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1 A EXPANSÃO DA UNIVERSIDADE

1.2 A Expansão do Ensino Superior no Brasil

1.2.1 As Políticas para a Expansão do Ensino Superior no Governo Lula

1.2.1.2 Medidas para o Contexto Emergencial

O Governo Lula, em conjunto com o Ministério da Educação (MEC), apresentou soluções emergenciais, imediatas e práticas, com a finalidade de prover o acesso e permanência ao ensino superior no País.

a) Programa Universidade para Todos (ProUni)

Uma das primeiras medidas tomadas foi a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni), por intermédio de Anteprojeto de Lei em 2003, que se transformou na Medida Provisória nº 213, de 10 de setembro de 2004, e, por último, na Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005 (BRASIL, 2004e, 2005b), que se propôs oferecer vagas em universidades particulares àqueles que não possuem acesso às públicas e que não podem pagar pelas particulares. Para isso, o Governo financiou estas vagas nas instituições privadas em troca de isenção de impostos. Houve, entretanto, muitas críticas e questionamentos em relação ao programa, pois, para alguns, o programa significava democratização do ensino, mas, para outros, um estímulo à privatização, conforme veremos adiante:

Como se não bastassem todos esses privilégios, o governo federal resolveu oferecer mais um, com um verniz democratizante, pois se intitula “Universidade para todos”, que ainda não é uma proposta bem definida e detalhada, mas apenas uma idéia de renúncia fiscal pelo governo em troca de vagas ociosas em instituições privadas, reservadas, segundo a página do MEC, a estudantes e professores da rede pública e beneficiários da política de cotas e portadores de necessidades especiais. A meta é oferecer 100 mil vagas em 2004 e 400 mil até 2006, oferecidas por vários tipos de instituições privadas em troca de renúncia fiscal pelo governo federal: as com fins lucrativos, as registradas como sem fins lucrativos e as que se apresentam com o disfarce de filantrópicas, que poderiam assim sair da ilegalidade, segundo o ministro Tarso Genro, que apontou ainda diversas vantagens para essa troca: (1) as privadas resolveriam o problema que enfrentam de vagas ociosas, que seria de 37,5%, segundo o Programa; (2) é mais barato para o governo comprar tais vagas nas privadas que investir nas públicas – R$ 50 milhões de renúncia fiscal garantem 100 mil vagas nas privadas, ao passo que para conseguir este número nas públicas seriam necessários R$ 350 milhões; (3) as vagas nas privadas seriam conseguidas imediatamente, ao passo que nas públicas isso levaria muito mais tempo (DAVIES 2004, p. 250).

O Programa Universidade para Todos (ProUni) surgiu em 2003, acompanhado por um discurso de justiça social, que encobriu a pressão de associações representativas dos interesses do segmento particular, justificada pelo alto grau de vagas ociosas (CARVALHO, 2004, p.7).

Será que uma MP editada de forma autoritária, desrespeitando o Parlamento que analisava, em Comissão Especial, o Projeto de Lei do próprio executivo, e, ainda, desconhecendo todas as criticas advindas dos defensores das escolas públicas ou privadas, pode-se autodenominar como uma medida de consenso? Que falso consenso é esse que desconsidera os encaminhamentos do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, integrado por várias entidades representativas da Educação, dentre as quais ampla maioria se posicionou contra o PROUNI? Mais uma vez é uma afirmação inverídica, um jogo de palavras que atinge os incautos (OTRANTO, 2006, p. 7).

A princípio, o Governo criar o sistema pelo qual ele aproveita vagas ociosas dentro de universidades particulares parece interessante. Se existem vagas ociosas e se o Brasil realmente tem um baixo índice de escolaridade, caso considerarmos países do mesmo padrão de desenvolvimento, estamos muito aquém do que deveriamos. Primeiramente tem-se que aumentar de forma expressiva o número de vagas no ensino superior. A partir daí, alguns questionamentos devem ser levantados. Que vagas são essas? O ensino superior é bom? Ele promove um crescimento social ao

ampliar a formação geral da pessoa? Se você pega uma vaga no ensino superior de uma instituição que não tem um bom corpo docente ou uma atividade de pesquisa relacionada ao ensino, ou seja, que trata o ensino superior como uma mercadoria vendida ao maior preço pelo menor custo, essa vaga não fará uma diferença expressiva. Não creio que valha a pena ter uma política de governo para comprar essas vagas, assim como não vale a pena dar subsídios, isenções fiscais para instituições privadas funcionarem. A educação deveria ser oferecida em todos os seus níveis; uma educação de qualidade, gratuita e laica por parte do Estado. A existência de oferta de educação no âmbito do sistema privado deveria ser possível sim, mas como opção (BASTOS, 2006, p. 1).

