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RESULTADOS DA ANÁLISE: O ESCÂNDALO DO MENSALÃO

No documento ANAIS-Simpósio-de-Letras-2014 (páginas 86-91)

ALVES, Ieda Maria Afixos marcadores de intensidade: sufixação versus prefixação In: Os estudos

4. RESULTADOS DA ANÁLISE: O ESCÂNDALO DO MENSALÃO

Apresentamos ao leitor no quadro 4.1 abaixo uma visão quantitativa dos tipos de processo encontrados nas reportagens O PT assombra o Planalto e Nocaute. Isso nos permite delinear um perfil da distribuição desses processos no que diz respeito a suas ocorrências nos textos.

Quadro 4: Distribuição dos tipos de processo nas reportagens O PT assombra o Planalto e Nocaute Reportagem Tipos de processo O PT assombra o Planalto Nocaute Total Material 77 79 156

III Simpósio Nacional de Letras e I Simpósio Internacional de Letras – UFLA 2014 87 Verbal 48 50 98 Relacional 47 35 82 Mental 14 22 36 Comportamental 12 8 20 Existencial 7 10 17 Total 205 204 409

Através desses números fica evidente, visto a maior incidência, a relevância dos processos de fazer, dizer, classificar e definir, para a construção do escândalo do mensalão nas reportagens analisadas. Em conjunto, esses três tipos de processo somam 336 ocorrências, o que equivale a mais de 80% das escolhas de processo no Sistema de Transitividade. Essa superioridade numérica indica um interesse em construir o evento identificando participantes em suas ações físicas, seus dizeres, classificações e definições.

As escolhas de processos materiais para representar a agentividade dos acusados no escândalo sinalizam aspectos lexicais e semânticos que nos é relevante para identificarmos como a realidade do mensalão está associada a cada um deles. Com essas escolhas, nota-se que cada acusado desempenha um papel particular na representação construída. Veja abaixo alguns recortes de processos materiais em que esses participantes atuam como ator.

1) O PT [Ator] assombra [Processo Material] o Planalto [Meta].

(2) A revista noticiara que o PT [Ator] comprara [Processo Material] o apoio do PTB [Meta] por 10

milhões de reais [Circunstância de meio], mas entregara [Processo Material] só parte do dinheiro [Escopo]. (3) Lula disse que, se for necessário [Circunstância de condição], vai cortar [Processo Material] na própria carne [Escopo] (...)

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(4) O dinheiro das mesadas [Meta] era entregue [Processo Material] pelo tesoureiro Delúbio Soares [Ator] a líderes ou presidentes dos partidos [Recebedor].

As atividades de José Dirceu no mundo material são retratadas de modo a descrever tanto sua saída do cargo quanto sua atuação direta no esquema do mensalão. Ao mapearmos as escolhas de processos materiais em que José Dirceu é codificado como ator, destacamos os seguintes recortes:

(5) Ao encerrar seus trinta meses de governo acossado por denúncias de corrupção [Circunstância de tempo], José Dirceu [Ator] assumiu [Processo Material] seu posto [Escopo] como uma glória do governo [Circunstância de guisa], mas saiu [Processo Material] de lá [Escopo] como sua tragédia [Circunstância de guisa].

(6) Agora [Circunstância de tempo], cai [Processo Material] o próprio José Dirceu [Ator], também com água até o pescoço [Circunstância comitativa] em um mar de suspeitas [Circunstância de lugar]. (7) José Dirceu de Oliveira e Silva [Ator], saiu [Processo Material] do Palácio do Planalto [Escopo] pela porta dos fundos [Circunstância de meio], sob o peso da acusação de comandar o mensalão. [Circunstância de razão].

Se examinarmos estes recortes experienciais em termos lexicais, veremos que a seleção lexical contribui a seu modo para a conformação e a fixação de uma realidade de mundo do ministro. As ações de José Dirceu caracterizam uma realidade política conturbada, o que favorece a compreensão da realidade de mundo vivida pelo PT. Dirceu é representado como força ativa e dinâmica no que diz respeito a suas atividades como “líder do esquema do mensalão”: ele comanda o esquema, executa sua estratégia e constrói coalizões no Congresso. Dessa forma, como agente e protagonista dessa realidade de crise e de corrupção vivida pelo governo, o papel de José Dirceu não é minimizado nas escolhas de transitividade. Ao contrário, essas escolhas o colocam como fonte de informação sobre como funcionava o esquema de suborno.

Um aspecto importante a ser observado nas escolhas de processos verbais em o presidente Lula é codificado como dizente é a ocorrência de orações projetadas. Encontramos dez ocorrências em que o dizer de Lula projeta ideias relacionadas à sua reputação, conforme mostram os dois recortes abaixo.

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(8) Para um ministro [Receptor], Lula [Dizente] comentou [Processo Verbal]: "Não vou segurar ninguém acusado de corrupção. Esse governo não é conivente com corruptos e não vou manchar minha biografia” [Oração projetada].

