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OS MEMES COMO ESTRATÉGIA INTERATIVA PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA UM ESTUDO DE CASO

No documento ANAIS-Simpósio-de-Letras-2014 (páginas 58-65)

Raquel Abreu-Aoki Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Introdução

Aristóteles ao escrever seus tratados sobre a Techne Poietike, para fins essencialmente literários e a Techne Rhetorike, destinada a fins persuasivos, demonstrava preocupação com o funcionamento da linguagem, havia uma tentativa em dividir os textos de acordo com suas finalidades, uma ideia embrionária daquilo que hoje nomeamos gêneros. Tal mote pode ser melhor compreendido ao considerarmos a tripartição retórica proposta pelo filósofo.

Para Aristóteles os “gêneros discursivos” estariam englobados em três “subgêneros”: i) o deliberativo: próprio dos políticos, que diz respeito ao futuro, e busca convencer aos ouvintes sobre a conveniência de se tomar determinadas decisões. ii) o judiciário/forense: voltado para o passado e, como o próprio nome indica, utilizado principalmente por advogados que querem convencer o juiz e ao júri. Por último, iii) o epidítico/demonstrativo, que tem como marcação de tempo o presente e objetiva louvar ou censurar alguém, segundo sua dignidade

Essa simples observação histórica sobre o surgimento dos gêneros, como explica Marcuschi (2002), revela que, numa primeira fase, povos de cultura essencialmente oral desenvolveram um conjunto limitado de gêneros. Após a invenção da escrita alfabética e mais tarde, o florescimento da cultura impressa os gêneros multiplicaram-se e expandiram-se acompanhado as atividades pluri-sócio-comunicacionais.

No tange os estudos a respeito do gênero, é relevante ressaltarmos a importância das pesquisas de Bakhtin. Sua contribuição, a partir do século XX, foi de suma importância aos estudos linguísticos. Este teórico retomou e ampliou a discussão sobre os gêneros textuais, levando em conta as várias manifestações humanas. O pesquisador destacou que os gêneros não poderiam ser considerados como limitados, mas inesgotáveis, uma vez que representam as inúmeras esferas de atividades sociais.

A temática dos gêneros tem amplo espaço de debate no meio acadêmico, muitas pesquisas são desenvolvidas em torno desse eixo. Mas como seria possível articular o

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conhecimento acadêmico construído dos cursos de Letras e a praxis pedagógica, mediada por um universo de discursos e práticas sociais do ambiente escolar?

Articulando teorias de autores como Marcuschi, Motta-Roth, Rojo, percebe-se que, no final dos anos 90, a atualização dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) sugere a importância da língua como um dos elementos que constituem a vida social e são formadas por outras linguagens.

Isso significa dizer que a linguagem é o elemento constitutivo da humanidade e se materializa em diferentes gêneros, o que supõe a necessidade de haver um estudo sistemático que vise à compreensão dessas formas relativamente estáveis (BAKHTIN, 2002) e suas construções, amparado pela defesa dos PCNs (1999, p. 21) que afirmam: “o domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento”.

Ainda que haja toda esta preocupação com a dinâmica do gênero e estudos que dizem respeito à situação de produção, à recepção, às modalidades socioculturais, percebe-se que, tradicionalmente, os estudos dos gêneros nas escolas ocorre a partir de suas regularidades apenas, como amostragem, são abordados como produto, e não como processo.

Propomos, neste trabalho, que a abordagem dos gêneros seja feita do ponto de vista, não apenas do produto final, mas de todo o processo de escrita e para isso, sugerimos o planejamento textual dentro de uma Sequência Didática (SD), elaborada a partir dos moldes de Schneuwly e Dolz (2004) pesquisadores da Universidade de Genebra. Tal proposta favorece uma reflexão mais eficaz sobre a noção de gêneros, já que leva os alunos a reconhecerem as especificidades de diferentes gêneros, observando, ao mesmo tempo, como elas se articulam e se “desviam” na construção de determinados efeitos de sentido.

