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CAPÍTULO 2 – VALORES ORGANIZACIONAIS

2.2 O Modelo de Valores de Schwartz

Schwartz e Bilsky (1987, p. 551), após revisarem diversas definições de valores humanos, propõem uma definição que engloba cinco características presentes na literatura; os valores são: “(a) princípios ou crenças, (b) relativos a comportamentos ou estados de existência, (c) que transcendem situações específicas, (d) guiam a seleção ou avaliação de comportamentos e eventos, (e) são ordenados por sua importância relativa”. Além desses cinco aspectos, eles trazem que mencionar estados de existência ou comportamentos é equivalente a dizer objetivos terminais e instrumentais.

Schwartz e Bilsky (1987, 1990) acrescentaram ainda o pressuposto teórico de que os valores são representações cognitivas de três necessidades humanas universais: (a) necessidades biológicas – baseadas nas necessidades do organismo –, (b) necessidades de interação social, (c) necessidades socioinstitucionais para o bem-estar e sobrevivência do grupo. Essas três necessidades humanas universais estão presentes em todas as pessoas; além disso, o indivíduo reconhece-as, pensa a respeito e planeja as suas ações considerando-as. Assim, a tipologia dos valores humanos, por eles proposta, assume que os valores refletem necessidades do organismo (biológico), motivos sociais (interação) e demandas institucionais. Eles destacam que o conteúdo dos valores pode ter sua raiz em mais de uma necessidade humana universal.

Além do pressuposto teórico citado, eles acrescentaram mais dois aspectos distintivos do conteúdo dos valores: (1) os interesses que representam: como os valores são objetivos, eles figuram o interesse da pessoa, do grupo ou de ambos; (2) a existência de diferentes domínios motivacionais, que posteriormente foram denominados de tipos motivacionais por Schwartz (1992).

A fim de sumariar os diversos pressupostos listados na definição de valores, é elaborada uma sentença de mapeamento do conceito de valores. Na Figura 9, verifica-se que a definição engloba: (a) o tipo de objetivo, (b) o interesse a que serve, (c) o domínio motivacional, (d) o grau de importância relativa.

OBJETIVO

Um valor é um conceito individual que transcende uma situação (terminal)

(instrumental)

INTERESSES

São objetivos que expressam (individuais) relacionados com um (coletivos)

(mistos)

DOMÍNIO MOTIVACIONAL

Domínio motivacional (prazer...poder) e avaliado por IMPORTÂNCIA

Grau de importância (muito importante a nada importante) e que guiam a vida.

Figura 9: sentença de mapeamento da definição de valores, adaptado de Schwartz e

Bilsky (1987, p. 553)

Com base nos pressupostos teóricos apresentados acima e na teoria de Rokeach (1973), Schwartz e Bilsky (1987, 1990) propuseram a estrutura universal de conteúdo e estrutura dos valores, a qual é apontada na literatura como bem próxima de ser universal (Schwartz, 1992; 1994; 2005a). Inicialmente, eles consideraram as três necessidades humanas universais para proporem sete valores universais distintos (domínios motivacionais). Para representar cada um dos domínios, foi utilizado o questionário desenvolvido por Rokeach (1973). Os sete domínios são:

(1) domínio do prazer: reflete uma necessidade humana básica de satisfação de necessidades fisiológicas e sociais como prazer, conforto;

(2) domínio de segurança: reflete necessidades individuais e grupais de sobrevivência e de evitar ameaças à sobrevivência, como harmonia, segurança da família, paz mundial;

(3) domínio de realização: refere-se à necessidade de desenvolver e usar as habilidades obtidas do ambiente físico ou social e transformá-las em algo útil. Os valores que caracterizam a realização, segundo a lista de Rokeach (1973), são: capacidade, reconhecimento social e ambição;

(4) domínio de auto-direção: esse valor foi postulado, considerando que inúmeras teorias psicológicas dizem que há um desejo intrínseco ao homem de explorar e compreender a realidade. Os valores de auto-direção referem-se a um domínio de

gratificação interna, independente dos outros. Dentre os valores desse domínio, tem-se independente, intelectual e lógico;

(5) domínio de conformidade: para o funcionamento dos grupos, os indivíduos inibem ações que possam ferir interesses do grupo. Como exemplo de valores de conformidade, tem-se: obediente e polido;

(6) domínio pró-social: enquanto as restrições inibem a quebra do grupo, há uma ação positiva para a segurança deste, a qual constitui o sistema moral, e é expressa através de valores como altruísmo, benevolência e gentileza;

(7) maturidade: está relacionada com a experiência e, a despeito de haver diferenças culturais acerca do conteúdo específico desse domínio, ele compreende aspectos como sabedoria, tolerância e elevada maturidade emocional.

