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Metodologia de Análise das Mediações

2 ESTUDOS DE RECEPÇÃO: ASPECTOS TEÓRICOS E

2.2 Metodologia do Trabalho de Campo

2.2.3 Metodologia de Análise das Mediações

2.2.3.1 Mediação cotidiano familiar

O cotidiano familiar é a primeira mediação a atuar no processo de recepção do programa aqui estudado. Procurou-se perceber os diferentes graus de dependência e interdependência entre televisão e telespectador, além dos mecanismos de sedução e

cumplicidade que unem produtores e receptores do programa. Buscou-se perceber como as práticas cotidianas se relacionam com a recepção do programa, dando-lhes novos sentidos ou influenciando na forma como estes sentidos são entendidos e apreendidos.

As diferentes formas de compreender e dar sentido às informações estão ligadas às práticas diárias, às tradições, preocupações e expectativas da família e de seus integrantes. Buscou-se apreender essas informações por meio da cultura da família, na suas expressões materiais e simbólicas, seja nas condições socioeconômicas e de habitação, seja em trajetórias e marcas da história da família. Procurou-se observar os lugares, o uso dos meios de comunicação, dando-se ênfase à televisão, ao programa Tempo Quente e às rotinas envolvidas na forma de assisti-lo.

2.2.3.2 Mediação: subjetividade

A abordagem da mediação subjetividade se dá pelo comportamento do receptor, que aparece nas entrevistas, em suas experiências e ações, no seu modo de perceber o mundo e os objetos. De seu repertório foram extraídos indicadores para a análise e interpretação, desejos e sentimentos que não aparecem de forma explícita, mas são percebidos nas entrelinhas, hesitações, interrupções na fala e nos lapsos de memória. Procurou-se observar a relação da família com a televisão e, principalmente, com o programa estudado. O foco é o modo como a vida delas perpassa e é perpassada pelo conteúdo do programa. Como no estudo realizado por Lopes, Borelli e Resende (2002), vários aspectos são alvos de atenção:

[...] a hierarquia de valores dos objetos que determina a distribuição do espaço doméstico, o consumo do tempo, a localização do aparelho na casa, a dimensão do tempo em que as pessoas permanecem diante do aparelho ligado, a renegociação das relações familiares com base nas parcerias para ver programação (LOPES; BORELLI; RESENDE, 2002, p. 75).

Fazendo-se adaptações para o programa estudado, levantaram-se alguns aspectos subjetivos na relação entre a família e o programa: gratificações obtidas no acompanhamento do programa; reprodução de discursos; envolvimento com a notícia; distanciamento ou proximidade com a realidade; avaliação de conteúdo no que diz respeito à realidade por eles vivenciada; representações identitárias.

2.2.3.3 Mediação gênero jornalístico

Buscou-se detectar como os receptores percebem as mensagens e representações dos acusados feitas no programa. O objetivo foi entender a articulação permanente entre duas narrativas: a do programa, analisando um programa como exemplo, uma vez que o tema tratado é sempre o mesmo, ou seja, os crimes cometidos na cidade Londrina - PR e região; a narrativa feita pelo apresentador que, além de informar, opina sobre os fatos, expondo ao telespectador seu pensamento e valores através do discurso proferido; e a narrativa dos receptores recolhida durante o período de realização da pesquisa.

Pode-se afirmar que há um contrato entre produtores e receptores do programa para que a narrativa tenha significado. É preciso que exista um repertório comum. François Jost afirma que: “Em televisão, pode-se definir a noção de contrato como um acordo graças ao qual emissor e receptor reconhecem que se comunicam e o fazem por razões compartilhadas” (JOST, 2004, p. 9). Para o autor, o objetivo é fazer que o outro entre na própria intencionalidade de quem propõe o contrato. No caso da televisão, haveria um duplo contrato, um primeiro de credibilidade e um segundo de captação.

[...] quando se fala em televisão, fala-se, sobretudo, de informação. A televisão seria uma instância midiática que forneceria simplesmente informações, informações que têm a necessidade de se apresentarem como espetáculo, pois é ele que atrai os telespectadores. O espectador sabe, tem conhecimento de que se trata de um espetáculo. Essa seria uma das cláusulas do contrato informativo televisivo, cujo objetivo é conseguir o máximo de credibilidade e o máximo ibope, de audiência (JOST, 2004, p. 11-12).

