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6 A RECEPÇÃO E SEUS PERSONAGENS

6.2 Os personagens

Em pesquisa realizada em 2001, pelas pesquisadoras Dalva Regina Taniguchi e Marly Teixeira de Souza, para a Creche Escolinha Irmãs de Betânia, que funciona no Jardim Nossa Senhora da Paz, foram obtidos dados que são relevantes para mostrar a realidade dos participantes da presente pesquisa que serão descritos a seguir. Nesta pesquisa foram visitadas todas as casas do bairro. Havia então 1.280 pessoas morando no local, 40% homens e 60% mulheres. A média de idade ficou em 31 anos. As crianças correspondem a 36% da

população, 20% na faixa etária de 7 a 15 anos. Os moradores acima de 50 anos compõem 14% dos moradores e os com mais de 66 4% da população.

Na situação habitacional, 90% moram em casa própria; 5% em casa cedida, normalmente por familiares, e 5% em casa alugada. No bairro, a pesquisa constatou que cerca de 23% das 305 famílias têm uma união estável. 50% delas declararam ser casadas oficialmente. 19% das famílias não se enquadram em nenhuma das situações anteriores (união estável ou casamento) e boa parte delas é mantida somente pelas mulheres. De 812 pessoas com idade acima de 18 anos, 37% se declararam casados, 16% em união estável, 6% viúvos, 8% separados e 33% solteiros. Quanto à estrutura familiar há uma média de quatro pessoas por família, incluindo aqueles que se encontravam trabalhando fora da cidade ou presos na época da pesquisa. De acordo com os dados das pesquisadoras: 104 famílias com dois ou três integrantes; 138 com quatro a seis integrantes; 38 famílias com mais de sete integrantes e 25 famílias constituídas por apenas uma pessoa.

A evasão escolar na região é muito alta. Cerca de 50% dos 185 jovens na faixa de 16 a 21 anos estavam fora da escola na época da pesquisa. 10% da população total da comunidade são de analfabetos. No aspecto financeiro, dos 812 adultos de ambos os sexos com idade acima de 18 anos, cerca de 27% estavam desempregados, 13% declararam possuir um trabalho informal, 37% tinham trabalho com carteira assinada e 17% eram donas-de-casa, 8% aposentados ou licenciados pelo INSS por questões de saúde. No quesito renda familiar, a situação mostrou-se um pouco complexa porque muitas das famílias supostamente recrutadas pelo tráfico não declararam nenhum tipo de renda, apesar das pesquisadoras terem observado um padrão de vida dentro dos limites da sobrevivência. 20% das 305 famílias pesquisadas declararam não possuir nenhum tipo de renda pelo fato de o mantenedor da família estar desempregado há mais de três meses ou preso, dependendo estas famílias exclusivamente dos programas sociais da prefeitura, da ajuda de igrejas que atuam na comunidade, dos vizinhos e parentes ou, então, entram para o tráfico ou seus integrantes praticam roubos, furtos e assaltos para a manutenção da família. 17% declararam renda de um salário mínimo, 25% dois salários mínimos, 21% recebem entre três e quatro salários e 17% acima de quatro salários mínimos.

Analisando-se esses dados pode-se afirmar que cerca de 37% das famílias do Jardim Nossa Senhora da Paz vivem abaixo da linha de pobreza estipulada pelo governo, com renda inferior a um salário mínimo, situação que leva ao agravamento e ao aumento da criminalidade no bairro, dificultando ainda mais a vida dos que ali moram e que muitas vezes

não conseguem emprego justamente por residirem em um local marcado e reforçado pela imprensa como violento e reduto de marginais.

A questão religiosa também fez parte da pesquisa e ficou demonstrado que 36% dos moradores se declaram católicos, 40% evangélicos e 23% sem religião. A família moradora do bairro somente aceitou participar do estudo de recepção sobre o programa Tempo Quente com a garantia do pesquisador que não seria identificada. A questão da segurança é a que mais os preocupa, pois, praticamente todos no bairro assistem ao programa de forma velada, comentando o programa somente em lugares nos quais se considerem seguros, pois os traficantes que dominam o local são absolutamente contra o apresentador, já tendo, inclusive, furado os pneus do carro de reportagem e ameaçado os repórteres. Por essas razões, não são utilizados os nomes próprios para identificar a família, somente as indicações a seguir: a mãe, o filho mais velho, a filha do meio e a filha mais nova.