(8) domínio de poder social: baseia-se na necessidade de diferenciação de status social, a qual é importante para o funcionamento das instituições sociais. Dentre os valores de poder, são listados: status, influência e controle social.

Os domínios motivacionais postulados são: prazer, segurança, realização, auto- direção, conformidade, pró-social, maturidade e (poder social) (Schwartz & Bilsky, 1987, p. 553). Para testar a estrutura de valores proposta, foi utilizada a SSA (Smallest

Space Analysis), a qual permite representar os valores como pontos num espaço

multidimensional, de forma que as distâncias entre os pontos reflitam as relações empíricas entre os valores, de modo que, quanto mais próximos estiverem dois valores, mais relacionados eles serão. Assim, com essa técnica, é possível verificar se a estrutura universal de valores alvitrada é encontrada empiricamente.

Os autores levantaram três hipóteses a serem testadas: (1) o objetivo do valor se configuraria em duas dimensões separadas no espaço, uma contendo os valores terminais e a outra, os valores instrumentais, ou seja, eles queriam verificar se as pessoas faziam essa distinção entre os valores; (2) existem diferenças entre os sete domínios motivacionais (prazer...poder); (3) os valores irão se agrupar em função do tipo de interesse que servem, os quais podem ser: (a) valores que servem a interesses individuais: prazer, realização e autodireção, (b) valores que servem a interesses coletivos: conformidade e prosocial, (c) valores que servem a interesses individuais e coletivos: segurança e maturidade, (4) há uma estrutura de semelhanças/diferenças entre os valores em razão de seus domínios motivacionais: valores próximos têm motivações similares, ao passo que valores em regiões opostas têm motivações também opostas.

Para a verificação das hipóteses, foram conduzidos dois estudos. No primeiro, o questionário de valores de Rokeach (1973) foi aplicado a uma amostra de 455 professores da 6ª à 7ª série de 22 escolas públicas de Israel. No segundo estudo, a mesma escala foi aplicada em 331 estudantes e professores alemães de cinco escolas diferentes. Em ambos os estudos, os respondentes deveriam dispor os valores por ordem de importância; em seguida, deveriam ranquear a importância do valor numa escala de sete pontos.

A análise do SSA mostrou uma solução composta por quatro dimensões interpretáveis. A hipótese um foi confirmada, pois os valores instrumentais e os terminais agruparam-se em duas regiões distintas; esse resultado indica que as pessoas fazem distinção entre os valores de acordo com o seu objetivo. Todavia, estudos posteriores (Schwartz, 1992) mostraram que não há diferença entre os valores instrumentais e os terminais, sendo todos os valores terminais.

No que diz respeito aos domínios motivacionais, na amostra israelense, houve adequação de 96% dos valores à região proposta e 85% na amostra alemã. Esses resultados corroboram com a segunda hipótese proposta pelos autores, que existem diferenças entre os sete domínios motivacionais, o que implica dizer que as pessoas diferenciam entre os sete domínios motivacionais propostos.

A hipótese de que os valores se agrupariam em função do tipo de interesse que servem também foi confirmada, sendo que segurança na amostra alemã entrou como interesse misto e não coletivo, como havia sido levantado. Por fim, a hipótese de que há uma estrutura de valores em razão de seus domínios motivacionais também foi confirmada, ou seja, valores que apresentam domínios motivacionais semelhantes estão próximos, ao passo que aqueles que possuem domínios motivacionais opostos estão em lados opostos no mapa (e.g., autodireção e conformidade).

Os resultados obtidos comprovam a estrutura universal de valores humanos. Desse modo, a pesquisa transcultural conduzida por Schwartz e Bilsky (1987) mostrou suporte para a estrutura teórica hipotetizada de sete domínios motivacionais: prazer, segurança, realização, auto-direção, conformidade, pró-social e maturidade. Pesquisas ulteriores replicaram a teoria de estrutura universal dos valores na Alemanha, Austrália, Estados Unidos, Finlândia, Hong Kong, Israel e Espanha. Os resultados confirmaram os sete domínios motivacionais: realização, poder, maturidade, prosocial, conformidade, segurança e autodireção; tendo sido encontrado, ainda, poder social na pesquisa realizada em Hong Kong (Schwartz & Bilsky, 1990).

