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MERCADO LIVRE COMO AGENTE TRANSFORMADOR DO SETOR ELÉTRICO

Desafios e oportunidades. É difícil não pensar na atual realidade e nas perspectivas para o segmento de energia elétrica do Brasil sem relacioná-las a essas duas palavras em destaque, que são tão repetidas, consideradas até mesmo

“banais”, especialmente em momentos como o atual, de transição econômica, política, social e tecnológica, mas com a capacidade de ilustrar muito daquilo que vislumbramos para o futuro. Como não tratar dos desafios, que são enormes e apontam para um cenário de transformação e de mudanças significativas? E por que não falar das oportunidades, que seguem pari passu os estímulos naturais diante das adversidades que se apresentam?

Por sua natureza exuberante, pela riqueza em recursos, dimensão continental e por seu natural protagonismo regional e global, o Brasil é de fato um País abençoado, com potencial para estar muito à frente da posição geoeconômica e política que ocupa atualmente. Hoje, tomam forma em nosso horizonte algumas das condições por muito esperadas e que podem Luiz Fernando

Leone Vianna é CEO da Delta Energia Asset Management e foi presidente da Apine entre 2004 e 2015

significar o impulso que faltava para a consolidação dos potenciais de liderança que são almejados. Diante disso, o desenvolvimento progressivo, equilibrado e adequado do segmento de energia elétrica é essencial para que o País trilhe o melhor caminho rumo a esse protagonismo.

Nós, que acompanhamos o desenvolvimento do setor energético há muitos anos e aprendemos a valorizar o potencial de geração de recursos elétricos com perfil limpo e renovável, sabemos que o crescimento do País exigirá investimentos significativos em geração (seja nas fontes convencionais ou em novas fontes de energia), em transmissão, na expansão e modernização das redes atuais e em distribuição, por meio das empresas distribuidoras, ou dos próprios consumidores, no caso da geração distribuída.

Ao mesmo tempo em que consideramos novos horizontes para o setor, como a perspectiva de expansão da geração distribuída e as alternativas de novos negócios envolvendo energia elétrica, lidamos com o progressivo esgotamento do potencial hidrelétrico em determinados projetos, seja pela simples falta de planejamento adequado, por questões socioambientais, limitações regulatórias ou ausência de interesse econômico. Por outro lado, seguimos abençoados por dispor do pré-sal, com sua crescente perspectiva de produção de gás natural – insumo essencial para a expansão de nosso parque termelétrico – e pelas condições de valorização de fontes alternativas de geração renovável, destacando, em especial, nosso potencial eólico e solar. Além disso, contamos com opções ainda não exploradas, ou mesmo não existentes, que certamente terão no talento e na obstinação do brasileiro um espaço aberto ao seu desenvolvimento.

Resolvidos os principais gargalos que limitam a exploração do real potencial de geração elétrica do País – e sanadas questões ligadas à transmissão e à distribuição –, possuímos hoje perspectivas de nos tornarmos um dos mais evoluídos mercados para a negociação de energia de todo o mundo. Nesse espaço, e em composição com o mercado regulado, destacamos o nosso mercado livre de energia, que ainda é relativamente pequeno, restrito a consumidores

empresariais de grande ou médio porte, mas com potencial para crescer exponencialmente e levar economia e eficiência a um universo cada vez maior de organizações e até mesmo pessoas.

Para entender melhor como chegamos ao atual cenário de desafios e oportunidades, devemos voltar a 1995, quando foi instituído o mercado livre de energia, cujo objetivo foi estimular a livre concorrência, criando maior competitividade entre as empresas brasileiras e proporcionando a redução dos custos com energia elétrica. Esse mercado começou de maneira bastante tímida, mas acabou sendo alçado, inclusive, como uma das soluções para resolver os problemas gerados pela crise de abastecimento de 2001, provocada pela escassez de água em um sistema gerador então quase que exclusivamente baseado em hidreletricidade.

Apesar do forte estímulo ao desenvolvimento do mercado livre de energia, representado pela necessidade de inovação nos negócios do setor elétrico diante da crise daquele ano, o número de operações era ainda reduzido, em razão de uma regulamentação limitadora e do próprio desconhecimento de uma nova alternativa de fornecimento de energia, à época, pouco disseminada.

Mesmo assim, esse mercado foi conquistando consumidores de grande porte e se expandindo ano a ano. Em 2004, o governo abriu diálogo com o setor, o qual, por decisão dos dirigentes das corporações, foi realizado por intermédio das associações setoriais – que àquela época empoderaram-se como interlocutores.

Foi definido o chamado Novo Modelo do Setor Elétrico, baseado em legislação e regulamentações voltadas a garantir segurança de abastecimento, financiabilidade, atração de investimentos e modicidade tarifária.

Naquela ocasião, apesar de parte da equipe do novo governo defender o fim do mercado livre, prevaleceu a aposta na manutenção do modelo complementar de comercialização livre de energia, já com pequenas alterações em relação ao que havia antes das mudanças. Dessa forma, com o novo modelo, o número de agentes saltou de 194, em 2004, para 662 no

ano seguinte, de acordo com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, que comemora seus 20 anos de existência em 2019. Em 2012, após diversas mudanças pontuais no modelo setorial de 2004, muitas não concatenadas, foi editada a controversa MP nº 579, pela qual o governo federal estabelecia novas mudanças para o setor elétrico brasileiro, destinadas especialmente a reduzir a conta de luz dos consumidores – mas que, como sabemos, acabou afetando o delicado equilíbrio econômico-financeiro do segmento, provocando efeitos nocivos que até hoje não foram solucionados adequadamente.

