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Os Sistemas de Produção na Pesca da Zona de pesca do Estuário

5.2 ANÁLISE DOS SISTEMAS DE PRODUÇÃO NA PESCA

5.2.2 Os Sistemas de Produção na Pesca da Zona de pesca do Estuário

O primeiro sistema de produção na pesca que foi analisado dentro da zona de pesca do estuário foi o do aviãozinho. Uma das principais características identificada foi a relação entre o local de moradia das unidades de produção e a zona de pesca.

O sistema técnico de captura do aviãozinho utilizou redes estacionárias que foram fixadas em determinados pontos dentro das lagoas. Dessa maneira, as famílias desse sistema basicamente estavam alocadas próximas a lagoas. Porém, o valor dos terrenos nesses locais tornou-se elevado, devido a belezas naturais e conseqüente especulação imobiliária.

Desta forma, somente conseguiram permanecer nesse sistema as unidades que já estavam estabelecidas há mais tempo, havendo dificuldade na entrada de novas famílias. Os pescadores que não venderam seus lotes no final dos anos 90, quando do avanço especulativo imobiliário sobre as margens das lagoas, conseguiram estruturar esse sistema de produção. Esta situação esteve ligada ao debate realizado sobre o espaço dos pescadores dentro de Tramandaí.

O sistema de produção do aviãozinho pode ser considerado especializado e com uma demanda razoável de investimento inicial para sua realização. Os principais equipamentos do sistema técnico de captura foram muito específicos para pesca do camarão rosa. O formato da pescaria com a rede de aviãozinho possuiu características de baixo esforço físico.

Esses aspectos indicaram que as famílias desta tipologia eram formadas por um grupo com maior experiência, com acúmulo de capital em equipamentos e técnica de pesca com menor grau de penosidade.

As características da localização das unidades de produção, especialização do sistema de produção e acúmulo de capital apontaram que nesse sistema foram encontrados os pescadores mais tradicionais da comunidade.

Essas características de estabilidade socioeconômica possibilitaram que as famílias ampliassem outros aspectos comunitários como a sua participação nos espaços decisórios. Nos indicadores políticos de “quantidade e qualidade da participação” foram observados patamares acima dos 80% do parâmetro ideal.

As unidades de produção do SPP do aviãozinho conseguiram atender as demandas econômicas e sociais em um padrão que possibilitou sua reprodução social, desta forma, foi normal a ampliação de sua participação junto a comunidade. A situação de serem as famílias mais tradicionais e estáveis lhes conferiu um atributo comunitário de se tornarem os naturais representantes nos espaços de participação popular.

O aspecto central da análise do SPP do aviãozinho foi o seu equilíbrio. Dentro dele foram encontrados os parâmetros mais balanceados das quatro dimensões da sustentabilidade. Não ocorreram distorções e os valores dos indicadores estiveram sempre altos, acima da média dos demais sistemas. Essa configuração apontou que este sistema de produção foi positivamente diferenciado entre os demais.

As futuras ações dos mediadores sociais em relação a esta tipologia de pescadores possivelmente apontarão na linha da melhoria no setor da comercialização. O pescado sofreu neste sistema um processamento caseiro transformando-o em camarão descascado ou carne de siri. Uma capacitação básica continuada em qualidade do processo de transformação, ou seja, maior tempo de validade do produto e pontos críticos de contaminação no processamento parecem ser assuntos fundamentais.

O acesso a políticas públicas que possibilitem estas famílias construírem espaço de comercialização direta com o consumidor e a aquisição de equipamentos de congelamento também parecem ser uma caminho estratégico para ser trilhado pelos mediadores sociais. A ampliação de rendimentos ligados à comercialização do pescado estenderia as boas condições sociais e econômicas que foram observadas através dos indicadores dessa pesquisa.

O segundo sistema de produção na pesca encontrado dentro da zona de pesca do estuário foi o da tarrafa camarão. A maior concentração de unidades de produção de Tramandaí se encontrou nesse sistema.

A principal característica das famílias era de serem formadas por pessoas mais jovens na atividade e que não conseguiram a aquisição dos espaços privilegiados de beira da lagoa, como na situação das famílias do SPP do aviãozinho.

Dentro de seu sistema técnico de captura, a arte de pesca usada para o camarão rosa era grande e exigia um alto esforço físico, se comparada a pescaria com a rede de aviãozinho. Agregado a condição de trabalharem somente no período noturno, este sistema impingiu alta

penosidade aos pescadores. Possivelmente esses fatores moldaram a particularidade das famílias mais jovens na pesca estarem ligadas a este sistema.

