• Nenhum resultado encontrado

METÁFORA E SÍMBOLO: POR UMA MEDIAÇÃO

CAPÍTULO II HERMENÊUTICA E TEMPORALIDADE

2. A INVESTIDA HERMENÊUTICA

2.2 METÁFORA E SÍMBOLO: POR UMA MEDIAÇÃO

A metáfora emerge no discurso de Ricoeur por questões ligadas ao aspecto cognitivo do discurso. Este aspecto cognitivo relaciona-se também ao texto e seu alcance universal que envolve o leitor será tratado mais em termos de referência e sua relação com o papel do leitor. Para o momento, interessa analisar a metáfora revestida de excesso de sentidos. A partir dela, encontra-se a contribuição para a compreensão das relações semânticas existentes no discurso e consequentemente nos símbolos.

A teoria da metáfora vem da antiga retórica. Em relação à retórica clássica e grega28, Ricoeur faz uma avaliação da metáfora como possuidora de dois sentidos, literal e figurativo, que fazem dela um elemento unificador na obra literária, que une o que é implícito e explicito ao texto. Há um elemento intermediário entre os dois sentidos que a metáfora apresenta; entre o literal e o figurativo ainda há um vínculo. A metáfora é provocadora do desvio do uso literal das palavras para o figurativo. Não é um desvio no sentido do discurso, mas um desvio com a finalidade de tornar claro algo que o sentido literal limitou-se na configuração do sentido como um todo. É com o uso das expressões semelhantes que o desvio é feito, com a finalidade de fazer do literal, do ponto de vista cognitivo, dependente emocionalmente do sentido figurativo. No entanto, o uso das expressões semelhantes na metáfora não representa uma inovação semântica ou fornece novidades em relação à realidade. Neste caso, cognição e emoção juntam-se unicamente com a finalidade de tornar o discurso algo recorrente ao seu destinatário, semelhante ao uso intencional de expressões substitutas ou figuras na retórica clássica grega. Mesmo tendo uma palavra específica a ser usada, ela poderia ser substituída, para levar os seus ouvintes à aproximação de uma realidade que o orador intencionalmente desejava, é um fim persuasivo sem necessidade da prova ou do uso da violência (Cf. RICOEUR, 2000, p. 58-61).

Ricoeur (Cf. 2000, p. 61) encontrou novas perspectivas a respeito da metáfora que os retóricos e poetas clássicos não alcançaram. Enquanto os clássicos colocaram as

28 A história da retórica que Ricoeur faz uso é a que começa na sofística grega, e continuada por

tensões entre os dois sentidos do discurso, o literal e o figurativo, os estudos modernos não se contentaram com essa forma, mas consideraram que na metáfora não acontece uma tensão entre os sentidos, mas uma tensão entre dois termos a partir da predicação.

Na metáfora, um termo, sendo ou não mudado para outro, não evoca sentido se não conjugar-se predicativamente a um termo anterior ou posterior a ele. É uma operação predicativa ao nível de sentenças das frases. Assim, a tensão que ocorre entre os sentidos, na verdade, está relacionada a duas formas de interpretação que sustenta a metáfora. A partir daí, a ideia de tensão passa a ser “[...] algo que ocorre [...] entre duas interpretações opostas da enunciação [...]” (RICOEUR, 2000, p. 62). Essa relação entre tensão e oposição dos termos é condição existencial para a metáfora; ou seja, a metáfora não pode existir sem a interpretação e, à medida que se entrega à interpretação, passa pela transformação do sentido literal. Diferente da concepção clássica, de que a metáfora não é capaz de criar, porque apenas substitui. Nessa vertente a transformação é uma criação; criação que se dá no confronto entre duas palavras por meio da predicação, causando uma inovação semântica (Cf. MOTTA, 2006, p. 70-73).

Nesta nova apropriação referente à inovação semântica, a metáfora é criadora; diferente da visão que se lança sobre a metáfora na perspectiva retórica, levando o discurso à infrutuosidade por meio da substituição. Na inovação semântica, o sentido estende-se e a metáfora torna-se “metáfora viva” e o único meio de matá-la é a sua mera repetição, “num dicionário, não há metáforas vivas” (RICOEUR, 2000, p. 64). Quando se tratou da abordagem ao símbolo, dando-lhe dimensões semânticas, o que acontecerá com ele pode ser compreendido pela mesma forma de análise à maneira da teoria da metáfora. Que o símbolo constitui-se de dois momentos, um linguístico semântico e outro linguístico não semântico. Sendo que, no domínio linguístico semântico, o símbolo pode constituir uma semântica que o orientaria em termo de sentido e significação. Porém, no sentido linguístico não semântico, o símbolo entrega-se aos níveis do cosmo e da experiência do poder – a qual se dá essencialmente no contexto religioso. Assim, à maneira da teoria da metáfora, o estudo dos símbolos teria sua maior consistência pelo fator externo ao símbolo; ou

seja, as variadas maneiras com que se podem observá-los: segundo a literatura, o estudo dos sonhos e dos símbolos no mito religioso.

