à finalidade específica de proteger a mulher vítima de violência doméstica e familiar: a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (CEDAW), ratificada pelo Brasil em 1984 e conhecida como a Lei Internacional dos Direitos da Mulher; e a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, frequentemente denominada sob a alcunha de “Convenção de Belém do Pará”.

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signatários, combatendo eventuais omissões do direito interno e da Administração Pública.

2.2.1 Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra à mulher

No ano de 1975 teve lugar no México a I Conferência Mundial sobre a Mulher, resultando na Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (CEDAW). Tal convenção foi aprovada na Assembléia Geral das Nações Unidas na data de 18 de dezembro de 1979 através da Resolução 34/180, tendo sido assinada pelo Brasil em 31 de março de 1981, e posteriormente ratificada em 01 de fevereiro de 1984, entrando em vigor em 02 de março de 1984. Trata-se do primeiro tratado ratificado pelo Brasil.

A CEDAW tinha como objetivo o reconhecimento dos direitos básicos da mulher, assegurando, sobretudo, um tratamento igualitário entre homens e mulheres. Neste sentido, destacou-se por ser pioneira no reconhecimento da discriminação de gênero como uma forma de violência. De posse de tais estipulações, tratou-se do primeiro instrumento internacional de direitos humanos a voltar-se exclusivamente para a proteção dos direitos femininos.

Para tanto, delimitou em essência duas obrigações para seus signatários: o dever de promover a igualdade formal e material entre homens e mulheres e a criação de instrumentos de coibição da prática de discriminação contra a mulher.

Seu grande destaque foi a definição do conceito de "discriminação contra a mulher", qualificando-a como:

toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

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coibindo o seu bem estar físico e psicológico, além de impor barreiras ao desenvolvimento de suas capacidades, cabendo à comunidade internacional o seu combate.

Posteriormente à ratificação da convenção pelo Brasil, em 12 de março de 1999, a Comissão do Status da Mulher da ONU adotou o chamado Protocolo Facultativo, documento que, após ser aprovado pela Assembléia das Nações Unidas, ampliou os compromissos dos países signatários, tendo em vista reforçar os direitos e garantias previstos na Convenção objeto.

Em 2001, o Brasil assinou tal protocolo que previa dois novos meios de aferição das denúncias de discriminação contra a mulher: um mecanismo de petição para o fornecimento de denúncias, bem como a instalação de um procedimento investigatório, possibilitando ao Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher meios de auferir a existência de violações de direitos humanos contra as mulheres.

Apesar de suas conquistas, a CEDAW apresentou uma grave falha: não delimitou os conceitos de violência doméstica e sexual contra a mulher, limitando-se a genericamente atribuir tais casos ao âmbito da discriminação de gênero. Conforme pesquisas divulgadas à época, tratava-se de uma das formas mais recorrentes de desrespeito aos direitos da mulher. Considerando essa lacuna, fez-se necessária a criação de instrumento legal próprio para a prevenção deste tipo específico de violência.

2.2.2 Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra à mulher (Convenção de Belém do Pará)

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Trata-se do primeiro instrumento internacional que reconhece como endêmica a violência doméstica contra a mulher, dando-lhe tratamento de fenômeno social mundial, que atinge mulheres nas mais diversas culturas, independente de etnia, religião, idade ou classe. Também enfatiza a fragilidade dos meios de defesa dos direitos humanos no combate a essa forma específica de violência. Segundo Stela Valéria Soares Cavalcanti (2008, p. 96), tal convenção é fruto dos movimentos feministas que tiveram especial destaque em denunciar a violência doméstica como fator imbutido na cultura mundial.

Também afirma pela primeira vez um conceito de violência doméstica em seu artigo primeiro, definindo como:

Qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em dano físico, sexual ou psicológico ou sofrimento para a mulher, inclusive ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária da liberdade, quer isto ocorra em público ou na vida privada.

Além disso, qualifica as modalidades de violência contra a mulher em três categorias:

a) que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual;

b) que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar, e

c) que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

Nota-se que a convenção tratou o tema de maneira genérica utilizando-se de conceitos amplos e flexíveis para definir a natureza da violação de direitos da mulher. Conforme Flávia Piovesan (2006, p. 218) assim foi feito visando adequar o conceito as mais diversas realidades dos Estados-Partes, possibilitando uma defesa igualmente ampla da integridade física e psicológica das mulheres.

