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CAPÍTULO 1 AGRICULTURA FAMILIAR CAMPONESA e

1.6. Mercado da Agricultura Orgânica: produção, consumo e regulamentação

regulamentação.

A procura, cada vez maior, por alimentos livres de agrotóxicos tem incentivado a produção mundial, fazendo do mercado orgânico uma excelente oportunidade de negócio. De acordo com o estudo realizado pelo Instituto de Promoção do Desenvolvimento (IPD) em 2010 intitulado O perfil do mercado orgânico brasileiro como processo de inclusão social, “as vendas mundiais de produtos orgânicos em 2008 foram estimadas em 50,9 bilhões de

dólares” (p.6), sendo a América do Norte e a Europa responsáveis por 97% do consumo mundial, dados do Organic Monitor. O referido estudo menciona pesquisa realizada em 2010 pelo Research Isntitute of Organic Agriculture (FiBL) e pelo International Federation of Organic Agricultural Movements (IFOAM) intitulado The World of Organic Agriculture o qual menciona uma área de 35 milhões de hectares de cultivo orgânico certificado em 154 países, representando 1,4 milhões de produtores (IPD, 2010).

No Brasil, de acordo com o Censo agropecuário de 2006 (IBGE), a área agrícola orgânica, é de 4,9 milhões de hectares, o que representa 1,5% da área agropecuária que é de 333,7 milhões de hectares. Destes, 10,5% (517 mil hectares) é certificado e 89,5% (4,4 milhões de hectares) não é certificado. Com essa área, o Brasil se configura como o segundo país com maior área destinada ao cultivo orgânico, atrás somente da Austrália (IPDA Orgânico, 2010, p.6). De um universo de 5.175.636 estabelecimentos agropecuários computados, aproximadamente, 1,8% do total (90.498) de estabelecimentos realizam agricultura orgânica. Destes, 5.106 (5,6%) são certificados e 85.392 não são certificados (Censo agropecuário 2006).

Ao observarmos a distribuição dos estabelecimentos produtores de orgânicos no Brasil, verificamos o predomínio da atividade pecuária e criação de outros animais, com 41,7% , seguida da produção das lavouras temporárias, com 33,5%. Os estabelecimentos com plantios de lavoura permanente e de horticultura/floricultura figuravam com proporções de 10,4% e 9,9%, respectivamente, seguidos dos orgânicos florestais (plantio e extração) com 3,8% do total (Censo agropecuário 2006).

O nordeste brasileiro apresenta o maior tamanho de área agrícola orgânica, representando 12% da área nacional e 46% dos estabelecimentos agropecuários na região (p.11). Alagoas ocupa a sexta posição entre os estados com relação ao valor da produção orgânica das lavouras temporárias, participando com 8% do valor comercializado (IPD, 2010, p.22). Segundo estudos do IPD (2010), projeto Organics Brasil (IPD/Apex-Brasil), “estima-se que as exportações de produtos orgânicos brasileiros em 2010 giraram em torno de 250 milhões de dólares” com um crescimento de 20% ao ano das exportações ao longo dos últimos 5 anos (p.9).

Em 2002, a área orgânica certificada era de cerca de 270 mil hectares. Deste total, 117 mil ha (em torno de 40%) eram utilizados para pastagem de gado de corte, e em menor grau de leite. Os outros 135 mil ha eram destinados ao cultivo dos demais produtos agrícolas, desde “commodities” até produtos com algum grau de diferenciação, incluindo produtos típicos da atividade extrativista (MAPA, 2007).

A agricultura familiar é a grande responsável pela produção de produtos orgânicos para consumo interno. Pequenos e médios produtores representam 90% do total de produtos orgânicos, atuando basicamente no mercado interno. Os 10% restantes, compostos de grandes produtores, encarregam-se principalmente da produção voltada para a exportação (BRASIL, 2007).

Esses dados revelam a importância do segmento da produção orgânica no Brasil. O governo brasileiro tem atuado de duas formas para o fomento da produção orgânica e agroecológica: de um lado, busca a regulamentação de mercado por meio da criação de marco regulatório17 para a produção e comercialização de produtos orgânicos; e de outro, atua no financiamento da agricultura orgânica por meio de linhas especiais de crédito que contemplem o setor (BRASIL, 2007).

