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CAPÍTULO 2 – VALORES ORGANIZACIONAIS

2.4 Medidas de Valores Organizacionais

De acordo com Tamayo (2008), existem três estratégias para o estudo dos valores organizacionais. A primeira consiste em utilizar a média dos valores pessoais dos membros, de modo a estimar os valores da organização (Sego, Hui & Law, 1997). Como frequentemente existem incongruências entre os valores pessoais e os organizacionais, o resultado dessa metodologia pode não representar os valores da organização de forma pertinente, pois retirar a média em um nível de medida não assegura que o nível superior esteja sendo contemplado (Smith, Bond & Kagitçibasi, 2006).

A segunda estratégia mensura os valores através de pesquisa documental. Nela são investigados os documentos oficiais da organização e/ou o discurso formal da alta gerência (Kabanoff & Daly, 2002). A maior parte desses estudos usa a metodologia qualitativa e a análise de conteúdo dos documentos. Uma crítica feita a essa metodologia é que nem sempre os valores documentados existem, de fato, no cotidiano das organizações.

A terceira estratégia foi proposta por Tamayo (1996) e consiste em investigar a percepção que os empregados têm dos valores que orientam a organização. Essa abordagem estuda os valores organizacionais e a sua hierarquia, conforme a representação mental que os trabalhadores fazem dos valores da organização, expressando uma espécie de modelo mental da organização. Um aspecto relevante na mensuração dos valores organizacionais, segundo essa perspectiva, é a convergência das percepções, o que dá origem à noção de valores compartilhados. Segundo ele (Tamayo, 2008), os valores compartilhados estão imbricados nas práticas organizacionais e afetam o seu funcionamento.

Todo empregado é capaz de identificar os valores organizacionais que vigoram em sua organização (Tamayo, Mendes & Paz, 2000). Os membros da organização criam “arenas cognitivas” que permitem identificar o ambiente real (Hall, 1984), e esse modelo implícito de interpretar a realidade organizacional fornece um previsor mais preciso do comportamento do que as medidas objetivas (Robbins, 2002). É mais importante utilizar o ambiente percebido que o ambiente real, pois o ambiente torna-se conhecido, a partir da percepção e interpretação de seus membros, os quais utilizam essas análises no processo de tomada de decisão (Pfeffer e Salancik, 1978) e guiam o seu comportamento (Tamayo, Mendes & Paz, 2000). Além disso, a utilização desses observadores internos permite identificar quais são as prioridades axiológicas da

organização, o que permite criar uma representação mental da organização que guiará o comportamento (Tamayo, 1998).

No Brasil, existem três instrumentos que avaliam os valores organizacionais a partir da percepção dos trabalhadores. A Escala de Valores Organizacionais (Tamayo & Gondim, 1996), o Inventário de Valores Organizacionais – IVO (Tamayo, Mendes & Paz, 2000) e o Inventário de Perfis Organizacionais – IPVO (Oliveira & Tamayo, 2004). Todos os questionários apresentam elevada qualidade psicométrica, com índices de confiabilidade entre 0,70 e 0,90.

Para a construção da Escala de Valores Organizacionais (Tamayo & Gondim, 1996), os autores não utilizaram nenhum modelo teórico que representasse os valores organizacionais. Para a elaboração dos itens, eles solicitaram aos trabalhadores de organizações públicas e privadas que listassem os cinco valores mais relevantes de sua organização. O resultado redundou em 565 valores que foram reduzidos a 48 após a análise de conteúdo. Para a validação da escala, foi utilizada uma amostra de 537 trabalhadores de diferentes organizações. A análise fatorial com rotação oblíqua resultou em cinco fatores que explicaram 52,8% da variância total, a saber, (1) eficácia/eficiência (alfa= 0,91), relações interpessoais no trabalho e respeito ao empregado (alfa = 0,90), gestão (alfa = 0,84) e inovação (alfa = 0,70). Os resultados da escala asseguram sua validade e precisão, todavia, como não há nenhum modelo teórico que o sustente, ela não será adotada.

O Inventário de Valores Organizacionais – IVO (Tamayo, Mendes & Paz, 2000) foi construído a partir do modelo dos valores culturais, o qual postula a existência de três dimensões bipolares: autonomia versus conservação, hierarquia versus igualitarismo e harmonia versus domínio. Alguns dos itens da Escala de Valores Organizacionais (Tamayo & Gondim, 1996) foram utilizados, e os demais foram construídos de modo que fossem contempladas todas as dimensões. Para a validação da escala, os 37 itens foram aplicados a uma amostra de 1010 trabalhadores de cinco organizações do Distrito Federal.

Para análise dos dados, foi utilizada a análise multidimensional ALSCAL (Algorithmic Scaling). Os resultados confirmaram os pressupostos teóricos, e foi encontrada a estrutura de três dimensões; contudo, apenas na dimensão hierarquia versus igualitarismo, encontrou-se a relação de conflito hipotetizada; nas outras duas, os polos eram adjacentes. Os índices de confiabilidade (alfa) variaram de 0,77 a 0,87. Uma particularidade dessa escala é que ela permite avaliar os tipos motivacionais de valores

em dois níveis: real e desejado, o que permite aferir a descompensação axiológica, isto é, o grau de satisfação/insatisfação do trabalhador com as prioridades da organização.