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obrigação de criação de legislação específica sobre o assunto. Com relação a esta parte podemos observar que o Brasil respeitou o convencionado com a criação da Lei Maria da Penha, instrumento específico para o resguardo dos direitos da mulher que estabeleceu medidas cautelares para a sua proteção, bem como estabeleceu um processo judicial mais célere ao implantar juizados especiais voltados exclusivamente para tais casos.

Além disso, tal convenção também possibilitou o oferecimento de petições diretamente a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, desde que esgotadas as vias judiciais nacionais, conforme seu artigo 12º. Foi precisamente tal instrumento que possibilitou que Maria da Penha Maia Fernandes denunciasse seu caso à OEA, gerando grande comoção, tanto dentro do país quanto internacionalmente. Este caso específico alertou a sociedade acerca da gravidade do problema da violência doméstica, e consequentemente, inspirou a criação da Lei Maria Da Penha.

O artigo 12º dá aos organismos internacionais a possibilidade de responsabilização do Estado-Parte denunciado, condenando-o política e moralmente além de estipular o pagamento de indenizações a vítima e seus familiares. Nesses casos, o Estado denunciado deverá fornecer explicações perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e punir os eventuais agressores que perpetuaram a violência contra a mulher.

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3 A LEI Nº 11.340/06 (LEI MARIA DA PENHA)

Quando se fala da lei nº 11.340/06, observa-se que esta volta-se especificamente para a proteção da mulher. Mais do que simplesmente impor penas mais duras à violência doméstica, o legislador revelou-se sábio ao buscar maneiras de proteger as vítimas de agressões, que não raras vezes acontecem dentro de seus próprios lares, sem possibilidade de defesa.

De acordo com pesquisas, geralmente as agressões sofridas pela vítima não se limitam a um caso isolado. Assim, o agressor, diariamente, pratica violência contra a mulher, violando seus direitos e submetendo esta a graves agressões físicas e psicológicas, a exemplo do que ocorreu com Maria da Penha.

De acordo com pesquisa realizada pelo DataSenado, em março de 2013, estima-se que 700 mil brasileiras convivem com seus agressores e sofrem constantemente agressões físicas e verbais.

Conforme afirma Maria Berenice Dias (2004, p.21), nestes casos nota-se a necessidade de imediata intervenção do poder público em defesa da mulher. Dada a urgência dos casos, é inviável que a vítima seja forçada a esperar o julgamento de um processo para que só então o Estado aja no sentido de defendê-la das agressões sofridas.

Foi justamente ao considerar a hipossuficiencia da vítima ante tal tipo de violência que a lei Maria da Penha prevê uma série de medidas cautelares visando a proteção da mulher. Para melhor entender a natureza de tais medidas faz-se necessário um estudo mais aprofundado acerca do poder de cautela.

3.1 Antecedentes

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demonstrar preocupação específica com o tema em 2002, com a publicação da Lei nº 10.455, prevendo a possibilidade de medida cautelar de afastamento do agressor do lar conjugal em casos de violência doméstica.

Apesar da previsão desta medida cautelar, nada havia mudado em termos propriamente penais até a promulgação da Lei nº 10.886/04, quando foram introduzidas mudanças na legislação penal, acrescentando-se ao artigo 129 do Código Penal os §§ 9º e 10, que discorriam sobre circunstâncias agravantes e causas de aumento de pena, respectivamente.

No entanto, apesar de o legislador ter demonstrado preocupação com o tema, a doutrina pátria fez severas críticas a mudança. Conforme afirma Maria Berenice Dias (2010), a mudança teve fins mais educativos do que repressivos ao aumentar a pena mínima de 3 para 6 meses. Em verdade, na opinião da autora, implicou em graves prejuízos visto que impediu a aplicação da circunstância agravante prevista no artigo 61 do Código Penal.

Nesse mesmo sentido é o que afirma Sérgio Ricardo de Sousa (2007). Para o autor a mudança foi tímida visto que limitava a violência doméstica àqueles casos em que necessariamente haveria lesão corporal, desprezando agressões psicológicas, como as decorrentes do crime de ameaça, por exemplo.