Como resultado do debate e construção coletiva da Legislação Brasileira para Sistemas Orgânicos de Produção, o texto contemplou como mecanismos de garantia da qualidade orgânica, além do tradicional mecanismo de Certificação por auditoria, utilizado e reconhecido em todo o mundo, que consiste na contratação de uma empresa especializada e credenciada para realizar a auditoria, outros dois mecanismos inovadores: o Sistema Participativo de Garantia (SPG) e o Controle Social para venda direta através da criação de um Organismo de Controle Social - OCS. Estes dois últimos sistemas são mecanismos construídos e constituídos de forma coletiva entre a sociedade civil, ONGs, instituições públicas e privadas, sem custo para o produtor. Dessa forma, estimulam a organização social e coletiva e a apropriação dos meios para a obtenção do selo de produção orgânica e do certificado de produtor orgânico vinculado a OCS, respectivamente.

Mais recentemente, em 20 de agosto de 2012, a presidenta Dilma Rousseff, instituiu a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) com o objetivo de “integrar, articular e adequar políticas, programas e ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica e de base agroecológica, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida da população, por meio do uso sustentável dos recursos naturais e da oferta e consumo de alimentos saudáveis”18.

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A regulamentação para a produção orgânica e agroecológica no Brasil passou por um longo processo coletivo de construção que envolveu governo e sociedade civil organizada e resultou na Legislação Brasileira para Sistemas Orgânicos de Produção composta pela LEI Nº. 10.831, de 23 de dezembro de 2003(Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.831.htm>. Acesso em: 18 de fev. de 2015), pelo Decreto Nº. 6.323, de 27 de dezembro de 2007(Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2007/Decreto/D6323.htm>. Acesso em: 18 de fev. de 2015) que dispõe sobre agricultura orgânica e estabelece os mecanismos de controle da qualidade orgânica e por Instruções Normativas.

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A PNAPO deu origem no ano de 2013 ao Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), elaborado em conjunto entre a Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (Ciapo) e a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), órgão paritário com participação da sociedade civil e de órgãos do governo federal com o intuito de articular os diversos programas e iniciativas existentes nos diversos ministérios assim como elaborar novas ações que respondam aos desafios do programa que, busca “refletir e valorizar o conhecimento acumulado e o esforço dos agricultores e agricultoras, assentados e assentadas da reforma agrária, e os povos tradicionais, no desenvolvimento de práticas agroecológicas e orgânicas em seus sistemas de produção, nos quais se inserem em grande medida, questões relacionadas ao êxodo e a sucessão rural, à demanda por ampliação de reforma agrária, à democratização do acesso à terra e à garantia de direitos aos trabalhadores do campo”(MDS/CIAPO, 2013, p.15-16).

A elaboração da PNAPO reflete a demanda e a força política da agroecologia e da produção orgânica no Brasil. “Nas últimas duas décadas, a agroecologia vem crescendo de forma significativa em cursos, experiências produtivas, projetos de extensão, encontros e seminários, e foi ganhando, pouco a pouco, expressão social e científica” (MAZALLA NETO, 2014, p.7).

De acordo com Mazala Neto (2014), a “Agroecologia apresenta, hoje, duas entidades organizativas de expressão nacional: a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), que reúne movimentos, redes e organizações engajadas em experiências concretas de promoção da agroecologia, de fortalecimento da produção familiar e de construção de alternativas sustentáveis de desenvolvimento rural” organizados em torno do Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) que busca promover a troca de experiências e o “intercâmbio entre as experiências concretas e as dinâmicas coletivas de inovação agroecológica” e a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) que tem como finalidade “promover e apoiar reuniões, seminários e congressos de Agroecologia, sendo seu principal espaço o Congresso Brasileiro de Agroecologia” que reúne profissionais, estudantes e agricultores/as para intercambiar conhecimentos e experiências para a construção científica e metodológica da agroecologia (p. 7).