A família é composta por quatro pessoas, com idades entre 16 e 48 anos, mãe e três filhos, o pai já é falecido, três trabalham, o que é uma exceção no bairro, onde há um grande número de desempregados. A renda familiar está em torno de três salários mínimos o que garante à família uma qualidade de vida razoável diante da realidade da maioria dos moradores.

A casa da família é própria, construída pela companhia municipal de habitação, sofreu poucas mudanças, são cerca de 80 m2, com seis cômodos: três quartos, sala, cozinha e banheiro. Há uma pequena área na parte da frente e outra nos fundos, onde se localiza a área de serviço. Os móveis e eletrodomésticos não são muito novos, mas estão bem conservados, demonstrando o cuidado que a família tem com os bens que possui.

Como na maioria das famílias, a cozinha, além de servir para o preparo dos alimentos, é também o espaço de convivência. Na sala, o televisor está em local de destaque, o sofá e a mesinha de centro se dispõem em frente ao aparelho que fica sobre um rack, na parte superior, abaixo há um aparelho de DVD e um rádio portátil que costuma ir para a cozinha ou a área de serviço, conforme a realização das tarefas diárias da mãe.

A mãe possui o primeiro grau e trabalha como auxiliar de serviços gerais em uma empresa. Entre os filhos, o mais velho já concluiu o ensino médio e trabalha como vendedor, a filha do meio trabalha meio período como babá e cursa o ensino médio e a menor somente cursa o ensino médio, situação também atípica, posto que a maioria dos adolescentes do bairro não trabalha e também não estuda. Elas estudam em escola pública em bairro vizinho ao Nossa Senhora da Paz, que não possui escola de ensino médio. A vida da família é marcada pelo trabalho e pelo desejo de construir uma vida melhor. As maiores dificuldades

enfrentadas, e sempre citadas, referem- se à discriminação, por morarem em um bairro considerado perigoso e no qual os moradores são estigmatizados como envolvidos com o crime.

A valorização do trabalho é uma constante na família que acredita, principalmente pela fala da mãe, que o trabalho ajuda a forjar o caráter. A pessoa trabalhadora, quase automaticamente, é associada a “pessoa do bem”. O medo também aparece com freqüência, principalmente de que os filhos se envolvam com o tráfico, hoje comandado, de acordo com o relato dos moradores, por adolescentes.

A família é católica praticante e freqüenta semanalmente a capela do bairro. “Acho que é muito importante a gente se apegar a Deus. Somente Ele é capaz de nos proteger e ajudar a ter uma vida melhor”, diz a mãe. Ela faz questão de mostrar os documentos que comprovam que os três filhos foram batizados, fizeram primeira comunhão e foram crismados. A ida à missa é obrigação cumprida à risca por toda a família. Os filhos às vezes reclamam, mas acabam acompanhando a mãe. “Tem domingo que estou com preguiça, mas a mãe levanta e faz todo mundo ir com ela. No final acaba sendo bom. Mas, às vezes me pergunto por que Deus deixa tanta coisa ruim acontecer”, conta a filha do meio.

As tarefas domésticas são divididas entre as mulheres da casa, e elas parecem achar natural que o homem da casa não participe desses afazeres. Como a mãe trabalha, uma das meninas estuda e a outra estuda e trabalha, a maior parte do serviço é feito no final de semana. É, também, nos finais de semana que elas aproveitam para cuidar de si. Todas são vaidosas e fazem questão de pintar as unhas toda semana, de aplicar creme nos cabelos e cuidar das sobrancelhas.

Durante a semana, aproveitam para adiantar o que é possível do serviço doméstico, como limpar a casa, lavar e passar roupas. Elas fazem de questão de mostrar que apesar das dificuldades financeiras o lar está sempre limpo e arrumado, as roupas e a aparência pessoal também são preocupações. “Não é porque a gente é pobre que precisa viver na sujeira ou desarrumado. A gente tem que ter orgulho e saber se colocar para ser sempre respeitado. Sempre ensinei isso para os meus filhos, e não só com palavras, mas com exemplo”, orgulha-se a mãe.

A família não fala muito sobre o pai. A mãe conta que ele sempre foi um homem trabalhador, mas que acabou sendo vítima do bairro. Ele foi encontrado morto com três tiros e a polícia não descobriu o autor ou o motivo do crime. “É muito triste essa situação, gostaria muito de saber o motivo da morte dele. Mas, a polícia não se importa com quem morre aqui, para eles são todos bandidos e pronto”, desabafa a mãe.