Por outro lado, a doutrina também ressalta certos pontos positivos. Sérgio Ricardo (2007) afirma que trouxe a causa de aumento de pena prevista no § 10º do artigo 129 do Código Penal, aumentando a pena em até um terço, o que daria um maior tom repressivo à conduta.

Também se considera importante o fato de não trazer distinções quanto a orientação sexual dos envolvidos, permitindo assim que a nova regra se aplicasse também a pessoas do mesmo sexo, bastando que possuíssem entre si algum tipo de laço familiar ou afetivo.

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lesão praticada contra familiar ou cônjuge, a ação passaria a ser pública incondicionada.

3.2 Maria da Penha

Apesar das alterações realizadas pelas Leis nº 10.455/02 e 10.886/04, não havia instrumento legal que efetivamente combatesse a problemática da violência doméstica. De fato, somente houve real interesse legislativo quando da promulgação da Lei Maria da Penha. Esta consistiu em um conjunto amplo de modificações que visam não apenas punir, mas também salvaguardar as mulheres vítimas de violência.

Para a sua melhor compreensão, é necessário retornarmos às suas origens, avaliando o contexto em que foi criada para determinar futuramente sua abrangência.

Sua alcunha trata-se de uma homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, biofarmacêutica cearense que foi casada com o professor universitário Marco Antonio Herredia Viveros durante 23 anos. A história de seu relacionamento foi marcada pelas constantes agressões e abusos sofridos, onde a vítima vivia em constante estado de terror em seu próprio lar.

Em 1983, Maria da Penha sofreu a primeira tentativa de assassinato, quando levou um tiro nas costas enquanto dormia. Seu marido alegou que tinham sido atacados por assaltantes. Em decorrência de seus ferimentos, Maria da Penha tornou-se paraplégica. Entretanto, isso não significou o final de seu sofrimento. Meses depois, sofreu nova tentativa de homicídio quando Marco Antonio tentou eletrocutá-la.

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Com o apoio do Centro pela Justiça e o Direito Internacional - CEJIL e do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM, ONGs em prol dos direitos da mulher, Maria da Penha fez uma denúncia formal à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), que condenou o Brasil responsabilizando-o pela negligência perante o caso.

A título de compensação, a OEA determinou que o país pagasse uma indenização no valor de 60 mil reais, em favor de Maria da Penha, além de ter recomendando que o Brasil criasse dispositivos que simplificassem o processo judicial, visando a sua celeridade perante casos de violência doméstica. Em julho de 2008, Maria da Penha recebeu a referida indenização, no valor de 60 mil reais, durante um evento cerimonial, onde houve um pedido de desculpas público por parte do Estado do Ceará.

3.3 Medidas Cautelares

Antes de passarmos para a análise específica dos dispositivos da Lei Maria da Penha, é necessário fazer uma análise acerca da Tutela Cautelar, compreendendo por quais meios funcionam as medidas protetivas de urgência.

Analisando a Teoria Geral do Processo, extrai-se que tradicionalmente considera-se que, levando em conta a tutela jurisdicional pretendida pelo autor, existem três tipos de processo: o de conhecimento, o de execução e o cautelar, cada uma possuindo funções e características próprias.

O processo de conhecimento tem por objetivo emitir um pronunciamento judicial acerca de determinada situação fática, descrita e comprovada pelas partes. Nesse sentido caracteriza-se por possuir um amplo contraditório, tanto no que diz respeito aos fatos quanto à argumentação jurídica.

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É através do fim da atividade cognitiva e consequente prolatação da sentença que se formula a norma jurídica concreta, colocando, em tese, fim ao litígio judicial. A sentença então poderá ser considerada título executivo, que servirá para instrumentalizar um processo de execução, nos casos em que a parte condenada não cumpra a determinação judicial.

Excetuando-se nos casos de sentença meramente declaratória, a decisão final do Estado-juiz deverá necessitar de um processo para a sua efetivação. É o nomeado processo de execução. Este caracteriza-se, em princípio, pela ausência de contraditório, visto que teoricamente é composto apenas por atos de coerção no sentido de cumprir a sentença judicial.

É importante ressaltar que o termo “processo” é meramente uma classificação doutrinária. Em verdade, quando temos o Direito Civil, a atividade de execução é contínua ao conhecimento do processo, não existindo mais a separação das duas atividades em procedimentos processuais distintos.