A popularização da agroecologia no Brasil reflete-se na demanda pela formação. Segundo Mazalla Neto (2014), atualmente no Brasil a oferta de formação em agroecologia está presente em 120 cursos formais de agroecologia ou com ênfase em agroecologia em diversos níveis: cursos técnicos de nível médio, cursos superiores de licenciatura, bacharelado e tecnólogo e, em nível de pós graduação, especializações, mestrados e doutorados. Essas

diferentes modalidades de ensino, em seu conjunto, desenvolvem a formação de profissionais para atuação em um mercado de trabalho promissor. A fim de divulgar e sistematizar o conhecimento agroecológico, a ABA dispõe como ferramenta da Revista Brasileira de Agroecologia, publicação científica com enfoque teórico, prático e metodológico, que se propõe a estudar processos de desenvolvimento sob uma perspectiva ecológica e sociocultural.

Apesar dos avanços, a agroecologia no contexto da PNAPO possui um forte apelo comercial e neste sentido sua promulgação reflete de modo contraditório seu caráter emancipatório ao fomentar práticas coletivas autônomas e autogestionárias e ao mesmo tempo seu caráter consumista como uma oportunidade de acesso a um nicho de mercado apropriado pelo capital como forma de sua reprodução.

A PNAPO vem complementar o conjunto de políticas públicas voltadas para o campo tendo como público os pequenos agricultores, apesar de não ser exclusiva, pois antes de tudo pretende estimular o desenvolvimento de uma produção em bases sustentáveis do ponto de vista ambiental.

Além da PNAPO, o governo brasileiro dispõe de um conjunto de políticas públicas específicas para a agricultura familiar19 principalmente o PRONAF20 e a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER). Dentre as políticas de comercialização, destaco o Programa Nacional de Aquisição de Alimentos (PAA) da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Programa Nacional de Alimentação do Escolar (PNAE) do Ministério da Educação (MEC) que articulam as políticas de fomento à agricultura familiar com as políticas de produção e comercialização de produtos orgânicos e agroecológicos que sugerem um sobre preço de 30% (trinta por cento) sobre o valor de mercado dos produtos convencionais aos produtos orgânicos. Além de financiamentos especiais, com juros subsidiados e prazos maiores, para agricultura de baixo carbono.

Esse elenco de políticas públicas de produção orgânica e agroecológica está direcionada prioritariamente, mas não de forma exclusiva a agricultores familiares, camponeses e demais minorias e busca a inserção produtiva e comercial da agricultura

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De acordo com a lei 11.326 de 24 de julho de 2006, a agricultura familiar é compreendida por agricultores cuja área do estabelecimento ou empreendimento rural não excede quatro módulos fiscais; que utiliza mão de obra predominantemente da própria família em suas atividades econômicas; cuja renda familiar é oriunda predominantemente das atividades vinculadas ao próprio estabelecimento e que o esta belecimento ou empreendimento rural é dirigido pela família. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11326.htm>. Acesso em: 18 de fev. de 2015.

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Criado em 1996 o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) se constitui em uma política pública específica de acesso a crédito cuja finalidade, de acordo com seu decreto de criação, é “promover o desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos agricultores familiares, de modo a propiciar-lhes o aumento da capacidade produtiva, a geração de empregos e a melhoria de renda” (Decreto 1.946, de 28 de junho de 1996). Disponível em:

familiar.. Por outro lado, busca ampliar e qualificar a oferta de alimentos, garantindo a segurança alimentar da população brasileira e ao mesmo tempo incluir um contingente de excluídos e marginalizados no processo histórico de desenvolvimento do campo brasileiro na perspectiva da ampliação do capital através da inserção nos mercados dos complexos agroalimentares dentro da perspectiva do agronegócio.