Para a construção do IPVO - Inventário de Perfis Organizacionais (Oliveira & Tamayo, 2004), os autores assumiram como premissa que a estrutura e o conteúdo dos valores organizacionais são semelhantes à dos valores pessoais. Segundo Tamayo (2007), haveria uma correspondência biunívoca entre os valores pessoais e os valores da organização. Foram considerados os aspectos: cognitivo, motivacional e a organização hierárquica dos valores. O aspecto cognitivo diz respeito às crenças do que é desejável numa determinada organização. O aspecto motivacional diz respeito à expressão das metas essenciais da organização. Além disso, os valores estão organizados de forma hierárquica, mostrando quais são os comportamentos mais desejados dentro da organização. Dessa forma, as prioridades axiológicas determinam a quantidade de esforço a ser empreendido por cada trabalhador e diferencia as organizações.

A primeira etapa na construção do IPVO foi a elaboração das definições constitutivas e operacionais de cada um dos tipos motivacionais de valores organizacionais, baseando-se na teoria de valores pessoais. Com base nessas definições, foram elaborados os itens, os quais foram submetidos às analises dos juízes e semântica. Dessa fase inicial, foram retidos 120 itens os quais foram aplicados a uma amostra de 833 trabalhadores de organizações públicas e privadas. Para responder ao instrumento, foi utilizada uma escala verbal que variava de “é muito parecida com a minha organização” a “não parece em nada com a minha organização”. Dentre os itens, tem-se como exemplo, “para esta organização, planejar metas é difícil”, “essa organização valoriza a competência...”.

A análise fatorial com rotação oblíqua (pressupõe correlação entre os fatores) redundou em oito fatores coerentes e interpretáveis, os quais explicaram 46,48% da variância. O instrumento final ficou composto por 48 itens e os coeficientes de precisão de 0,75 a 0,87, o que é considerado satisfatório (Pasquali, 1999). Na Tabela 9, podem ser observados os fatores, suas metas e seus respectivos índices de confiabilidade.

Tabela 9. Fatores do IPVO (Oliveira & Tamayo, 2004, p. 137)

Fator Correspondência Metas Alfa

Autonomia Autodeterminação Estimulação

Oferecer desafios e variedade no trabalho, estimular a curiosidade, a

criatividade e a inovação.

0,87

Bem-estar Hedonismo Promover a satisfação, o bem-estar e a qualidade de vida no trabalho.

0,87

Realização Realização Valoriza a competência e o sucesso dos trabalhadores

0,80

Domínio Poder Obter lucros, ser competitiva e dominar o mercado.

0,80

Prestígio Poder Ter prestígio, ser conhecida e admirada por todos, oferecer produtos

e serviços satisfatórios para os clientes.

0,81

Tradição Tradição Manter a tradição e respeitar os costumes da organização.

0,75

Conformidade Conformidade Promover a correção, a cortesia e as boas maneiras no trabalho e o respeito

às normas da organização. 0,75 Preocupação com a coletividade Benevolência Universalismo

Promover a justiça e a igualdade na organização, bem como a tolerância, a

sinceridade e a honestidade 0,86

Os oito tipos motivacionais encontrados encaixam-se em nove tipos de valores pessoais e, como apontam os autores, é comum na teoria de valores que itens de tipos motivacionais adjacentes se juntem num único fator. Conforme observado na Figura 14, somente para o tipo motivacional segurança não foi encontrado correspondente. O valor organizacional autonomia compreende os valores pessoais de autodeterminação e estimulação, os quais estão em áreas adjacentes, o que sinaliza motivações semelhantes. E os valores pessoais benevolência e conformidade são representados pelo valor organizacional preocupação com a coletividade. Os valores organizacionais estão dispostos em torno de duas dimensões – (1) abertura à mudança versus conservação e (2) autopromoção versus autotranscedência.

Autodeterminação Autonomia Universalismo Preocupação com a coletividade Benevolência Preocupação com a coletividade Conformidade Conformidade Tradição Tradição Segurança Não há correspondência Poder Domínio prestígio Realização Realização Hedonismo Bem estar Estimulação Autonomia AUTOPROMOÇÃO CONSERVAÇÃO AUTOTRANSCENDÊNCIA ABERTURA A MUDANÇA

Figura 14. Estrutura de valores organizacionais (IPVO) baseada na teoria de valores

pessoais de Schwartz

Dos três instrumentos existentes no país, somente o EVO não utilizou nenhum modelo teórico para representar a estrutura dos valores organizacionais. Já os outros dois foram desenvolvidos com base em arcabouço teórico consistente, o modelo cultural (IVO) e o modelo das motivações pessoais (IPVO). Esses dois últimos instrumentos apresentam um avanço da literatura brasileira, pois, na internacional, poucos autores utilizam modelos teóricos a priori para investigar os valores organizacionais (Tamayo, 2008). Neste trabalho, a opção é pelo IPVO, pois o mesmo se sustenta mais empírica e teoricamente e vem sendo usado em diversas pesquisas (Bedani, 2008; Guardani, 2008; Miguel & Teixeira, 2009; Tamayo, 2005, 2007, dentre outras). Outra vantagem dessa medida é permitir analisar o grau de congruência entre os valores pessoais e os valores organizacionais. Essa análise fica facilitada, pois há simetria entre os construtos, ou seja, possuem a mesma base teórica subjacente.

Após apresentar as medidas validadas no país para o estudo dos valores organizacionais, no próximo tópico são discutidas as relações entre os valores organizacionais e o comportamento pró-ativo - variável critério deste estudo.