Notadamente, nem sempre a parte que vai a juízo pleitear direito tem condições de esperar o final do processo para obter a prestação judicial. É justamente pelo fato de que se exige cognição exauriente para a prolatação de sentença que o processo muitas vezes é considerado lento, dado o número de provas que ambas as partes necessitam produzir para defender suas respectivas causas.

Assim, em casos onde se verifica a especial urgência da causa, ocorrendo o perigo de lesão do direito pretendido com a passagem do tempo, confere-se ao juiz a possibilidade de utilizar-se de medidas cautelares a fim de garantir que ao final do processo, o direito pleiteado não tenha se esvaído. É em decorrência disto que Marcellus Polastri (2014) o denomina de “instrumento do instrumento”.

Verifica-se que a tutela cautelar guarda similaridade com o processo de conhecimento. Entretanto, aquele possui certas características próprias decorrentes da urgência da demanda.

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O processo de conhecimento, tendente à formulação da norma jurídica concreta que deve reger determinada situação, e o processo de execução, por meio do qual se atua, praticamente, essa norma jurídica concreta, têm um denominador comum: visam um e outro à tomada de providências capazes de, conforme o caso, preservar ou reintegrar em termos definitivos a ordem jurídica e o direito subjetivo ameaçado ou lesado. Por isso se diz que constituem modalidades de tutela jurisdicional imediata ou satisfativa. A ambos se contrapõe, em tal perspectiva, o processo cautelar, cuja finalidade consiste apenas em assegurar, na medida do possível, a eficácia prática de providências quer cognitivas, quer executivas. Tem ele, assim, função meramente instrumental em relação às duas outras espécies de processo, e por seu intermédio exerce o Estado uma tutela jurisdicional mediata.

Nesse sentido, da tutela cautelar extrai-se decisão provisória, fundamentando-se apenas na aparência de bom direito (fumus boni iuris) e no

perigo da demora (periculim in mora).

3.3.1 Características

Neste capítulo serão tratados pressupostos considerados pela doutrina como gerais.

Em primeiro lugar destaca-se a sua característica autônoma em relação ao processo principal. Considerando que o Processo Cautelar possui petição inicial com pedido distinto daquele do Processo de Conhecimento, irá por consequência gerar sentença distinta daquele. Notadamente, autonomia não significa total desvinculação.

Exemplo disto é que caso o processo principal seja extinto, por decisão com ou sem mérito, automaticamente a tutela cautelar perderá o seu objeto, qual seja, garantir o direito pleiteado, implicando sua consequente extinção.

Entretanto, importante ressaltar que certas medidas cautelares quando tomadas dentro do próprio processo de conhecimento e de execução, sem a existência de um processo cautelar, não dispõe dessa autonomia.

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cautelar, opta por dividi-lo em duas vertentes, classificando-o em instrumentalidade qualificada e em instrumentalidade hipotética.

O referido autor aplica o termo instrumentalidade hipotética tendo em vista que a decisão cautelar não depende de decisão favorável do processo principal.

Para que seja concedida medida cautelar, então, bastaria a mera hipótese, probabilidade de que o pedido feito pelo autor seja plausível e que no final haja sentença judicial que lhe seja favorável.

Por outro lado, também destaca a vertente da instrumentalidade qualificada, pontuando que todos os procedimentos jurisdicionais são caracterizados pela sua instrumentalidade frente ao direito substancial pleiteado. Nesse sentido, na relação entre a medida cautelar e o próprio direito, a função daquele seria de indiretamente garantir que o pedido seja, ao final do processo, possível ou exercitável.

Nesse sentido, Galeno Lacerda (apud, Polastri, 2014, p. 65) aponta que:

qualquer que seja a natureza da cautela, jurisdicional ou administrativa, é evidente, que o postulante age movido por um interesse. A existência deste não siginifica, porém, que o direito subjetivo exista [...]. Quando a doutrina coloca o interesse entre as condições da ação, considera-o apenas como impulso do ato volitivo, nascido da necessidade de um bem, sem nenhum compromisso com a existência efetiva do direito. No processo cautelar, o interesse resulta da necessidade de segurança para a garantia do resultado útil do processo principal. Nesta perpectiva e neste plano, tal interesse se reveste de caráter meramente processual, caráter genérico e permanente em todas as medidas

A provisoriedade, por sua vez, refere-se ao fato de que a eficácia da tutela cautela é limitada no tempo. Assim, devido ao seu caráter emergencial, a medida cautelar tem a função de meramente proteger o direito pleiteado que naquele momento sofre ameaça de ser desrespeitado.