Para ilustrar a funcionalidade da SD, utilizaremos como exemplo um gênero textual contemporâneo, a saber: os memes.

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O conceito de meme surge no contexto da proposta revolucionária do etólogo Richard Dawkins (2002) em sua obra O gene egoísta. Darwinista entusiasta, e buscando uma solução para contradições que permaneciam no seio da teoria da evolução, Dawkins propôs enxergar a seleção natural como uma competição entre os genes, chamados por ele de “replicadores. A denominação “meme”, segundo Fontanella (2009) “tem origem na abreviação do grego para “imitação” – mimeme. Dawkins oferece como exemplos de memes melodias, ideias, slogans, modas do vestuário” entre outros.

Outra grande defensora desse novo gênero é Susan Blackmore. Para esta pesquisadora, o meme é “tudo aquilo que você aprendeu de outra pessoa através da imitação” (BLACKMORE, 2000, p. 6). No entanto, vale ressaltar que para os memes, a variação é dada não em cópias perfeitas, mas a partir de mutações que aumentam a chance de a ideia permanecer viva, mesmo que modificada, conforme sintetizado no esquema a seguir:

Dessa forma, apreende-se que há um texto original que é a base para os outros textos (que originarão outros, seguindo uma cadeia profícua e criativa), a produção ocorre a partir do processamento desse texto primeiro, e tem seu desfecho na reprodução, porém é importante lembrar que este gênero não tem, como proposta uma finalização, já que sua intenção é ser cambiante, e sofrer várias intervenções.

A sequência didática

A SD é um conjunto de atividades escolares organizadas de maneira sistemática, que tem por finalidade ajudar o estudante a dominar uma prática de linguagem (re)configurada em um gênero de texto, permitindo-lhe adaptá-la a uma determinada situação de comunicação. De acordo com a concepção de produção textual que incentivamos, a elaboração de uma SD deverá

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propor atividades que facilitem a aprendizagem de forma progressiva, mediante uma proposta de trabalho formulado em etapas que deem conta de abordar as especificidades do conteúdo a ser tratado.

Além disso, é interessante que se privilegie o trabalho de escrita a quatro mãos ou em pequenos grupos, para que juntos, os alunos possam colaborar para a construção mútua do conhecimento, elaborando instrumentos de registro e síntese, para que, posteriormente, as transformações produzidas na aprendizagem sejam avaliadas.

Do ponto de vista estrutural, uma SD é constituída pelos seguintes passos: a) apresentação da situação;

b) produção inicial;

c) módulos de atividades (quantos necessários);

d) produção final (aqui incluído o processo de leitura, reescrita textual);

Tais passos podem ser melhor visualizados por meio do esquema abaixo:

(DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 98).

A seguir, explicaremos sucintamente aquilo que é mais relevante em cada passo.

a) Apresentação da situação

Schneuwly e Dolz (2004) explicam que as nossas ações linguísticas cotidianas são sempre orientadas por um conjunto de fatores que atuam no contexto situacional: quem produz o texto, quem é o interlocutor, qual é a finalidade do texto e que gênero pode ser utilizado para que a comunicação seja efetiva. Sendo assim, esta deve ser a primeira orientação para a escrita de um texto. O professor precisa apresentar ao aluno o gênero cogitado, é necessário oferecer a turma vários modelos de tal gênero, para criar um conhecimento prévio. Proporcionaremos dois modelos, como exemplo.

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O texto abaixo é o meme de Joel Santana, o técnico virou piada nas redes sociais por causa de uma entrevista dada na África do Sul, demonstrando um inglês insuficiente. Desse modo, muitos textos foram a partir dessa situação de comunicação, satirizando Joel Santana e o costume das pessoas de dizerem que falam bem uma língua estrangeira, sem na verdade dominar o idioma.

