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Metabólitos secundários dos liquens

260 C 1 Brazilian Journal of Medical and Biological Research

1.2 Metabólitos primários e secundários obtidos dos liquens

1.2.1 Metabólitos secundários dos liquens

Mesmo estando incluídos no Reino Fungi, os liquens são organismos únicos, pois apresentam características peculiares; entre elas a produção de substâncias exclusivas da classe, que são derivados fenólicos correspondentes a quatro estruturas distintas, bem diferenciadas quimicamente conhecidas como depsideos, depsidonas, dibenzofuranos, ácidos úsnicos e ainda o ácido picroliquênico de Pertusaria amara, que é uma depsona. Estes compostos são denominados genericamente de substâncias liquênicas ou ácidos liquênicos (Figura 12) (HONDA; VILEGAS, 1998; HOWELL; NEWTON; WILLIAMS-WYNN, 2003; EISENREICH; KNISPEL; BECK, 2011).

As substâncias liquênicas são formadas por unidades fenólicas, que se originam a partir dos ácidos carboxílicos policetônicos derivados do ácido acético. Estes ácidos de cadeia aberta ciclizam de formas distintas para dar origem às unidades fenólicas básicas, geralmente associadas através de ligações do tipo éster no caso dos depsídeos e éster e éter para as depsidonas (CORDOBA, 1975). Devido aos seus grupamentos fenólicos as substancias liquenicas tem a habilidade de eliminar os radicais livres, a exemplo, da esferoforina e a panarina que inibem a formação do ânion superóxido in vitro. O primeiro tipo de ciclização segue o modelo do ácido orselínico, que é a base estrutural dos depsídeos, depsidonas, dibenzufuranos e, o segundo tipo que segue o modelo do floroglucinol, constituinte do ácido úsnico. Porém, nem todas as espécies de liquens apresentam derivados fenólicos. Em muitas

espécies cujo fotobionte é uma cianobactéria, não há produção desses derivados (GALUN; SHOMER – LLAN, 1988).

Principais classes químicas dos fenóis liquênicos

Ácido nefrosterínico

Substâncias fenólicas Dibenzofurano e ácido úsnico

Depsidonas (policetídios) Depsonas (policetídios)

Lactonas Quinonas

Ácido vulpínico Ácido rizocárpico Calicina

Ácido protoliquesterínico Parietina

Panarina Ácido virensico Ácido picroliquênico

Hemoventosina

Ácido subpicroliquênico

Ácido barbático Atranorina Ácido evérnico

β-orcinol Ácido úsnico Ácido didímico

Derivados do ácido pulvínico Depsídeos (policetídios) Ácido orselínico

Figura 12 - Estruturas típicas dos metabólitos liquênicos

Em 1831, Bebert deu inicio as pesquisas com as substancias liquênicas provenientes do seu metabolismo secundário, seguido de Alms em 1832 e Knop em 1944, que isolaram os ácidos vulpínico, picroliquênico e úsnico, respectivamente de diferentes espécies de liquens. A primeira revisão sobre o assunto surgiu com Gmelin em 1858. No entanto, o marco inicial da liquenologia aconteceu em 1907 quando o botânico Friedrich Wilhelm Zopf publicou uma das mais importantes obras na área da liquenologia, o livro Die Flechtenstoff in chemuscher,

botanischer, pharmakologischer und technischer Beziehung, no qual descreve fórmulas

empíricas, propriedades e a ocorrência de 150 compostos (HUNECK; YOSHIMURA, 1996). Na década de 1930, o químico japonês Asahina identificou diversas substâncias de liquens. Em 1954, Asahina e Shibata, publicaram outro clássico da liquenologia, o livro Chemistry of

Lichen Substances, que compila seus trabalhos e apresentam as estruturas elucidadas de vários

compostos, suas sínteses, métodos de isolamento e purificação bem como, algumas propriedades físicas destas substâncias.

Muitas das estruturas moleculares das substancias liquênicas e rotas biossintéticas foram descritas por Asahina e Shibata (1954). Os autores dividiram as substancias liquênicas em alifáticas e aromáticas. Na série alifática incluíram os ácidos graxos, polióis e triterpenos, e na série aromática os derivados do ácido tetrônico (ácido pulvínico), depsídeos, depsidonas, dibenzofuranos e derivados da dicetopiperazina. Atualmente, o sistema de classificação mais utilizado é proposto por Culberson e Elix (1989), onde as substâncias são ordenadas de acordo com a sua provável origem biossintética, indicando que a maioria dos metabólitos secundários é derivada da rota do acetato-polimalonato, outras da rota do ácido chiquímico ou ainda da rota do ácido mevalônico (Tabela 2) (RUNDEL, 1978; HUNECK, 1999; IVANOVA; IVANOV, 2009).

As substâncias cíclicas com grupos hidroxila (OH) livres são geralmente tóxicas para os seres vivos e sua formação nos liquens provavelmente deve-se a mecanismos de controle metabólico como respostas frente a ataques externos. Tem-se atribuído as substancias liquênicas o papel de protetores contra fenômenos de foto-oxidação causados pelo excesso de luz (CORDOBA, 1975), uma vez que muitos compostos liquenicos absorvem fortemente a radiação UV (400-320 nm), UVB (315-400 nm) e UVC (100-280 nm) (LAWREY, 2008). Outro papel fisiológico importante das substancias liquênicas, é sua contribuição na nutrição mineral, baseada na sua capacidade de quelação com cátions inorgânicos. A habilidade das

substancias liquenicas de formar complexos com os íons metálicos é fortemente dependente o pH (HAUCK; JUNGENS; LEUSCHNER, 2010).

Via do acetato-polimalonato

• Ácidos alifáticos secundários, ésteres e derivados relacionados.