Passado o perigo de lesão ao bem jurídico, ou caso este tenha sido assegurado no processo principal, torna-se inócua a medida cautelar.

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sofra o perigo de perder-se com a passagem do tempo. É nesse sentido que afirma Manuel Galdino (apud, Polastri, 2014, p. 72):

O sentido da satisfatividade que se nega ao processo cautelar é de eficácia externa. Refere-se a impossibilidade de dar cumprimento a um direito objeto do processo principal. Se assim não fosse, e se se permitisse, com a tutela cautelar, atender ao objeto do processo principal, para a garantia de cuja efetividade a preventiva foi concedida, tal liberdade eliminaria a característica fundamental da função da cautela que é a instrumentalidade dobrada. A ação cautelar deixaria de ser de garantia da eficácia de outro processo

Caso a medida cautelar fosse de fato satisfativa, admitir-se-ia a possibilidade de que o juiz decidisse a causa com ausência de cognição exauriente. A ação principal perderia seu objetivo, restando descaracterizado todo o Processo de Conhecimento.

3.3.2 O fumus boni iuris e o periculum in mora

Quando se fala em processo cautelar, imperativo notar que este possui pressupostos específicos ou condições da ação. Fala-se do fumus boni iuris e do

periculum in mora.

Como visto anteriormente, a tutela cautelar não exige uma cognição exauriente para a concessão do pedido do autor. Significa dizer que ao Estado-juiz é deferida a capacidade de em determinadas situações julgar com base em provas mínimas que apontem meramente a plausibilidade do direito pleiteado pelo autor.

Esta mera possibilidade é denominada de fumus boni iuris, que traduzida

literalmente significa a “fumaça do bom direito”. Portanto, a mera aparência do direito bastaria para a concessão da medida cautelar.

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Assim, só se admitiria que o juiz concedesse a medida cautelar frente a situação em que o direito possa perecer com a demora do processo. Esse é o denominado periculum in mora.

As medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, na sua qualidade de cautelares, também necessitam desses pressupostos processuais. Assim, a medida protetiva é deferida diante de um mínimo probatório que indique a ocorrência de violência familiar-afetiva (fumus boni iuris) e o perigo de a vítima sofrer

novas agressões (periculum in mora)

3.4 Disposições gerais da Lei Maria da Penha

Em setembro de 2006, a Lei 11.340/06 entrou em vigor, modificando a legislação vigente acerca da violência contra a mulher. Apesar de sofrer críticas, a Lei Maria da Penha consiste em uma estrutura normativa dinâmica que não apenas institui punições mais rigorosas para os agressores, mas também estabelece mecanismos de proteção e assistência às vítimas.

Conforme afirma Stela Valéria Soares Cavalcanti (2008, p. 107):

È uma lei que tem mais o cunho educacional e de promoção de políticas públicas de assistência às vítimas do que a intenção de punir mais severamente os agressores dos delitos domésticos, pois prevê em vários dispositivos medidas de proteção à mulher em situação de violência doméstica e familiar, possibilitando uma assistência mais eficiente e a salvaguarda dos direitos humanos das vítimas

Embora se trate de uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro, esta legislação expressamente vincula seus objetivos a outras disposições normativas. É o que se extrai da leitura das disposições preliminares da lei Maria da Penha, que informam que seu texto legal encontra fundamento jurídico na Constituição Federal e nas Convenções e Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Brasil.

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Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação

sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Em uma primeira vista, o artigo 2º poderia aparentar ser apenas uma repetição inútil da Carta Constitucional, ao versar que as mulheres são titulares de direitos humanos. Entretanto, tal artigo tem a função de destacar que os direitos humanos das mulheres são violados quando oprimidas em função do gênero, cabendo ao Estado garantir-lhes proteção.

É nesse sentido que no seu artigo 3º prevê que tanto o poder público quanto a família brasileira tem o dever de criar condições para o pleno desenvolvimento dos direitos das mulheres.