Basta observarmos os dados do Censo Agropecuário de 2006 que confirmam a importância da agricultura familiar, um universo de 4.367.902 estabelecimentos agropecuários, na produção de alimentos, na ocupação de trabalho e geração de renda para entendermos o processo que se concebe no seio da questão agrária brasileira. A agricultura familiar representa 84,4% do número total de estabelecimentos agropecuários no país. Apesar de ocupar 24,3% da área total dos estabelecimentos agropecuários, a agricultura familiar é responsável por 38% do Valor Bruto de Produção gerado, por 74,4% do pessoal ocupado pela agricultura e é a principal fornecedora de alimentos básicos para a população brasileira. Dentre os principais gêneros alimentícios produzidos pela agricultura familiar destacam-se: 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo, 58% do leite, 50% das aves, 59% dos suínos e 30% de bovinos (Censo Agropecuário, 2006).

De um lado temos a agricultura familiar, ganhando cada vez mais vez, voz e recursos, o que não impede e tampouco representa uma mudança de direcionamento estratégico, de paradigma de desenvolvimento rural. Ao mesmo tempo, o Estado brasileiro continua tendo como principal política de desenvolvimento para o setor agrário o incentivo à produção em larga escala e todo o segmento que compõe o agronegócio, que por sua vez incorpora em seu conceito a agricultura familiar. Sendo assim, esse movimento a princípio antagônico é parte integrante do processo de expansão do capital.

Diante do exposto, temos que ter clareza que o processo de divulgação e valorização dessa categoria para o conjunto da sociedade como responsáveis pela produção de alimento visa criar um consenso popular da importância da agricultura familiar e justificar a disponibilidade de recursos na forma de fomento. Com linhas de crédito específicas, esse contingente de estabelecimentos familiares, é inserido como consumidor da indústria agrícola de insumos e máquinas, assim como de bens e serviços e da própria terra através do crédito fundiário, dinamizando a economia capitalista.

Cabe frisar que esse processo de valorização da agricultura familiar que vem sendo engendrado no Brasil desde a promulgação do PRONAF em 1996, e posteriormente com a Lei da Agricultura Familiar em 2006, assim como as políticas voltadas para a produção orgânica e agroecológica são conquista de um amplo segmento social, mas que acima de tudo não se trata de um processo autônomo do Estado brasileiro. Esse direcionamento está articulado com as diretrizes mundiais que ao defenderem ações de combate à pobreza nos países de terceiro mundo, criam estratégias econômico-financeiras para integrar a agricultura familiar camponesa no sistema capitalista de produção.

Sabourin (2011, p.207) destaca que as estratégias de desenvolvimento sustentável não nascem de iniciativas dos poderes públicos, e sim de uma dupla exigência por parte das agências multinacionais, ONGs e financiadores internacionais e parte pela sociedade civil e as organizações camponesas que defendem um modelo de agricultura sustentável ou agroecológica. Neste contexto, a valorização da agricultura familiar e camponesa e da produção sustentável está contraditoriamente inserida no contexto do desenvolvimento do capital que se apropria do discurso social e ambiental como mecanismo de reprodução ampliada do capital. Essas políticas auxiliam a diminuição da desigualdade social ao possibilitar alternativas de ampliação de renda. No entanto, reproduzem a mesma lógica, pois mantêm o agricultor subordinado ao limite do acesso à terra, seu principal fator de emancipação e autonomia, espaço vivencial, lugar de vida e trabalho de toda a família que possibilita sua reprodução e das futuras gerações. Tais políticas são importantes, porém não devem ser conduzidas de forma isolada, sendo complementares às políticas estruturantes de reordenamento fundiário.

Diante do exposto no capítulo 1, o sujeito social camponês do século XXI coexiste e integra o sistema capitalista como um elemento de sua reprodução. Esses camponeses resistem e se manifestam contraditoriamente de modo heterogêneo definido pela “condição camponesa” e pelo “modo camponês de fazer agricultura”, incorporando multifuncionalidades e desenvolvendo de modo ativo estratégias para continuar sendo camponês. Neste cenário, a agroecologia se consolida como uma possibilidade real para a garantia de sua reprodução social. Esse conjunto de pressupostos teóricos será analisado no capítulo 2 a partir da experiência concreta da APAOrgânico.

CAPÍTULO 2 - AGRICULTURA EM PÃO DE AÇÚCAR: trajetórias