A hermenêutica surge da necessidade de ampliar a filosofia que era inicialmente objetiva, mas que na sua especificidade alguns elementos pareceram sem soluções imediatas, abrindo novos horizontes e permitindo novas reflexões. Isso parece ter agradado a Ricoeur, porque a linguística acaba por ser a dimensão em que se assentam as bases hermenêuticas. Mas também não se pode desprezar que o trabalho hermenêutico também é um trabalho que se apodera da fenomenologia, que acontece no processo interpretativo. Porque se as intenções da interpretação recaem sobre a necessidade de encontrar uma verdade ou resposta, há um trabalho de garimpo, ocasião em que algum elemento é posto em suspenso para dar espaço ao mais significativo. Mas não deixa de ser um trabalho dialético, na medida em que o tempo incide sobre determinados valores das respostas ou das verdades – isso pode ser entendido se for levado em conta o que ocorre com a mensagem ao permear na sucessão dos eventos temporais, promovendo atualização do código por meio da fala. Na metáfora, na inovação semântica criadora, ela sempre dirá algo de novo (Cf. RICOEUR, 2000, p. 64).

Do percurso iniciado até as passagens finais dessa etapa, foi possível perceber que a introdução ao campo da hermenêutica ricoeuriana passou pela análise da vontade. Nessa passagem, o encontro com os mitos levantou o problema dos símbolos e de sua significação. Entender a estrutura na qual os significados desses mitos estão envolvidos acabou por levar às reflexões pelo caminho da semântica, entendida mais seguramente na maneira com que a mensagem proposta pelo discurso se torna texto. No entanto, a exposição do que podemos entender no trabalho hermenêutico proposto por Paul Ricoeur não seria suficientemente entendida se os resultados desse conjunto de implicações que envolvem o mito, o símbolo, a semântica e a metáfora não fossem incluídos nos círculos hermenêuticos.

A leitura atenciosa de Tempo e Narrativa faz entender que considerável porção sobre o trabalho hermenêutico, nas relações nomeadas por mímeses I, II e III, numa relação com o que Ricoeur vê na prefiguração (ou pré-compreensão), configuração e refiguração, ocupa boa parte do início do Tomo I da obra. Isso porque a mímese III é para Ricoeur a refiguração, e é nela que parece ocorrer a intercessão entre o mundo

do texto e o mundo do leitor. É num mundo do texto configurado, semelhante ao que ocorre na mímese II, que é possível haver uma refiguração. A configuração é mediadora, assim como a mímese II, porque estão entre um mundo prefigurado e um outro refigurado (Cf. ANDRADE, 2003, p. 40-43). Porém, não se pode resumir em uma única obra o trabalho de elaboração da hermenêutica ricoeuriana. É necessário compreender as vias hermenêuticas numa leitura ampla e responsável dos trabalhos desse filósofo francês. Na medida em que se avança na leitura do pensamento ricoeuriano, é possível encontrar um conjunto de obras que, no seu contexto geral, dão seguimento a uma série de desvios de temas em direção ao esclarecimento da hermenêutica que ele propôs.

Para Ricoeur (Cf. 1994, p. 85-87), existe, entre a atividade de narrar uma história e o caráter temporal da experiência humana, uma correlação em que o tempo é tempo humano na medida em que é articulado de um modo narrativo29. Diante da possibilidade de desvendar essa correlação, o passo inicial é procurar esboçar o que é oferecido na operação da mímese em que o tempo possa ser relacionado. É possível entender que a ligação que há entre tempo e a mímese esteja relacionado à refiguração do tempo, ou seja, o tempo narrado e configurado em forma de texto é capaz de ser refigurado em um mundo do leitor, voltar à vida em um novo momento, o tempo do leitor. Considerando esse processo, é possível compreender melhor o sentido da relação entre prefiguração (ou pré-compreensão), configuração e refiguração. É essa a relação que segue o modelo da mediação da mímese II. Assim que o texto volta à vida, a partir do acesso pelo leitor, é refigurado segundo o tempo em que é lido (Cf. MOTTA, 2006, p. 73-74). Assim, é possível compreender a pertinência da argumentação contra a objeção do círculo vicioso da operação mimética. Analisando esse processo mediador que envolve a mímese II, será possível entender que os aspectos temporais encontram-se na experiência da prefiguração e da refiguração.

É importante compreender que iniciar com as reflexões de Ricoeur sobre a ideia de tempo, apoia-se nas descrições que tratam da narração dependente da

29 É importante considerar que o tempo, na dimensão em que é considerado tempo humano, está

envolvido com a vida humana seguindo seu curso, mas um curso percebido pelo homem e envolvido com a experiência humana dentro dos eventos. Assim que a experiência do tempo é levada à linguagem, consolida-se a humanidade do tempo. Com isso, a temporalidade passa pela linguagem para se tornar experiência capaz de ser imitada ou narrada (MOTTA, 2006, p. 72, 73).

compreensão da experiência do tempo no processo de narração da história. O narrar a história envolve o que Ricoeur tem como tempo humano articulado, em estado pleno de significado refletindo toda a condição da existência temporal (Cf. MOTTA, 2006, p. 73). É da análise do tempo e da experiência temporal que nos ocuparemos a seguir.

Documentos relacionados