3.4.1 Formas de violência

Além de tratar a problemática da violência contra a mulher como uma violação aos direitos humanos, a Lei Maria da Penha também tem especial relevância por ter especificado as mais diversas formas de violência que podem ocorrer dentro do âmbito familiar-afetivo.

É assim que no seu artigo 7º, descreve quatro modalidades de violência: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Violência física é compreendida como qualquer forma de ofensa à integridade ou a saúde do corpo humano. Assim abrange vias de fato e lesões corporais em suas formas leve, grave e gravíssima. Também diz respeito aos crimes contra a vida, tais como homicídio e aborto.

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Violência sexual é qualquer conduta que imponha constrangimento de natureza sexual, impondo que a vítima presencie ou participe de relação sexual ou de ato libidinoso. Trata-se de conduta que restringe o direito da vítima a liberdade sobre seu próprio corpo e sobre sua sexualidade.

Violência patrimonial traduz-se em ação ou omissão que implique na limitação ou anulação do direito da vítima sobre bens, moveis ou imóveis. Em verdade, esta é uma importante adição às modalidades de violência contra a mulher, entendendo a proteção da Lei Maria da Penha sobre o direito de propriedade.

Violência moral, nos termos da Lei nº 11.340/06, é compreendida como qualquer conduta que implique injúria, calúnia ou difamação. Em outras palavras, abrange todas as formas de ofensa a honra da vítima, que implique na degradação de sua imagem.

3.4.2 Tratamento jurídico-assistencial

Além de delimitar as formas de violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha também se propõe a criar uma rede de atendimento para amparar situações de violência, estabelecendo uma ação integrada do Poder Judiciário, do Ministério Público e das instituições de segurança pública.

É assim que dispõe de regras específicas para o atendimento prioritário para vítimas desse tipo de violência. Determina que sejam criadas Delegacias específicas para o atendimento das vítimas de violência familiar-afetiva, bem como a criação dos Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

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Nesse sentido, o Poder Judiciário passa a contar com profissionais de saúde e de assistência social especializados em tratar casos de violência familiar-afetiva.

Também propõe a criação de políticas educacionais específicas em todos os níveis de ensino, visando a conscientização da população acerca da problemática da violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesse sentido, propõe-se a disseminar valores éticos de respeito a dignidade da pessoa humana com enfoque no gênero.

Para efeitos de ampliar o estudo nessa área, obriga o poder público a realizar pesquisas que avaliem os números, as causas e as consequências da violência contra a mulher, bem como a proposição de soluções, visando a sistematização dos dados.

A Lei Maria da Penha também trouxe importante mudança processual. Anteriormente, a maioria dos delitos de violência contra a mulher eram processados e julgados perante os Juizados Especiais Criminais, nos moldes da Lei nº 9.099/95. A mudança aconteceu quando, em seu artigo 41, a Lei Maria da Penha vedou a aplicação da Lei nº 9.099/95, confirmando que a partir de então, os delitos contra a mulher passariam a possuir tratamento específico.

A Lei nº 9.099/95 importa em um conjunto de disposições jurídicas que visam dar maior celeridade a processos penais e civis. No que diz respeito à Lei Penal, estabelece o conceito de crime de menor potencial ofensivo que compreende todas as contravenções penais e os crimes que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos.

Considerando o menor potencial ofensivo, a Lei nº 9.099/95 prioriza alternativas às penas privativas de liberdade, permitindo a composição de danos entre vítima e acusado e a substituição da prisão por penas restritivas de direitos.

Stela Valéria Cavalcanti (2008, p. 229) afirma que a aplicação da Lei nº 9.099/95 prejudicava o combate a violência contra a mulher, porque:

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b) pelo grande número de arquivamento dos processos pela desistência do direito de representação da vítima; c) pela aplicação indiscriminada de penas de cestas básicas ou multa

Nesse sentido, aqueles delitos de violência doméstica que eram contravenções penais ou que possuíam pena inferior a máxima não superior a 2 (dois) anos deixaram de serem tratados como crime de menor potencial ofensivo, sendo reconhecida a gravidade da violência contra a mulher.

Em uma primeira vista poderia parecer que a lei está criando uma desigualdade formal entre os crimes de menor potencial ofensivo, atribuindo aos delitos de violência contra a mulher tratamento mais grave. Mas tal medida se faz necessária como forma de efetivação da igualdade material entre os gêneros, punindo com maior rigor os delitos que importem em submissão ou opressão da mulher.