Mesmo assim, o mercado livre de energia, comprovando a sua resiliência, prosseguiu em sua trajetória positiva de evolução.

Em 2013, havia 2.625 associados à CCEE, ante 2.300 no ano anterior, como indica a CCEE.

Em 2017, o Ministério de Minas e Energia lançou a Consulta Pública nº 33 e, a partir das inúmeras sugestões apresentadas, formulou proposta de reforma do setor elétrico, que originou um substitutivo de projeto de lei que, em linhas gerais, traz um consenso de agentes dos seus diversos segmentos.

Mas que, em relação a alguns temas, como o mercado livre, pode ser aprimorado, especialmente quanto à velocidade de implementação de sua abertura.

Deve-se ressaltar a importante participação no crescimento do mercado livre dos chamados consumidores especiais, que, turbinados por regulamentações favoráveis ao longo de tempo, passaram a ser incorporados nesse segmento que reúne empresas de menor porte. Ao final de 2018, o mercado livre de energia era formado por 4.932 consumidores especiais e 887 consumidores convencionais, que totalizavam, segundo a CCEE, 5.819 consumidores livres, um número respeitável, certamente.

Em 1º de janeiro de 2019, a liberalização do mercado de energia sofrerá mais um avanço, pois deixará de existir a restrição de atendimento em tensão igual ou superior a 69 kV para os consumidores, que, em 7 de julho de 1995, possuíam carga

igual ou superior a 3.000 KW, estes podendo, a partir do início do próximo ano, escolher o seu supridor de energia.

Esses mais de 5.800 usuários já são responsáveis pelo consumo de aproximadamente 30% da energia elétrica produzida em todo o País. Para uma nação formada por mais de 208 milhões de pessoas, essa proporção é expressiva, mas pode avançar muito mais sem as limitações impostas ao segmento. Percebemos que, de acordo com as regras atuais, o espaço para crescimento do mercado livre é restrito. Por isso, estamos convictos de que a energia do futuro é livre, como clama a campanha da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia lançada em 2018.

Há outras questões delicadas que seguem no radar e que precisam ser ponderadas: inadimplência no mercado livre;

judicialização do GSF e de outros temas; potencial instabilidade regulatória; falta de credibilidade na sinalização dos preços;

desconhecimento em relação a obrigações, direitos e riscos diante da complexidade do setor; restrições relacionadas ao modelo de financiamento da expansão do sistema elétrico; reserva de mercado para o consumidor especial; necessidade de aprimoramento da comercialização varejista etc.

Além das exigências de adequação do próprio mercado livre, devemos trabalhar solidaria e proativamente com o objetivo de apurar as melhores respostas e alternativas para a solução de grandes desafios representados pelos gargalos que restringem o crescimento e a evolução do setor elétrico.

Sejam eles relacionados às limitações aos investimentos em infraestrutura; a questões regulatórias; à busca do entendimento diante de soluções plausíveis para as exigências ambientais de forma que não sejam considerados inviáveis quaisquer projetos voltados à expansão do parque energético nacional. Outro ponto é a necessidade de desenvolvimento de novas e mais eficientes tecnologias, além da propagação de princípios e ideais voltados à economia e ao consumo consciente de eletricidade, entre tantas várias questões.

Assim, chegamos ao ramo das oportunidades. Pelo que acompanhamos publicamente, o Estado brasileiro – sob o comando de novos governantes e representantes de nosso Congresso – demonstra tender à abertura de mercados; à proposição de regulamentações eficientes aos diversos setores da atividade econômica; à privatização de empresas públicas, especialmente aquelas ineficientes; e à criação de condições de estímulo não oneroso ao Estado para o investimento em infraestrutura.

Nesse sentido, projetamos perspectivas positivas e otimistas para o setor elétrico, que é essencial para garantir base ao crescimento e ao devido desenvolvimento do Brasil. Para contribuir com esse ciclo virtuoso, os agentes do mercado livre de energia já vêm se preparando e renovando sua atuação para ajudar no fortalecimento do segmento. Um exemplo desse movimento está relacionado à diversificação e à proposição de novas alternativas de negócios que movimentam a área. Os principais grupos de energia já estão diversificando seus portfólios, e temos acompanhado de perto esse movimento importante para uma nova formatação de mercado.

Há muitos exemplos de histórias de sucesso a contar diante da evolução e do crescimento do mercado livre de energia.

Mas consideramos que isso ainda é pouco. Defendemos e queremos um setor elétrico mais dinâmico, democrático e justo. A tendência é marcharmos em direção do mercado 100%

livre. Quanto tempo levará para chegarmos a essa realidade dependerá do empenho e da vontade dos agentes políticos, setoriais e do poder de influência dos próprios consumidores para que se valorize o reconhecimento de que parte significativa da evolução e da ampliação dos benefícios ao mercado será gerada pela liberalização progressiva dos negócios com eletricidade.

No que depender dos comercializadores e dos agentes que atuam nesse segmento ou em negócios ligados a ele – que têm trabalhado incansavelmente desde 1995 para garantir recursos ao setor, além de previsibilidade, economia, confiabilidade e estabilidade aos consumidores –, esse cenário não tardará a se tornar realidade.

ARTIGO

O MODELO ATUAL DO SETOR ELÉTRICO