Em outro trabalho, Schwartz (1992) propõe novos tipos motivacionais a partir de análises teóricas: tradição, estimulação e espiritualidade. Para validar o novo modelo teórico foram pesquisadas pessoas de 20 países e, não foi encontrado suporte para o domínio espiritualidade. Assim sendo, a teoria foi reformulada e os valores organizacionais foram classificados em 10 tipos motivacionais: poder, realização, hedonismo, estimulação, autodeterminação, universalismo, benevolência, tradição, conformismo e segurança.

Após extensas pesquisas conduzidas em quase uma centena de países com pessoas de diferente religião, idade, idioma, etc., Schwartz (2005a) defende que; (a) há um conjunto de valores quase universais que são diferenciados pelo seu conteúdo motivacional; (b) esse conjunto de valores é abrangente e não deixa de incluir nenhum tipo motivacional relevante; (c) os tipos motivacionais têm significados semelhantes em diferentes grupos; (d) há uma estrutura próxima da universal entre as relações dinâmicas dos tipos motivacionais. Todavia, vale ressaltar que “é difícil rejeitar definitivamente a possibilidade de que alguns tipos motivacionais universais estejam ausentes” (p.45-46). Schwartz (2005a) apregoa que os valores são conceitos desejados socialmente e que representam objetivos individuais, coletivos ou mistos, importantes para a sobrevivência da pessoa. Cada um dos dez tipos motivacionais, bem como o objetivo que o define, estão sumariados na Tabela 7. Verifica-se nesta tabela que existem valores com motivação semelhante, ao passo que outros têm objetivos conflituosos. A estrutura circular da teoria de valores apresentada na Figura 10 mostra tais relações. Quanto mais próximos estão dois tipos motivacionais, mais semelhantes são as suas motivações e, quanto mais distantes, mais antagônicos.

Tabela 7. Tipos motivacionais de valores de Schwartz

Tipos Metas/Objetivo que define o valor Interesses Poder social Controle sobre pessoas e recursos,

prestígio.

Individuais

Realização O sucesso pessoal obtido através de uma demonstração de competência

Individuais

Hedonismo Prazer e gratificação sensual para si mesmo.

Individuais

Estimulação Excitação, novidade, mudança, desafio. Individuais

Autodeterminação Independência de pensamento, ação e opção.

Individuais

Universalismo Tolerância, compreensão e promoção do bem-estar de todos e da natureza.

Mistos

Benevolência Promoção do bem-estar das pessoas íntimas

Coletivos

Tradição Respeito e aceitação das metas e dos costumes da sociedade

Coletivos

Conformidade Controle de impulsos e ações que podem violar normas sociais ou prejudicar os outros

Coletivos

Segurança Integridade pessoal, estabilidade da sociedade, do relacionamento e de si mesmo.

Mistos

Na estrutura circular, os valores estão distribuídos ao longo de duas dimensões bipolares (vide Figura 10). Uma dimensão é a abertura à mudança versus conservação, a qual mostra o conflito entre a ênfase nas ações independentes que favorecem a mudança de um lado (autodeterminação e estimulação) e a ênfase na preservação de práticas tradicionais (segurança, conformidade e tradição) do outro. A outra dimensão apresenta os conflitos entre a autopromoção versus autotranscendência; a autopromoção enfatiza a busca pelo próprio sucesso (realização e poder), e o outro polo revela a preocupação com os outros (universalismo e benevolência).

Autodeterminação Universalismo Benevolência Conformidade Tradição Segurança Poder Realização Hedonismo Estimulação AUTOPROMOÇÃO CONSERVAÇÃO AUTOTRANSCENDÊNCIA ABERTURA A MUDANÇA

Figura 10. Estrutura teórica de valores organizacionais (Schwartz, 2005a, p. 30)

A proliferação de estudos que mostram as relações entre valores, comportamento, atitudes, personalidade; associada ao fato de sua estrutura teórica ter sido comprovada em diversos países, assinala que esse é um campo profícuo para novas pesquisas (Schwartz, 2005b); além disso, essa teoria é capaz de abarcar a complexidade dos relacionamentos entre valores e comportamento (Tamayo & Porto, 2005). Após apresentar o modelo de valores pessoais de Schwartz, no tópico seguinte, discute-se o estudo dos valores organizacionais.