É o que explica o Ministro Luiz Fux no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4424:

Longe de afrontar o princípio da igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, I, da Constituição), a Lei nº 11.340/06 estabelece mecanismos de equiparação entre os sexos, em legítima discriminação positiva que busca, em última análise, corrigir um grave problema social. Ao contrário do que se imagina, a mulher ainda é subjugada pelas mais variegadas formas no mundo ocidental [...]Justifica-se, portanto, o preceito do art. 41 da Lei nº 11.343/06, afastando-se todas as disposições da Lei nº 9.099/95 do âmbito dos crimes praticados contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. Ao suposto ofensor, não serão conferidos os institutos da suspensão condicional do processo, da transação penal e da composição civil dos danos.

Assim, considerando a gravidade e a recorrência do delito de violência doméstica contra a mulher, o legislador busca aumentar a repreensão penal, garantindo a proteção dos direitos da vítima.

3.4.3 Medidas Protetivas de Urgência

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Dessa maneira é garantida a proteção da vítima antes mesmo que tenha início o processo criminal. Importante ressaltar que as medidas cautelares previstas não tem cunho repressivo, mas sim função protetiva em relação aos direitos humanos das mulheres.

Segundo Roque Jerônimo de Andrade (2002, p. 07):

Vinculada ao poder geral de cautela do juiz a medida é cabível diante 1) da gravidade do fato e/ou do comportamento do agente (ébrio, violento e/ou desidioso na assistência moral e material da família etc.) e 2) quando houver ameaça ao direito pela permanência do autor do fato no recesso familiar e houver lesão que possa advir da coabitação: constrangimento, pressões e outras situações perniciosas ou prejudiciais (periculum in mora e fumus boni iuris)

Para a maior celeridade do processo, tais medidas cautelares poderão ser concedidas a pedido da ofendida, sem necessidade de audiência entre as partes ou mesmo de manifestação do Ministério Público.

Em reconhecimento ao poder geral de cautela e à provisoriedade das medidas cautelares, as medidas protetivas concedidas pelo juiz poderão ser substituídas por outras desde que se verifique a necessidade de uma proteção mais eficaz aos direitos ameaçados ou violados.

São as seguintes medidas previstas pela Lei Maria da Penha:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

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III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV - determinar a separação de corpos.

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Trata-se de extenso rol que busca antever todas as situações possíveis de violência doméstica, protegendo a vítima, seja ao obrigar o agressor a uma prestação (afastamento do lar, proibição de aproximação e contato com a ofendida), seja ao conferir assistência especializada (condução da vítima a centros comunitários).

Também há preocupação específica com a violência patrimonial, sobre a qual a Lei prevê medidas que assegurem direitos sobre bens e valores, independentemente de serem propriedade exclusiva da vítima ou bens da sociedade conjugal.

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4 OS SUJEITOS DA LEI MARIA DA PENHA

A Lei nº 11.360/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, projeta-se como um instrumento legal voltado especificamente ao combate da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Possui, portanto, um espírito inovador, visto que se trata de mecanismo de discriminação positiva voltado a nivelar formalmente e materialmente homens e mulheres, destituindo a clássica separação de gêneros.

Na qualidade de inovação, trouxe ao mundo jurídico diversas dúvidas no que diz respeito aos seus limites. De fato, embora a Lei procure se antecipar a todas as possibilidades, é difícil acompanhar as mais diversas situações e casos fáticos possíveis.

De maneira mais precisa, há divergências na doutrina pátria a respeito de quem seria os sujeitos ativo e passivo na Lei Maria da Penha. Tais divergências são agravadas quando se considera casos de grupos minoritários como homossexuais e transexuais, visto que parte da doutrina levanta duvidas se tais grupos poderiam se enquadrar sobre a proteção da Lei Maria da Penha.

No que diz respeito às medidas protetivas de urgência previstas no documento legal, há debates se estas seriam exclusivas da mulher ou se poderiam ser aplicadas também a homens. Também há discussão com relação aos transexuais, havendo dúvidas se estes se enquadrariam na definição legal de mulher.