b) Lei de Inovação Tecnológica

Em, 2 de dezembro de 2004, foi instituída a Lei de Inovação Tecnológica - Lei nº 10.973, que “Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências”. Esta lei propõe a união dos diversos segmentos interessados ou envolvidos em pesquisa no País a fim de promover e incentivar o desenvolvimento de produtos e processos inovadores, por meio de parcerias ou convênios.

Art. 19. A União, as ICT e as agências de fomento promoverão e incentivarão o desenvolvimento de produtos e processos inovadores em empresas nacionais e nas entidades nacionais de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa, mediante a concessão de recursos financeiros, humanos, materiais ou de infra-estrutura, a serem ajustados em convênios ou contratos específicos, destinados a apoiar atividades de pesquisa e desenvolvimento, para atender às prioridades da política industrial e tecnológica nacional (BRASIL, 2004b, p. 5).

Estão previstos nesta Lei o compartilhamento e a permissão do uso de laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações presentes nas dependências de cada um dos parceiros, ou seja, as universidades podem se utilizar das empresas e/ou as empresas das universidades, desde que tal não acarrete prejuízo para as partes, mediante remuneração por prazo determinado de contrato ou convênio celebrado. No art 6o dessa lei, restou previsto para as ICTs 3 de transferirem a outrem o uso ou a exploração de criação por ela desenvolvida. Isto contradiz a finalidade social das pesquisas que devem ser realizadas nas universidades, podendo conduzir a Universidade a ser uma instituição direcionada às demandas do mercado.

Art. 6o É facultado à ICT celebrar contratos de transferência de tecnologia e de licenciamento para outorga de direito de uso ou de exploração de criação por ela desenvolvida.

§ 1o A contratação com cláusula de exclusividade, para os fins de que trata o caput deste artigo, deve ser precedida da publicação de edital.

3 Órgão ou entidade da Administração Pública que tenha por missão institucional, dentre outras, executar atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico.

§ 2o Quando não for concedida exclusividade ao receptor de tecnologia ou ao licenciado, os contratos previstos no caput deste artigo poderão ser firmados diretamente, para fins de exploração de criação que deles seja objeto, na forma do regulamento.

§ 3o A empresa detentora do direito exclusivo de exploração de criação protegida perderá automaticamente esse direito caso não comercialize a criação dentro do prazo e condições definidos no contrato, podendo a ICT proceder a novo licenciamento. (BRASIL, 2004b, p. 2).

A esse respeito, Leher (2004, p.883) comenta:

O projeto subordina as universidades ao campo empresarial, na medida em que estabelece que as empresas, de acordo com seus interesses, definem o que será desenvolvido (ou comprado) em termos de serviços, adequações e produtos.

Outro ponto bastante polêmico e controverso à missão publica e social da Universidade pública é a possibilidade da prestação de serviços a empresas privadas. Desse modo, os servidores envolvidos podem receber valores pelos seus serviços adicionais prestados, conforme o artigo 8o dessa lei.

Art. 8o É facultado à ICT prestar a instituições públicas ou privadas serviços compatíveis com os objetivos desta Lei, nas atividades voltadas à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo.

§ 1o A prestação de serviços prevista no caput deste artigo dependerá de aprovação pelo órgão ou autoridade máxima da ICT.

§ 2o O servidor, o militar ou o empregado público envolvido na prestação de serviço prevista no caput deste artigo poderá receber retribuição pecuniária, diretamente da ICT ou de instituição de apoio com que esta tenha firmado acordo, sempre sob a forma de adicional variável e desde que custeado exclusivamente com recursos arrecadados no âmbito da atividade contratada.

§ 4o O adicional variável de que trata este artigo configura-se, para os fins do art. 28 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, ganho eventual (BRASIL, 2004b, p. 3).

A esse respeito, Otranto (2006, p.8) exprime:

No cenário atual brasileiro, de profunda deterioração salarial e precárias condições de trabalho, aliado à difusão de ideologias neoliberais, essas propostas podem parecer sedutoras para muitos docentes.