(9) "E agora, como é que fica meu governo?" [Oração projetada], comentou [Processo Verbal] com interlocutores próximos [Receptor].

No domínio mental, as escolhas de processo incidem de forma mais proeminente sobre o participante Lula. Identificamos este participante no papel de experienciador em 13 ocorrências. Veja os recortes:

(10) O presidente Lula [Experienciador] queria [Processo Mental Desiderativo] uma resposta mais firme [Fenômeno] e irritou-se com a decisão do PT de manter Delúbio Soares no cargo de tesoureiro [Oração comportamental].

(11) Lula [Experienciador] está decidido [Processo Mental Desiderativo] a recolocar seu governo nos trilhos, ainda que seja preciso voltar a cortar na própria carne [Oração projetada]. Quer [Processo Mental Desiderativo] recuperar sua autoridade [Oração projetada].

4.1. O ESCÂNDALO DOS CARTÕES CORPORATIVOS

A análise das escolhas sistêmicas de transitividade nas duas reportagens investigadas sobre o escândalo dos cartões corporativos mostra uma distribuição de processos materiais e relacionais muito superior às outras opções do sistema.

Quadro 4.1: Distribuição dos tipos de processo nas reportagens A farra do cartão de crédito e A república dos cartões

Reportagem

Tipos de processo A farra do cartão de crédito A república dos cartões Total

Material 74 88 162 Relacional 44 66 110 Mental 18 10 28 Verbal 7 16 23 Existencial 5 10 15 Comportamental 0 1 1 Total 148 190 339

A quantidade de processos materiais talvez possa ser explicada por um interesse dos jornalistas em revelar as ações realizadas com os cartões corporativos. Como veremos nas

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análises mais abaixo, percebe-se uma variedade de escolhas lexicais referentes aos gastos realizados com esses instrumentos:

(12) Os cartões de crédito oficiais [Meta] são usados [Processo Material] até para abastecer a despensa dos palácios [Circunstância de propósito].

(13) Até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva [Ator] paga [Processo Material] as contas de casa [Meta] com esse instrumento [Circunstância de meio].

(14) Matilde Ribeiro [Ator] fez [Processo Material] uma farra [Escopo] tão grande [Circunstância de grau] com o cartão corporativo [Circunstância de meio] (...)

(15) (Matilde Ribeiro) Mandou [Processo Material] o cartão [Escopo] em hotéis cinco-estrelas, redutos da boemia carioca e paulistana e bares de todo o país [Circunstância de lugar].

(16) Como Matilde [Circunstância de comparação], outros ministros [Ator] caíram [Processo Material] na folia [Escopo].

Visto que o escândalo político precisa provocar respostas de desaprovação por parte de seu público, a representação experiencial construída nas reportagens para os acusados de uso indevido do cartão corporativo revela escolhas de processos materiais, relacionais e de elementos circunstanciais que buscam provocar um clima de desaprovação nos leitores. A respeito da ministra Matilde Ribeiro, vejamos os recortes abaixo:

(17) O caso mais inexplicável [Valor] foi [Processo Relacional Identificativo] uma compra de 460 reais em um free shop [Característica].

(18) Apesar desse ser o excesso mais evidente [Circunstância de concessão], Matilde [Ator] incorreu [Processo Material] em outras estranhezas [Escopo] e pode até perder [Processo Material] o cargo [Meta].

(19) Situação bem mais [Circunstância de grau] delicada [Atributo] é [Processo Relacional Atributivo] a da ministra para a Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro [Portador].

De modo a suscitar desaprovação para as atividades da ministra, a escolha do valor “o caso mais inexplicável”, no recorte (17), serve para significar uma das várias compras feitas com o cartão. Nota-se que essa seleção se dá em razão da ministra ter feito uso de um cartão

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cuja função é cobrir despesas imprevistas em decorrência do cargo, em um free shop, abusando, assim, dos benefícios desse instrumento para saciar vontades pessoais.

O recorte (18) apresenta uma experiência também relacionada a um dos gastos feitos pela ministra. Este recorte chama atenção pelas escolhas lexicais “o excesso mais evidente” e “outras estranhezas”, com as quais o jornalista caracteriza os gastos, respectivamente, como uma forma de abuso e como algo não típico para as funções de um cartão corporativo.

No recorte (19), o processo relacional atributivo estabelece uma relação de definição para a situação de Matilde Ribeiro frente os acontecimentos. A seleção do atributo “delicada” mostra-se como uma decisão marcada para a caracterização da imagem da ministra: sua situação só está complicada em razão do uso excessivo e irregular do cartão corporativo. Além dessa escolha, o elemento circunstancial de grau “bem mais” caracteriza o quão delicada é essa situação. Percebe-se que essas escolhas estão condicionadas ao contexto de improbidade que constitui o acontecimento “escândalo dos cartões corporativos”.

No documento ANAIS-Simpósio-de-Letras-2014 (páginas 86-91)