4.1 Sujeito Ativo

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A Lei Maria da Penha denomina o sujeito ativo das causas de violência doméstica o agressor, seguindo orientação de outras áreas do conhecimento, como a sociologia, a psicologia e a antropologia, tratando-o desta forma em vários de seus artigos

No que diz respeito ao sujeito ativo, é possível extrair-se, aproximadamente, sua definição através do artigo 5º da Lei nº 11.360/06.

Determina o referido artigo:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Infere-se, portanto, do supracitado artigo que o sujeito ativo dispõe de duas características: sua conduta é baseada no gênero e a violência está inserida em um contexto doméstico, familiar e afetivo.

4.1.1 Violência baseada no gênero

De praxe destaca-se a expressão “ação ou omissão baseada no gênero”. Trata-se em verdade de requisito que restringe a aplicação da Lei Maria da Penha, vedando que o diploma legal abranja toda e qualquer situação em que a mulher seria vítima de alguma das formas de violência.

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Notadamente, tal exigência faz-se em virtude das características especiais da Lei Maria da Penha. Na qualidade de norma de discriminação positiva, esta impõe regras para o nivelamento das relações entre homens e mulheres.

Quando em situação de violência doméstica, é grande a fragilidade da vítima, que normalmente convive com o agressor. Ao considerarmos os altos índices de violência contra a mulher ainda presentes no país, verifica-se a necessidade de um dispositivo legal que imponha especiais medidas de proteção nestes casos.

Daí se justifica a restrição da Lei nº 11.360/06 às situações de violência

doméstica “baseada no gênero”. Face a especial fragilidade da mulher nessas

situações e o grande número de casos, a lei impõe um discrímen especial às

mulheres para que estas tenham condições de defender-se, privilegiando os princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, seja no sentido formal como material.

Por outro lado, em situações em que a violência sofrida não é em função do gênero, não é passível de aplicação as medidas protetivas descritas na referida Lei, visto que não se enquadrariam em situações em que a mulher necessitasse de especial proteção legal.

Assim, por exemplo, caso o agente cometa delito contra a mulher, baseado em motivos diversos do gênero, a vítima não poderia utilizar-se das medidas protetivas de urgência para resguardar-se. Isto é fundamental, tendo em vista que são medidas que restringem direitos do acusado, a exemplo dos direitos de habitação, propriedade e locomoção, conforme previsto pelo artigo 22 da Lei nº 11.360/06. Dessa maneira seria inconstitucional que pudessem ser aplicadas cautelarmente diante de quaisquer casos de violência

4.1.2 Âmbitos doméstico, familiar e afetivo.

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Necessário ressaltar que a regra dos incisos I a III trata-se de rol taxativo, ou seja, não poderá ser concebida a aplicação da Lei Maria da Penha fora das possibilidades ali elencadas.

Nesse sentido, andou bem o legislador ao não apenas nomear os âmbitos nos quais se dariam a violência doméstica, mas também ao descrevê-los, evitando discrepâncias doutrinárias e jurisprudenciais. É justamente ao descrevê-los que nota-se que o legislador teve a intenção de alargar ao máximo os conceitos de família, convívio e afetividade.

Essa amplitude garante grande flexibilidade na aplicação da Lei Maria da Penha, abarcando diversos tipos de relações. Assim, não se restringe meramente a relações entre marido e esposa, abrangendo diversos tipos de relações interpessoais.

Exemplo disso, é o fato de não ter limitado o conceito de família a laços de sangue. Para tanto, o texto legal expressamente ressalta que na expressão núcleo familiar também estão compreendidas as relações meramente afetivas e aquelas que as partes expressamente se reconhecem como membros de uma mesma família.

Ao incluir, portanto, a afetividade e a vontade expressa das partes, o legislador estendeu a proteção legal às comunhões estáveis, de acordo, aliás, com o texto constitucional, que em seu artigo 226 § 3º reconhece a união estável como entidade familiar conferindo-lhe tratamento similar ao casamento civil.

Por outro lado a jurisprudência não aceita que quaisquer relações sejam consideradas como aptas para a incidência da Lei Maria da Penha. Nesse sentido, ressalta-se o termo utilizado pela Lei, qual seja, “relações íntimas de afeto”, fazendo pressupor que se trata de um relacionamento significativo para a vítima.

Em recente julgado, por exemplo, o STJ entendeu que não se aplica a Lei Maria da Penha a ex-namorados:

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