Leher (2004, p. 884) enfatiza, de maneira detalhada e criteriosa, a previsão na legislação, inclusive, da possibilidade de afastamento com remuneração assegurada aos docentes que tencionem tentar a carreira empresarial:

A conversão do professor em empreendedor (art.14) está contemplada no PL. O inventor ou autor de projeto, processo ou serviço poderá participar em até um terço dos ganhos econômicos auferidos pela instituição. Até mesmo a transformação do professor em empresário é permitida. O docente pode se afastar por até seis anos da universidade para tentar uma carreira empresarial e até mesmo para constituir empresa. Durante o período de afastamento, é assegurado ao professor o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei e, ainda, progressão funcional e benefícios da seguridade (arts. 15 e 16).

Para Otranto (2006), a Lei de Inovação Tecnológica significa mais repasse de recursos públicos para o atendimento de demandas do setor empresarial, e deve ser compreendida como parte do conjunto das parcerias público-privada, que preveem a aplicação de fundos federais em projetos de “interesse comum” para acelerar a incorporação de tecnologias para empresas.

As universidades serão inseridas no moinho satânico da reprodução do capital, colocando à disposição laboratórios, equipamentos e, principalmente pessoal para iniciativas empresariais, como se as empresas locais estivessem demandando a produção de tecnologias e, ainda mais inverossímil, como se as inovações tecnológicas nascessem nas universidades (LEHER, 2004, p. 875).

c) As Parcerias Público-Privadas (PPP)

As parcerias público-privadas (PPP) foram regulamentadas pela Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que “institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública”. No artigo 2º, desta lei, define-se a expressão parceria público-privada:

Art. 2o Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.

§ 1o Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.

§ 2o Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

§ 3o Não constitui parceria público-privada a concessão comum, assim entendida a

concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado (BRASIL, 2004c, p. 1).

De acordo com Lopreato (2005, p. 9), as parcerias público-privadas “foram pensadas para fazer os investimentos que o setor público deixou de realizar porque tem que gerar o superavit primário exigido na manutenção da sustentabilidade da dívida que o mercado requer”.

De acordo com Juruá (2005), vários críticos da lei que institui as PPP visualizam nela potencialidades para um “golpe de Estado branco”, em razão de seus efeitos possíveis sobre a ordem constitucional e sobre o funcionamento do próprio Estado brasileiro, podendo colocar em risco a soberania do País, a harmonia dos poderes da República e o próprio regime democrático. Leher (2004) garante que as parcerias público-privadas (PPPs), que preveem a aplicação de fundos federais em projetos de “interesse comum”, a fim de acelerar a

incorporação de tecnologias pelas empresas, tornam as universidades uma repartição de grandes empresas.

Em linhas gerais, as PPPs incluem praticamente toda a Administração Pública direta e indireta, portanto, se quase toda a função pública pode ser alvo das PPPs, a educação certamente não conseguirá fugir delas, conforme conclui Otranto (2006). Leher (2004) acredita que as PPPs são um mecanismo de repasse de recursos públicos para o setor privado, que poderão acarretar inclusive numa nova onda de privatizações de serviços públicos estratégicos. Para o autor, o alcance dessas parcerias é ainda mais amplo do que o previsto no Plano Diretor da Reforma do Estado de FHC, conforme preceitua o art. 3º: “Pode ser objeto de parceria público-privada: I- a delegação, total ou parcial, da prestação ou exploração de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública”. Conforme a Nota Técnica do INESC (NUNES, 2004), o Estado nacional assumirá grande parte dos riscos dos investimentos, permitindo e garantindo o aumento de tarifas, a emissão de títulos do Tesouro Nacional e a entrega do patrimônio público com garantia para os investimentos do setor privado.

Dessa forma, surge uma grande preocupação com estas parcerias que surgem baseadas em uma legislação com ares de modernidade, mas que causa apreensão pelas brechas que possibilitam a continuidade do velho patrimonialismo. Nessa direção, Leher aponta o Programa Universidade para Todos (PROUNI) como uma dessas possíveis parcerias que o MEC intenta estabelecer com as instituições privadas para obter vagas “públicas”, o que poderá acarretar na redefinição do dever do Estado no referente à realização do direito à educação.

