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Observação Etnográfica

2 ESTUDOS DE RECEPÇÃO: ASPECTOS TEÓRICOS E

2.2 Metodologia do Trabalho de Campo

2.2.1 Observação Etnográfica

Esta técnica foi utilizada para realizar o que se convencionou chamar “etnografia de audiência”. Ao se utilizar essa técnica buscou-se uma alternativa às técnicas tradicionais de levantamento quantitativo-estatístico das audiências e orientar a pesquisa de consumo dos meios, nesse caso a televisão, para o cenário doméstico. Esse consumo não deve ser visto apenas como natural, mas, também, como eminentemente cultural, além ser uma prática contextualizada. Por isso é uma prática muito complexa, pois é realizada em meio a outras práticas domésticas e é somente nessa complexidade que pode ser entendida.

Para a pesquisa foi bastante útil a adoção da perspectiva de Clifford Geertz (1978, p. 15):

Segundo a opinião dos livros-texto, praticar etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por diante. Mas não são essas coisas, as técnicas e processos determinados, que definem o empreendimento. O que o define é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma ‘descrição densa’[...].

O autor compreende descrição densa como um processo de interpretação que pretende, e espera-se que consiga, dar conta das estruturas significantes que estão por trás e dentro dos menores gestos humanos. “A análise é, portanto, escolher entre as estruturas de significação [...] e determinar sua base social e sua importância” (GEERTZ, 1978, p. 19). O autor explica que:

O que o etnógrafo enfrenta, de fato – a não ser quando (como deve fazer, naturalmente) está seguindo as rotinas mais automatizadas de coletar dados – é uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de alguma forma, primeiro apreender e depois apresentar. E isso é verdade em todos os níveis de atividade de seu trabalho de campo, mesmo o mais rotineiro: entrevistar informantes, observar rituais, deduzir os termos de parentesco, traçar as linhas de propriedade, fazer o censo doméstico... escrever seu diário. Fazer etnografia é como tentar ler (no sentido de “construir uma leitura de”) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado (GEERTZ, 1978, p. 20).

Para este autor há três características da descrição etnográfica: “ela é interpretativa; o que ela interpreta é o fluxo do discurso social e a interpretação envolvida consiste em tentar salvar o ‘dito’ num tal discurso da sua possibilidade de extinguir-se e fixá-lo em formas pesquisáveis” (GEERTZ, 1978, p. 31).

Ainda segundo este autor:

O objetivo é tirar grandes conclusões a partir de fatos pequenos, mas densamente entrelaçados, apoiar amplas afirmativas sobre o papel da cultura na construção da vida coletiva empenhando-as exatamente em especificações complexas... As formas da sociedade são substâncias da cultura (GEERTZ, 1978, p. 38-39).

Para Geertz (1978), a cultura são as teias de significados que o homem teceu e a análise delas, portanto seria uma ciência interpretativa à procura de significado. A cultura seria um documento de atuação, portanto pública, e pública porque seu significado também é público.

[...] a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível – isto é descritos com densidade... Compreender a cultura de um povo expõe a sua normalidade sem reduzir sua particularidade... Isso os torna acessíveis: colocá-los no quadro de suas próprias banalidades dissolve sua opacidade (GEERTZ, 1978, p. 24). No momento em que o pesquisador vai para o campo, há dois instrumentos de pesquisa importantes para a coleta de dados: as entrevistas abertas e em profundidade e a observação participante. A entrevista será abordada em um tópico específico. A etnografia implica uma pesquisa qualitativa, pode até incluir questionários, mas o fundamental é

observar e ouvir os investigados. De acordo com Isabel Travancas citada por Duarte e Barros (2005, p. 102):

O antropólogo não determina verdades, não aponta equívocos, não pergunta por que as coisas são diferentes. Ele ouve e procura entender quais são as verdades para aqueles “nativos”, quando e por que se enganam e muitas vezes se surpreende se perguntando por que as coisas na sua sociedade não são diferentes.

A observação participante implica que o pesquisador esteja atento ao seu papel no grupo. Ele irá observar e deve saber que também está sendo observado, e estar consciente de que o fato de estar presente pode alterar a rotina do grupo. De acordo com Cicília Peruzzo (2005), a observação participante consiste na inserção do pesquisador no ambiente natural do fenômeno que se deseja estudar e sua interação com a situação investigada.

A observação participante implica:

a) a presença constante do observador no ambiente investigado, para que ele possa ‘ver as coisas de dentro’;

b) o compartilhamento, pelo investigador, das atividades do grupo ou do contexto que está sendo estudado, de modo consistente e sistematizado – ou seja, ele se envolve nas atividades, além de co-vivenciar ‘interesses e fatos’;

c) a necessidade, segundo autores como Mead e Kluckhohn, de o pesquisador ‘assumir o papel do outro’ para poder atingir ‘o sentido de suas ações’ (HAGUETE, 1990, p. 63) (PERUZZO, citado por DUARTE; BARROS, 2005, p. 126).

Segundo a autora, é importante salientar os seguintes pontos a respeito do papel do pesquisador:

O pesquisador se insere no grupo pesquisado, participando de todas suas atividades, ou seja, ele acompanha e vive (com maior ou menor intensidade) a situação concreta que abriga o objeto de sua investigação. Porém, o investigador não “se confunde”, ou não se deixa passar por membro do grupo. Seu papel é de observador.

O pesquisador é autônomo. O “grupo”, ou qualquer elemento do ambiente, não interfere na pesquisa, no que se refere à formulação dos objetivos e nas demais fases do projeto, nem no tipo de informações registradas e nas interpretações dadas ao que foi observado (PERUZZO, citado por DUARTE; BARROS, 2005, p. 133-134). Peruzzo citado por Duarte e Barros (2005, p. 135) ressalta que este tipo de pesquisa teve origem na etnografia feita pelos antropólogos e que “na área da comunicação ela tem sido usada para analisar os fenômenos comunicacionais, principalmente dos processos de recepção de mensagens dos meios de comunicação de massa”. Isso corresponde à proposta da presente pesquisa, daí a escolha dessa técnica.

A investigação etnográfica realizada com a finalidade de observar comportamentos das pessoas em relação aos meios de comunicação pressupõe a inserção do pesquisador no ambiente investigado e em geral, objetiva observar como se processa a recepção das mensagens dos mass media, como elas são entendidas, decodificadas

e reelaboradas... A etnografia está mais preocupada com os elementos constitutivos do cotidiano que perpassam as relações das pessoas com a mídia na perspectiva da construção de significados a partir da exposição aos conteúdos do meio de comunicação, no universo da cultura (PERUZZO, citado por DUARTE; BARROS, 2005, p. 136).

Na observação etnográfica realizada no presente trabalho foram registrados os seguintes aspectos do cotidiano da família participante da investigação, tendo como parâmetro a pesquisa sobre telenovela realizada por Lopes, Borelli e Resende (2002): espacial: lugares funcionais da casa, bem como a distribuição de objetos; temporal: tempos de rotina familiar; e as práticas: atividades dos membros da família e, principalmente, como se dá a assistência da televisão e do programa Tempo Quente. É claro que o pesquisador não pôde ficar o tempo todo com a família. Portanto, a convivência se deu, na maior parte do tempo, nos horários de exibição do programa, das 13 às 14 horas e, às vezes, durante a tarde. A presença constante, por três meses, aos poucos, foi tornando o pesquisador “invisível”, possibilitando o surgimento de situações de interação com a família.