Em virtude do grande número de pescadores no sistema, um formato de organização coletiva para pesca do camarão rosa, chamado pesca do bolo, foi implantado no intuito da redução dos conflitos pelo espaço na beira do rio Camarão.

Esse processo pode ser considerado um avanço do ponto de vista da comunidade local, pois brotou internamente como uma alternativa a crise. Porém, essa estratégia de pesca retirou das unidades de produção uma das peculiaridades marcantes da atividade pesqueira, que foi o reconhecimento de uma habilidade maior ou menor do pescador com a arte de pesca. A demonstração perante o grupo de uma boa habilidade, que gerou maior captura, conferiu ao indivíduo um conceito positivo de melhor pescador, ou seja, maior prestígio junto a comunidade. Possivelmente o não entendimento deste importante atributo social foi o fator que levou a pesca do bolo a condição de não ser um consenso entre as famílias pescadoras, ocorrendo que apenas uma parte do grupo aderiu a idéia. Dessa forma, persistiu o conflito em relação aos locais de pesca dentro da comunidade.

Um segundo distintivo em relação a este sistema de produção foi a existência de uma estratégia de centralização das forças das famílias na atividade da pesca. Diagnosticou-se que essas estavam fortemente centradas na busca de maior quantidade possível de pescado no intuito da qualificação da sua condição de vida.

Não percebeu-se na análise da composição da renda total uma busca significativa de alternativas fora do espectro da pesca. Essas unidades de produção almejaram melhor eficiência da pesca e minimização dos custos, tanto na captura do camarão como dos demais pescados. No indicador que avaliou a diversificação das rendas, ficou evidenciado que no SPP da tarrafa camarão ocorreu um dos mais baixos valores entre todos os sistemas estudados, existindo uma centralidade ao redor da RP (renda da pesca).

As famílias deste sistema de produção, de forma genérica, realizaram a comercialização de sua produção sem um processamento artesanal. O foco dessas unidades foi a ampliação da captura para a garantia da reprodução social. O processamento, congelamento e os circuitos curtos de comercialização não foram explorados como em outros

sistemas de produção descritos. Esse fato foi determinante na caracterização das diferenças deste sistema em relação aos existentes dentro da zona de pesca do estuário.

Conseqüentemente, o sistema de produção pressionou os estoques pesqueiros. A tarrafa de camarão foi uma arte de pesca pouco seletiva a fauna acompanhante como pequenos peixes e crustáceos. Na captura de peixes, durante o período de inverno, as redes de espera utilizadas possuíam malhas muito próximas ao limite da legislação, capturando animais de pequeno porte. Essas foram características que indicaram que o sistema gerou pressão forte sobre os estoques pesqueiros, o que poderá levá-lo no futuro a padrões insustentáveis.

Existiu a prática da captura de pescado fora da zona de pesca, principalmente nos meses de inverno, sendo um alívio desta pressão. Porém tornou-se uma incógnita se somente essas ações serão suficientes para a manutenção do equilíbrio sustentável do sistema.

O tempo de dedicação das famílias a pesca foi bastante grande. A avaliação realizada pela UTHp (unidade de trabalho homem na pesca) demonstrou que o sistema exigiu comparativamente muita mão-de-obra na sua operacionalização.

Nas entrevistas com essas famílias foi observado que um dos principais motivos elencados para menor participação nos espaços comunitários foi a necessidade de dedicação em tempo integral na pesca.

Possivelmente como indicativo para as futuras ações de mediadores sociais com as famílias deste sistema de produção se deva pensar nas questões ambientais e comerciais.

Um processo de educação ambiental não-formal poderia ser uma estratégia que ampliasse o entendimento dos problemas que o sistema de captura realizado está gerando no meio. Possivelmente se poderiam construir coletivamente novos formatos de pesca com maior preocupação ambiental, e também alternativa de captura no intuito da manutenção da resiliência do ambiente.

Cabe salientar que algumas características intrínsecas desse sistema devem ser lembradas na construção da estratégia de formação, como o trabalho dos pescadores no período noturno no verão e a dedicação de boa parte do tempo útil na pescaria durante todo ano. Os mediadores sociais devem levar em conta estes fatores na formulação de propostas de intervenção.

Uma segunda estratégia de desenvolvimento do sistema de produção pode estar ligada ao comércio. A opção pelo processamento caseiro da produção e a inserção em mercados de circuito curto poderiam ampliar a renda familiar, e desta forma permitir a diminuição da pressão sobre os estoques pesqueiros. O acesso a políticas públicas que possibilitem a construção de estruturas de processamento e a aquisição de congeladores poderiam ser boas alternativas. A formação em táticas para a ação em mercado local também poderiam auxiliar nesse processo.