Para Leher (2004), outra medida tomada nesta mesma lógica da Lei de Inovação Tecnológica e das parcerias público-privadas pelo Governo foi a edição do Decreto nº. 5.205, de 14 de setembro de 2004, que “regulamenta a Lei nº. 8.958, de 20 de dezembro de 1994, que dispõe sobre as relações entre as instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio”.

Conforme o Decreto 5.205/2004:

Art. 1o As instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica poderão celebrar com as fundações de apoio contratos ou convênios, mediante os quais essas últimas prestarão às primeiras apoio a projetos de ensino, pesquisa e extensão, e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico, por prazo determinado.

§ 3o Para os fins deste Decreto, entende-se por desenvolvimento institucional os programas, ações, projetos e atividades, inclusive aqueles de natureza infra- estrutural, que levem à melhoria das condições das instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica para o cumprimento da sua missão

institucional, devidamente consignados em plano institucional aprovado pelo órgão superior da instituição.

§ 4o Os programas ou projetos de ensino, pesquisa e extensão, e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico deverão ser previamente aprovados pela instituição apoiada para que possam ser executados com a participação da fundação de apoio.

Art. 2o A fundação de apoio poderá celebrar contratos e convênios com entidades outras que a entidade a que se propõe apoiar, desde que compatíveis com as finalidades da instituição apoiada expressas em seu plano institucional (BRASIL, 2004f, p. 1).

São intensas as críticas de autores diversos sobre o papel das fundações de apoio, e especialmente, à gestão dessas instituições.

O autor Leher (2004, p. 885), comenta que esta lei

[...] regulamenta as fundações de apoio privadas nas instituições federais, eximindo- as de licitação, facultando-lhes contratar, por meio dessas fundações, “complementarmente pessoal não integrante dos quadros da instituição”, bem como auferir bolsas de ensino, de pesquisa e de extensão inclusive para pessoal do quadro permanente.

d) Sistema Nacional de Avaliação do Educação Superior (SINAES)

A mudança da avaliação da educação superior foi outra medida estabelecida por este Governo com o surgimento do Sistema Nacional de Avaliação do Educação Superior – SINAES, instituído pela Lei nº. 10.861, de 14 de abril de 2004, criado com arrimo em diretrizes e princípios do PAIUB (BRASIL, 2004a). A modificação proporcionou uma avaliação que assumia tanto a função regulatória como também a emancipatória. Conforme Ristoff e Giolo (2006, p. 198), o SINAES tem como desafio

Reestruturar a avaliação a partir de um novo modelo, de concepção global única, melhorando os instrumentos, integrando os instrumentos entre si, integrando os espaços avaliativos e os momentos da avaliação, otimizando o uso de todos os instrumentos de informação disponíveis e criando outros considerados fundamentais.

O processo avaliativo, no SINAES, está assentado em uma percepção global das IES, sustentado no tripé avaliação das IES, cursos de graduação e desempenho dos estudantes. Sua composição favorece uma metodologia de avaliação onde os momentos, espaços e instrumentos de avaliação e de informação se apresentam predeterminados e organizados de maneira uniforme para todas as IES.

e) Outras medidas

Outras medidas jurídicas-normativas foram tomadas pelo Governo Lula no que concerne à educação. O Decreto nº 5154, de 20 de julho de 2004, que regulamenta a oferta de educação profissional tecnológica de graduação e a articulação entre os ensinos médio e técnico, prevê a possibilidade de progressividade e cumulatividade na formação e na certificação, e mantém a estrutura modular de organização da educação profissional.

O Decreto nº 5225, de 1° de outubro de 2004, elevou os centros federais de educação tecnológica (CEFET), escolas tradicionais de nível médio, à categoria de instituições de educação superior. Os cursos tecnológicos, que eram cursos superiores diferenciados dos de graduação, adquiriram o status de cursos de graduação e pós-graduação. Ainda no relativo à educação profissional, o Decreto nº 5254, de 1° de outubro de 2004, dispôs sobre a organização dos CEFETs, as principais escolas de educação profissional do País.

Conforme Otranto (2006), as propostas apresentadas pelo governo Lula da Silva para a educação profissional e tecnológica devem ser compreendidas no conjunto das políticas para a educação, com sua vinculação com a educação básica e a educação superior. Não podem ser analisadas separadamente.