• Antraquinonas, xantonas, cromonas, naftoquinonas.

• Compostos aromáticos derivados dos policetídios: a) compostos fenólicos mononucleares; b) derivados de unidades fenólicas, depsídeos, tridepsídeos e éteres benzílicos; depsidonas e éteres difenílicos, depsonas, dibenzofuranos, ácidos úsnicos e seus derivados.

Via do ácido mevalônico Mono, di, sesqui e triterpenos, esteróides Via do ácido chiquímico Terfenilquinonas e derivados do ácido

pulvínico.

Para identificar um líquen, tradicionalmente os liquenólogos utilizam várias combinações dos caracteres morfológicos dos apotécios. Porém, as presenças de certas substâncias encontradas nos talo têm sido usadas como recurso extra para caracterizar os fungos liquenizados. Na segunda metade do século XIX, a análise das substâncias químicas secundárias dos liquens exerceu uma grande influência na taxonomia, muitos gêneros foram reconhecidos, principalmente com base nos seus compostos químicos presentes no talo. A análise química para fins taxonômicos faz uso de reação de coloração do talo e de procedimentos de microcristalização (HALE-JR, 1983).

Nas reações de coloração, reagentes como o hidróxido de potássio (KOH) e o hipoclorito de cálcio, quando aplicados sobre o talo desencadeiam uma reação de coloração característica das várias substâncias. O hidróxido de potássio promove a hidrólise da ligação éster de depsídeos (atranorina e ácido difractáico) e depsidonas (ácido salazínico e protocetrárico), dando origem a substâncias cuja coloração varia do amarelo ao vermelho intenso. A reação com hipoclorito de cálcio é positiva para as substâncias que apresentam hidroxilas fenólicas livres. Os ácidos lecanórico, anziaico e olivetórico dão coloração vermelha intensa. A ação combinada do hipoclorito de cálcio e o KOH sobre as depsidonas podem fazer surgir uma

Tabela 2 - Principais classes de compostos originados das três principais vias de produção de metabólitos secundários de liquens.

coloração vermelha, como ocorre nos ácidos alectorônico e graiânico. Solução de benzidina, p-fenilenodiamina, anilina, e o-toluidina são utilizadas para detecção do grupamento aldeído nas moléculas. A reação de coloração é amarela, laranja ou vermelha. A solução de cloramina T e o reagente Dimroth são utilizados para detectar o ácido úsnico e xantonas, respectivamente (VICENTE, 1975; HALE-JR, 1983).

Outra técnica para identificação das substâncias liquênicas é a microcristalização, uma vez que sob condições adequadas estes compostos apresentam formas cristalinas que são obtidas através da fragmentação de pequena porção do talo que é submetido à extração com solvente orgânico. O extrato obtido é depositado sobre uma lâmina de microscópio de maneira a formar uma mancha de resíduo após a evaporação do solvente. Em seguida adiciona-se uma gota da solução para cristalização, tais como: GE-glicerina: ácido acético glacial (3:1 v/v), GAW- glicerina: etanol: água (1:1:1 v/v/v), GAoT- glicerina: etanol: o-toluidina (2:2:1 v/v/v), GWPy- glicerina: água: piridina (1:3:1 v/v/v), GAQ- glicerina: etanol: n-quinolina (2:2:1 v/v/v), GAAn- glicerina: etanol: anilina (2:2:1 v/v/v) e finalmente cobre-se com uma lamínula Dependendo da solução a formação da estrutura cristalina pode ocorrer imediatamente, após alguns minutos ou após algumas horas. Através desta técnica é possível identificar um grande numero de substancias liquênicas das séries dos depsídeos, depsidonas e dibenzofuranos, xantonas, antraquinonas, ácidos alifáticos e terpenos por comparação a padrões descritos na literatura (CULBERSON, 1963).

Atualmente métodos mais modernos estão sendo utilizados para detectar e identificar as substâncias presentes no talo liquênico. Durante as ultimas décadas grandes progressos foram alcançados no desenvolvimento de instrumentos e ferramentas baseadas em software para análise multivariada destas substâncias, baseados na análise quantitativa de compostos de baixo peso molecular. Equipamentos como o cromatográfo gasoso acoplado ao espectofotômetro de massa (GC-MS) e cromatógrafo líquido acoplado a espectrômetro de massas (LC-MS) são mais sensíveis que o RMN 1H, embora as análises por RMN 13C e 31P sejam bastante utilizadas em cultivos de fotobiontes, a fim de mapear a rota de transferência dos compostos, a taxa de frequencia e o destino de cada composto produzido pela alga (EISENREICH; KNISPEL; BACK, 2011).

Muito recentemente, a microscopia tem contribuído com os estudos in vivo, através de equipamentos modernos e técnicas de microespectroscopia vibracional que permitem detectar

e visualizar as substâncias liquênicas in situ dentro do talo intacto. Na Cladonia uncilais, o ácido úsnico foi detectado no picnídio, no apotécio e na região apical do talo, respectivamente (Figura 13 C, D e E). Esta informação poderá ajudar a identificar o gene responsável pela produção do ácido úsnico nestas regiões especificas do talo e então, com técnicas de clonagem e expressão do gene em fungos não liquenizados, poderão contribuir para a produção do ácido úsnico em culturas com fungos isolados. Todos estes métodos poderão estar associados a genômica e a proteômica. Juntos eles podem contribuir substancialmente para compreensão da rota metabólica nos liquens que leva a formação dos compostos secundários, bem como seu papel no estabelecimento e na manutenção da simbiose (LIAO et al., 2010).

Figura 13 - Picnidio (C), apotécio (D) e região apical do talo (E). Imagem do ácido úsnico gerada através de microespectroscopia ( )