Em uma avaliação geral das características dos pescadores do tipo tarrafa camarão foi possível a interpretação de que eles possuíam na atividade da pesca a centralidade como estratégia de reprodução social, sendo que os esforços de desenvolvimento estiveram invariavelmente voltados para este setor. Essas famílias necessariamente não eram tradicionais na comunidade pesqueira ocorrendo a existência de jovens neste grupo. O sistema de produção exerceu forte pressão sobre os estoques pesqueiros gerando um bom patamar de rendimentos, porém existiram dúvidas da sustentabilidade ambiental no futuro.

O terceiro sistema de produção na pesca identificado dentro da zona de pesca do estuário foi o do tipo comércio. Nesse as unidades de produção combinaram as atividades da pesca com as atividades pluriativas ligadas à comercialização de pescado, usando essa estratégia para ampliação das chances de reprodução social. Desta forma, essas famílias constituíram pontos de comercialização de pescado que operavam com o peixe capturado por eles mesmos e pescado de outros pescadores.

Foi necessário cuidado na análise para uma clara separação entre as chamadas peixarias ou atravessadores para com as unidades do sistema de produção do tipo comércio.

As peixarias foram administradas por pessoas que não possuíam necessariamente origem na pesca e realizavam uma relação estritamente econômica e comercial com os fornecedores de pescado, que foram as diversas unidades de produção na pesca.

As famílias do sistema de produção do comércio eram tradicionais na comunidade pesqueira. Na relação comercial foi observada a existência de vínculos sociais entre esses e as famílias de outros sistemas de produção que fizeram o fornecimento do peixe. Estes vínculos estavam relacionados aos laços de reciprocidade entre as unidades envolvidas. Essas características diferenciaram a lógica de ação de uma peixaria e de uma unidade de produção do tipo comércio.

Percebeu-se uma fidelidade entre os dois lados da relação comercial e ações de apoio em momentos de dificuldade que transcendiam a simples relação de compra e venda. Os laços sociais no comércio foram fatores fundamentais para o entendimento da lógica de trabalho deste sistema de produção.

Esse SPP atingiu um alto desempenho econômico. A renda da pesca encontrou-se em um patamar acima da média em relação aos sistemas estudados. Existiu grande volume de captura de pescado e os valores de comercialização foram comparativamente altos. Possivelmente, o principal fator que possibilitou o aumento pressão de pesca em várias direções foi a grande quantidade de UTHp (unidade de trabalho homem na pesca) do sistema, a mais alta entre todos estudados.

A explicação possível para essa característica foi a necessidade no sistema da existência de pessoas que realizassem a pesca, outras que estivessem encarregadas do processamento e outras com a dedicação à comercialização. Possivelmente a estratégia realizada por esses pescadores tornou-se eficiente para permitir a reprodução social em famílias numerosas, pois garantiu um rendimento mínimo para um maior número de pessoas envolvidas.

No estudo, verificou-se que o sistema de produção do comércio foi exercido por um pequeno grupo de unidades de produção. Normalmente o principal atributo eram famílias com muitos membros, muitos deles jovens, possibilitando assim a existência de elevada força de trabalho no sistema.

O valor da RatNP ( renda das atividades não pesqueiras) esteve também acima da média. Os recursos financeiros angariados devido à comercialização de pescado de terceiros foram contabilizados nesta categoria de renda. O formato da atividade pluriativa apresentou- se como a principal característica que diferenciou esse de outros sistemas estudados.

Do ponto de vista ambiental, neste sistema, de forma genérica, ocorreu baixa procura de pescado fora da zona de pesca e os volumes capturados em Tramandaí foram altos. Esse comportamento gerou forte impacto no ambiente.

Nesse aspecto, os mediadores sociais em suas futuras ações poderão atentar para processos de capacitação que provoquem nos pescadores melhor entendimento da dinâmica ambiental. Como a captura tende a continuar alta por esse tipo de pescador, parece ser

importante que se busquem outras zonas de pesca com menor impacto ambiental para suas pescarias. Outra possibilidade pode ser a diversificação da captura de espécies as quais os estoques estejam com menor grau de degradação.

Um fato destacado dentro do diagnóstico foi a função estratégica que as famílias do SPP do comércio realizaram para o conjunto de sistemas de produção de Tramandaí. Sua ação de escoamento no mercado local de boa parte da produção de diversas unidades de produção foi fundamental para a viabilização de bons preços de venda.

As unidades do SPP do comércio angariam uma importante renda pluriativa que desenvolveu internamente o seu sistema, mas também contribuíram para a ampliação de uma gama de relações locais de comercialização direta que favoreceram muitas famílias pescadoras.