Texto 1

Deste ponto, outros memes surgiram causando uma relação intertextual com a entrevista:

Texto 2

b) Produção inicial

Nesta fase, uma primeira produção/diagnóstica é solicitada aos alunos, podendo ela ser simplificada, somente dirigida à turma ou a um destinatário fictício. Esta etapa é importante para que o professor possa elaborar os módulos seguinte, baseando-se nas fragilidades da turma em relação à escrita.

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O professor deverá dividir os módulos, de acordo com a realidade da turma em que ministra as aulas e com o diagnóstico feito. É importante ressaltar que cada turma é única, sendo assim, uma SD não pode ser utilizada da mesma forma para todas as classes.

Sugerimos alguns aspectos que podem ser trabalhados nos módulos: representação da situação de comunicação, situação de produção mais imediata e mais ampla; aprofundamento temático; a infraestrutura do gênero; a estrutura geral do texto; os tipos de discurso (expor, narrar, etc.); os tipos de planificação (sequência narrativa, argumentativa, injuntiva, explicativa, etc.); o funcionamento dos mecanismos de textualização no gênero; a realização dos mecanismos enunciativos; e problemas formais como: as escolhas lexicais, a sintaxe da frase, pontuação, ortografia, etc.

d) Produção final (aqui incluído o processo de leitura, reescrita textual)

Possibilitará ao aluno transpor as capacidades desenvolvidas nos módulos anteriores e permitirá ao professor realizar uma avaliação formativa (avaliação do desenvolvimento real do aluno, por meio da comparação com a primeira produção). Essa produção final deverá passar por processos de revisão.

Considerações finais

Em suma, podemos ressaltar que a escolha da SD como ferramenta de ensino colabora com a aprendizagem dos alunos, pois permite o domínio de um gênero discursivo de forma gradual, facilitando a identificação das dificuldades da turma como um todo e dos alunos individualmente, além de trabalhar com a leitura, produção textual, oralidade e aspectos gramaticais em conjunto, o que faz mais sentido para o aprendiz.

É importante destacar que nem todos os alunos resolverão suas dificuldades de produção de textos, da mesma maneira, após o desenvolvimento de uma SD.

Ressaltamos, também, que a SD é um instrumento dinâmico, ou seja, sua organização permite inserções de atividades de acordo com a observação do professor a respeito do desenvolvimento das capacidades de linguagem dos alunos, seus conhecimentos prévios e suas experiências culturais. Além disso, mesmo que a SD apresente riqueza nas atividades propostas, nem tudo poderá ser previsto. Portanto, mais vale adaptar o trabalho à realidade dos alunos do

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que, forçosamente, dar lugar a uma aprendizagem tão sistemática quanto a que se tem em vista na SD. Haverá situações em que os módulos da SD só assumirão seu sentido completo no instante em que as atividades forem redefinidas em função das dificuldades encontradas pelos alunos na realização das tarefas.

Referências

ARISTÓTELES. Retórica. Trad. e notas de Manuel Alexandre Jr., Paulo Farnhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1998, Livro I, parágrafo 2.

BAKHTIN, M. “Os gêneros do discurso”. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BLACKMORE, S. The meme machine. Oxford, Reino Unido: Oxford University Press, 2000. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais – 3º e 4º Ciclos. Língua Portuguesa. Brasília: MEC, 1998.

DAWKINS, R. O gene egoísta. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 2001.

FONTANELLA, Fernando. O que é um meme na internet? Proposta para uma problemática da memesfera. III SIMPÓSIO NACIONAL ABCiber, São Paulo/ESPM. 2009.

MARCUSCHI, L. A. “Gêneros textuais: definição e funcionalidade”. In: Dionísio, A. et al. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

MOTTA-ROTH, D. Teorias de Gêneros Discursivos e Ensino de Línguas. VI SIGET, Natal/UFRN. 2011.

SCHNEUWLY. B.; DOLZ, J. “Os gêneros escolares: das práticas de linguagem aos objetos de ensino”. In: Gêneros orais e escritos na escola. Trad. e org. de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004. p.71-91.

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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO EM LP POR SUJEITOS SURDOS: UMA

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