De acordo com o autor, nesse contrato fica subentendido que é necessário ao receptor algum conhecimento prévio sobre o gênero do programa a que se vai assistir, mas ele propõe outro modelo de contrato a que chama modelo de promessa. Nele, se consideraria o gênero como uma interface, responsável pela ligação entre emissor e telespectador. “O modelo da promessa é mais cidadão. Esse modelo exige do espectador uma contribuição ativa, embora ela não se dê simultaneamente ao momento da própria promessa. Porém, a promessa é manipulatória se o telespectador não desempenhar seu próprio papel” (JOST, 2004, p. 19).

Uma das funções do gênero, e provavelmente a mais evidente, é a do direcionamento da interpretação por parte do receptor. Se o telespectador vai assistir a um programa jornalístico espera encontrar ali relatos de fatos verdadeiros. De acordo com Jost (2004), até mesmo o nome do programa é uma promessa.

Neste estudo, o nome Tempo Quente, assim como a propaganda do programa: “em um fato existem sempre três versões: a da vítima, a do bandido e a verdadeira”, bem como o

slogan: “a crítica só a quem merecer”, fazem uma promessa ao telespectador que sabe que tipo de informação irá receber. O autor defende que é graças à comunicação entre produtores, receptores e emissores que se dá uma leitura correta do gênero.

[...] As emissoras, os programadores, os mediadores como os telespectadores comunicam-se porque eles se situam em um terreno comum. Esse terreno comum, constituído por aquilo que denomino os mundos da televisão, confere sentido aos gêneros televisuais. Mas esse sentido, longe de ser estável, varia no curso das migrações que conhecem os gêneros, da concepção dos programas até sua recepção (JOST, 2004, p. 31).

Para Jost (2004), o gênero é o terreno dos confrontos entre atores sociais com os mais diversos interesses: os produtores que precisam dotar seus programas com uma identidade genérica; os difusores que querem semantizar os objetos para torná-los desejáveis e os receptores para quem a categorização é necessária para poderem interpretar o programa que consomem.

Todo gênero, com efeito, repousa na promessa de uma relação com o mundo cujo modo ou grau de existência condiciona a adesão ou participação do receptor. Os telejornais, os documentários e os “direto” nos dão a impressão de serem testemunhas do mundo... Quando um documento audiovisual faz referência ao mundo, isso significa que nós podemos levar a sério o que nos mostra por três razões: (1) como signo do mundo, ele tem propósitos verificatórios sobre nosso mundo (atualidades, jornal televisivo, reportagens); (2) como signo do autor, ele exprime uma verdade profunda dos seres ou dos indivíduos (que qualquer um lembras quando fala de sentimentos autênticos), como nos testemunhos ou nas transmissões diretas em geral ou nas marcas de indivíduos cuja autoridade não é contestada; (3) como documento, ele traz em si uma verdade incontestável (é o papel de arquivo) (JOST, 2004, p. 33;36).

Um problema observado pelo autor é que o telejornal, embora pretendendo falar da realidade, a reduziu ao visível, ao ponto de, às vezes, a existência dos acontecimentos depender de sua capacidade de visualização. A imagem funciona como testemunha ocular, quando na realidade não se é capaz de abordar todos os ângulos possíveis de uma imagem. Ela é também uma construção de quem a produz e sua interpretação é induzida pela fala do repórter e do apresentador que, no caso do programa estudado, emite sua opinião sobre os fatos, na maioria das vezes, interpretando-os. O interesse do telespectador pelo telejornal está na expectativa de que ele expresse a realidade à qual pertencemos, seja de perto ou de longe.

2.2.3.4 Mediação Videotécnica

Tomando-se como base o estudo sobre a telenovela, realizado por Lopes, Borelli e Resende (2002), fizeram-se algumas adaptações para que essa mediação fosse utilizada nessa

pesquisa. Procurou-se identificar “modelos de análise do texto audiovisual” e verificar como as técnicas presentes na construção do programa estabelecem ligações entre a produção e os receptores. O que se pretendeu mostrar é que há uma linguagem que possibilita um “contrato de recepção” entre produtor e consumidor. Sob a ótica desta mediação, o programa é um produto, um formato, por isso se buscou identificar a forma cultural e os recursos de linguagem utilizados nessa construção. Acredita-se que essa mediação tenha duas dimensões, a da produção e da recepção que, articuladas, dão origem a determinadas operações nas quais ocorrem as negociações para a construção de sentido. Na parte da produção procurou-se observar o ritmo e a rotina de trabalho e o que pensa o apresentador sobre o produto. Na operação de sentido buscou-se verificar como os produtores e receptores constroem as representações das matérias jornalísticas apresentadas no programa; como percebem a mensagem e se compartilham um repertório de significados.