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2.2 VISÕES DA RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA

2.2.1 Agroecologia e Sustentabilidade

2.2.1.2 Medindo as Dimensões da Sustentabilidade

Para o avanço da determinação de quais dimensões da sustentabilidade de um sistema serão utilizadas em sua medição e discussão, é importante se ter a clareza do conceito ou da noção que se está operacionalizando (MARZALL; ALMEIDA, 2000). A sustentabilidade deve ser determinada por um conjunto de fatores, e isso terá forte dependência dos princípios que serão tomados e conseqüentemente da interpretação dos resultados.

Em sistemas complexos que são influenciados diretamente pela relação Homem e Natureza, como no caso do estudo das comunidades locais de pescadores, existe um alto grau de incertezas. As determinações de informações pragmáticas, que sejam ligadas a teorias e modelos podem qualificar o conhecimento que antecede a ação (MARZALL; ALMEIDA, 2000).

Dessa forma, a definição das dimensões de avaliação da sustentabilidade no caso deste trabalho esteve intimamente ligada à noção de Agroecologia enquanto uma matriz disciplinar que interligou as diversas áreas do conhecimento tornando-se uma matriz integradora.

Para Guzmán (2006), a Agroecologia pode ser definida de forma esquemática em sua forma operativa por três dimensões, sendo os elementos: primeiro, ecológico e produtivo na direção do manejo ecológico dos recursos naturais; outro, socioeconômico e cultural na linha das ações locais de desenvolvimento endógeno; e sociopolítico em relação aos processos de transformação e sustentabilidade social no entendimento da ação dos movimentos sociais incidindo sobre a formação de políticas públicas.

Marzall e Almeida (2000) afirmam que é impossível determinar a sustentabilidade com apenas um indicador. Na verdade é necessário um conjunto de fatores que considere, no mínimo, as dimensões sociais, ambientais e econômicas, entre outras. Desta forma, fica enfatizada a necessidade dos modelos de desenvolvimento serem multidimensionais. Muitos autores para além das três dimensões citadas vinculam outros como as dimensões tecnológicas, da solidariedade, institucionais, etc.

Caporal e Costabeber (2002) propõem que, a partir da Agroecologia, as estratégias orientadas para a ação em dado sistema, com vistas a sustentabilidade, devam levar em conta pelo menos seis dimensões relacionadas entre si. Sugerem que se use em um primeiro nível básico as dimensões ecológicas, as econômicas e as sociais; numa segunda hierarquia as dimensões culturais e políticas; e em um estrato de terceiro nível a dimensão ética.

A dimensão ecológica [...] é formada pela manutenção e recuperação da base de recursos naturais sobre a qual se sustentam e estruturam a vida e a reprodução das comunidades humanas e demais seres vivos. A dimensão social [...] é a eqüidade da propriedade dos agroecossistemas que indica quão equânime é a distribuição da produção [e também dos custos] entre os beneficiários humanos. A dimensão econômica [...] não se trata somente de buscar aumentos de produção e produtividade agropecuária a qualquer custo, pois eles podem ocasionar reduções de renda e dependências crescentes em relação a fatores externos, além de danos ambientais que podem resultar em perdas econômicas no curto ou médio prazos. A dimensão cultural [...] são os saberes, os conhecimentos e os valores locais das populações rurais e precisam ser analisados, compreendido se utilizados como ponto de partida nos processos de desenvolvimento rural que, por sua vez, devem espelhar a "identidade cultural" das pessoas que vivem e trabalham em um dado agroecossistema. A dimensão política [...] está próxima dos processos participativos e democráticos que se desenvolvem no contexto da produção agrícola e do desenvolvimento rural, assim como com as redes de organização social e de representações dos diversos segmentos da população rural. A dimensão ética [...] se relaciona diretamente com a solidariedade intra e intergeracional e com novas responsabilidades dos indivíduos com respeito à preservação do meio ambiente (CAPORAL; COSTABEBER, 2002, p.75-80).

Segundo Moura (2002), a importância dada a determinadas dimensões depende dos objetivos e do contexto do estudo que se quer realizar. No seu trabalho sobre indicadores

para a avaliação da sustentabilidade em sistemas de produção da agricultura familiar optou-

se por usar as dimensões sociais, econômicas e ambientais, visto que em sua opinião estas abarcavam a complexidade encontrada em seu objeto empírico.

No estudo realizado por Lopes (2001) sobre arranjos institucionais e a

sustentabilidade de sistemas agroflorestais escolheu-se por avaliar quatro diferentes

dimensões da sustentabilidade, sendo elas: a ambiental, a econômica, a organizacional e a técnico-produtiva.

Para Sepúlveda (2005), o tratamento multidimensional do desenvolvimento sustentável é um reflexo da complexidade da realidade. O autor concebe quatro dimensões para a sustentabilidade: a dimensão social que busca cumprir com as atividades básicas da

reprodução social; a dimensão político-institucional no sentido dos arranjos institucionais e políticos para normatizar e orientar as relações sociais; a dimensão econômica sendo formada pelas atividades produtivas como instrumento para segurar a sobrevivência e garantir a produção de excedentes para o comércio; e, a dimensão ambiental que analisa os recursos naturais renováveis e não renováveis básicos para gerar os bens de consumo.

Waquil et al. (2007) propõe uma metodologia para medir desenvolvimento em territórios e conseqüentemente uma análise da sustentabilidade. Ele argumenta que com base na definição de território e na busca de caracterizar os espaços geográficos de forma multidimensional, tentando perceber suas distinções e identidades próprias, as dimensões consideradas foram: a social, a demográfica, a político-institucional, a econômica, a ambiental e a cultural.

Para o atual estudo optou-se pela adoção de quatro dimensões na avaliação da sustentabilidade. A quase totalidade dos trabalhos analisados apontou que, pelo mínimo, é necessário se levar em consideração as dimensões sociais, econômicas e ambientais para a avaliação da sustentabilidade de um sistema, porém, devido às especificidades da pesca e da intenção de uma ênfase na questão da participação dos pescadores no processo de decisão, ampliou-se na direção da dimensão política.

Na pesquisa entendeu-se que a dimensão social da sustentabilidade abarcou as questões ligadas à infra-estrutura que afetaram a reprodução social, o nível de educação formal nas famílias e a expectativa de sucessão profissional.

Na dimensão ambiental da sustentabilidade optou-se pela avaliação de aspectos da relação do pescador com o meio no qual ele vive e trabalha. Como não foi a proposta desta pesquisa medir estoques pesqueiros ou capacidade de uso, utilizaram-se como ponto de análise as normativas de ordenamento pesqueiro que buscam resguardar a capacidade de renovação das espécies dentro das zonas de pesca.

A dimensão econômica foi composta pelas atividades que permitiram a sobrevivência da família e a comercialização de excedentes.

A dimensão política avaliou as questões ligadas à participação popular dos pescadores dentro da comunidade visto ser esse um ponto fundamental na avaliação da cidadania do grupo social.

Desta forma, deu-se igualdade de condições para a análise da sustentabilidade nas dimensões sociais, econômicas, ambientais e política aproximando-se da proposta de Sepúlveda (2005).

Imagina-se que a aplicação da proposta feita por Caporal e Costabeber (2002) de seis dimensões seja mais completa para análise da sustentabilidade, porém essa exige um exercício de construção mais adequado a uma equipe multidisciplinar, que não foi viável para o atual estágio deste trabalho. De qualquer forma, deixam-se aqui referências para esforços futuros nesta direção.