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EXPERIÊNCIA DA DOENÇA, GÊNERO MASCULINO E REDE SOCIAL FAMILIAR

74 MERCKLÉ, 2004 75 SINGLY,

conditions de la voie partagée"76. A questão da família contemporânea precisa ser estudada da

seguinte perspectiva, temos nos países ocidentais, embora com formas e graus diferentes, um contexto sócio-cultural que educa os indivíduos para se relacionarem amorosamente no ambiente doméstico. As referidas sociedades estimulam casamentos baseados na afetividade (embora seja claro que outros tipos de interesses podem motivar uma união). Apesar disso, alguns autores definem a vida conjugal atual como precária, descrevendo como frágeis os laços familiares em constante mutação77. Não compartilha-se aqui tal opinião em sua totalidade, mas parcialmente.

As novas formas de se relacionar, que incluem o divórcio e a separação, não tornam os laços familiares necessariamente precários. Por um lado há maior número de famílias monoparentais e menor renda geral em cada domicílio. Por outro lado, isso é resultado de um processo de autonomia da mulher que pode se sustentar, assim como dos casais que não estão presos a casamentos insatisfatórios. Além disso, a condição de vida das famílias fragmentadas pode tanto se tornar mais precária, como pode multiplicar-se, quando há reconstrução de lares com novos companheiros(as)78.

Não podemos ignorar o fato de que a hanseníase é uma doença que atinge, de algum modo, todos os membros da família do paciente. Em primeiro lugar porque se trata de uma doença emblemática. Um ponto delicado na situação do indivíduo estigmatizado é que sua família poderá sofrer simultaneamente uma estigmatização. Os problemas do estigmatizado são espalhados em ondas, quanto mais íntimo, mais chance haverá de sofrer com o estigma compartilhado. Embora variem nas distintas sociedades, as conseqüências sociais e econômicas do estigma da "lepra" costumam ser devastadoras para o paciente, sua família nuclear e parentes em geral. Entre as conseqüências podem estar o isolamento social, a perda do emprego e o divórcio79. Na própria relação familiar do doente, a intimidade nem sempre leva a uma maior

tolerância com o desvio80. A família será assim uma possível fonte de apoio ou de dor para o

paciente que enfrentará uma doença estigmatizante, podendo reforçar a exclusão social ou fornecer respostas para um retorno à "normalidade".

O segundo aspecto importante a considerar é que a deterioração da saúde tem um impacto (maior ou menor) sobre a força produtiva. Este fato pode atingir diretamente a condição de vida da família do paciente, especialmente nas classes desfavorecidas economicamente. Muitas

76 KAUFMANN, 1992: 145

77 BURGUIÈRE; SEGALEN; KLAPISCH-ZUBER & ZONABEND, 1999

78 SINGLY, 2005- O parentesco é um fenômeno social, logo, o parentesco efetivo pode ser substituído pelo fictício. 79 ULRICH et al., 1993

80 Há relatos sobre o abandono do doente pelo cônjuge ou a separação em um novo cômodo da casa, no século XX.

vezes a saúde precária significa um legado social para os filhos: "Serious health problems create psycological and material burdens for individuals, families and groups. Conversely, good health helps individuals to fullfil their goals in life and contributes to the health of an entire society"81.

Devemos também considerar a maior facilidade de transmissão do bacilo no meio domiciliar, sendo uma vulnerabilidade para os contatos do paciente (tipo MB, que não está sob tratamento). Nesse sentido, fornecer a correta informação/educação da sociedade em geral, mas principalmente das famílias dos pacientes de hanseníase, é garantir o apoio ao nível do cotidiano, além de ser um método efetivo para a prevenção da doença82. A desmistificação da doença,

quando desenvolvida ao nível dos contatos mais próximos do paciente, poderá ter um efeito positivo sobre o tratamento: "No mesmo momento que eu fui esclarecido, também esclareceram as pessoas, aí ficou tudo certo. Eles perguntam só se eu tô bem ou se eu não tô legal, como é que eu tô…pra eu me tratar, continuar me tratando.(...) Minha família sempre foi unida acho que se uniu mais ainda."83.

Quando tratamos da importância da divulgação da informação correta sobre a hanseníase no meio familiar, queremos também chamar a atenção para um problema grave no combate à doença. A omissão por alguns membros da família sobre o fato de possuírem hanseníase pode levar ao contágio e desenvolvimento dos sintomas entre outras pessoas que vivem no mesmo domicílio. Em minha pesquisa, nenhum paciente relatou ter omitido da família o fato de possuir a doença. Pelo contrário, em dois casos os pacientes é que sofreram as conseqüências da omissão por pessoas que moravam no mesmo domicílio. Por não saberem que o filho e a esposa haviam contraído hanseníase, nem terem sido orientados pelos mesmos a buscar ajuda médica, os pacientes Edilson e Pedro não tomaram as devidas precauções.

"Quando eu cheguei aqui, eu não…eu não sabia nem o que que era hansen. Porque a pessoa às vezes tem um sintoma e não sabe. E o meu filho se omitiu. (...) Foi nos médicos pra lá e pra cá. Quando eles descobriram que ele tinha a hansen, que ele veio pra cá, ele aqui se omitiu. Nem pra mim nem pra mãe ele falou.(...) Depois que ele acabou o tratamento, nós fomos descobrir…(...) Quer dizer, podia ter me passado pra mim, quais eram os sintomas…(...) Ah, eu ia correr logo atrás, porque…mais de um ano." (entrevista Edilson)

"Todo mundo veio aqui, só que eu trabalhava muito e não falaram nada que eu viesse aqui. Após aí uns 4, 5 meses começou a sair em mim. Se eu tivesse vindo aqui não teria sido contaminado. Porque foi transmitido da minha esposa pra mim. Porque quem começou com essa…com essa enfermidade foi ela." (entrevista Pedro)

Os médicos orientam aos pacientes, no momento do diagnóstico, que devem trazer a família para fazer um exame no posto de saúde, com o intuito de verificar a presença ou não de

81 SUNDIN & WILLNER, "Health and social transitions: the needs for comparative and multidisciplinary

knowledge", In.: ABREU, 2004

82 POLUNIN, 1977: 90