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Memórias Afetivas: álbuns, fotoálbuns e emoção

O especial em fotografias pessoais é o poder que elas têm de direcionar o observador àquele momento, de forma a estimular seus pensamentos em relação à recordação de momentos relevantes. Elas contam histórias: “Fotografias pessoais são momentos, recordações e instrumentos sociais, permitindo que as lembranças possam ser compartilhadas através dos tempos, de lugares e pessoas.” (NORMAN, 2008, P.70)

Kossoy (2002) completa dizendo que as imagens fotográficas “não se esgotam em si mesmas”, elas são apenas o início para tentarmos descobrir o passado.

“Toda fotografia tem sua origem a partir do desejo de um indivíduo que se viu motivado a congelar em imagem um aspecto dado do real, em determinado lugar e época”. (KOSSOY, 2003, P.36). Dubois explica que essa motivação faz de qualquer fotografia o correspondente exato da lembrança. “Uma foto é sempre uma imagem mental. Ou, em outras palavras, nossa memória só é feita de fotografias”. (2006, P.314)

Diante de uma câmera fotográfica, Barthes (2012) denuncia suas “imagens mentais” através de sua experiência na prática fotográfica:

“Ora, a partir do momento em que me sinto olhado pela objetiva, tudo muda: preparo-me para a pose, fabrico instantaneamente um outro corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem. Esta transformação é activa: sinto que a Fotografia cria meu corpo ou o mortifica a seu bel- prazer...”. (BARTHES, 2012, P.18-19)

Percebe-se que Barthes (2012) descreve a imagem mental que ele fez antes do click da câmera fotográfica, isto é, pode-se afirmar que o ato fotográfico pode induzir à mentalização de uma lembrança antes do click acontecer.

Então, pode-se dizer com a observação de Kossoy (2002) que assim como os demais documentos, as imagens fotográficas são completamente ambíguas, elas trazem significados implícitos e “(..) omissões pensadas que aguardam pela competente decifração” (KOSSOY, 2003, P.103). Mas, seja qual for o motivo que levou o fotógrafo a registrar o assunto, não haverá dúvida de que esse assunto de fato existiu. Tudo que a fotografia registrou é verdadeiro.

A visualização de uma foto de si mesmo, em um determinado momento no passado, induz a questão da importância que as fotografias têm para as pessoas. O ato de olhar uma fotografia aponta para uma situação de cognição já que induz o observador a condição de interpretação visual daquela imagem. Quando reunidas em um álbum pessoal, sejam de qualquer seguimento, contam histórias do “ritual da vida social” fixadas em momentos. (KOSSOY, 2003; LEITE, 2001)

Segundo Barthes (2012), a fotografia pode ser resumida como o “regresso do morto”, já que induz o observador e dono da imagem a relembrar aquele instante fotografado que remete ao passado muitas vezes distante.

Em concordância com Barthes (2012), Kossoy (2003) completa dizendo:

“Essas imagens nos levam ao passado numa fração de segundo; nossa imaginação reconstrói a trama dos acontecimentos dos quais fomos personagens em sucessivas épocas e lugares. Através das fotografias reconstituímos nossas trajetórias ao longo da vida: o batismo, a primeira- comunhão, os pais e irmãos, os vizinhos, os amores e os olhares, as reuniões e realizações, as sucessivas paisagens, os filhos, os novos amigos, a cada página novos personagens aparecem, enquanto outros desaparecem das páginas do álbum e da vida. Dificilmente nos desligaremos emocionalmente dessas imagens.” (KOSSOY, 2003, P.101)

Quando o observador vê a si mesmo em velhos retratos nos álbuns, ele se emociona ao perceber o passado de fato concretizado. Percebe-se nos álbuns de família a ação do tempo e as marcas por ele deixadas. Kossoy (2003) observa que nos álbuns só aparecem os momentos felizes, logo, com base no psicólogo S. Milgram, “(...) as famílias constroem uma pseudonarrativa que dá realce a tudo o que foi positivo e agradável na vida, com uma sistemática supressão do que foi sofrimento” (KOSSOY, 2003, P.100). Contudo, Kossoy (2003) faz uma observação com base em S. Milgram, comentando que não é incomum existir apenas momentos felizes nos álbuns de família, já que se encontra também, pessoas que já faleceram integrando esses álbuns, normalmente crianças; prática habitual em países latino-

americanos em meados do século XIX. Isso acontecia porque a fotografia sempre foi vista como uma possibilidade de eternizar a imagem de pessoas queridas.

Refletir sobre o momento olhando para uma fotografia é situar esta imagem em três estágios que marcam sua existência: uma intenção, o ato do registro e os caminhos percorridos por esta fotografia. A intenção pode ser do próprio fotógrafo em registrar o que ele desejar ou de outra pessoa que chamou um terceiro para registrar algo. O ato do registro é a materialização em si da fotografia, isto é, a foto. E Os caminhos percorridos se referem aos caminhos pelos quais a foto passou, tais como o local onde foi guardada, por exemplo, em um álbum de fotografias ou o porta retrato, dentro de uma caixa, etc, se o artefato envelheceu, na foto se mantêm com as mesmas expressões, foi onde “o tempo parou”. (KOSSOY, 2003)

“As fotografias são claramente importantes na vida emocional das pessoas. Sabe-se de casos de pessoas que correram de volta para casas pegando fogo para salvar fotografias especialmente queridas. Sua presença confortadora mantém os laços da família, mesmo quando as pessoas estão separadas. Elas asseguram a permanência das lembranças e com frequência são passadas de geração em geração.” (NORMAN, 2008, P.72)

Norman (2008) lembra que antes da existência da fotografia, as pessoas procuravam pintores de retrato para produzir imagens próprias ou de outras pessoas, baseado no mesmo princípio até hoje mantido, o de lembrar e perpetuar a imagem de geração em geração.

Norman (2008) diz que as pessoas costumam guardar “objetos de associações”, isto é, objetos de lembrança que não possuem nenhum valor a não ser o sentimental, chamados de suvenir (Imagem 13). Sendo assim, os álbuns fotográficos podem ser considerados suvenirs, pois são representações ou associações de momentos vividos. Logo, um álbum nunca poderá transmitir totalmente a realidade. O instante na foto conta a história do antes e o depois do momento do registro, sendo o álbum de fotografias uma lembrança pessoal, um objeto emocional.

Imagem 13 - Objeto suvenir. Enfeite de mesa que representa o congresso nacional em Brasília. Fonte da autora.

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