• Nenhum resultado encontrado

A metodologia do Mestre por Nani de João Pequeno

CAPÍTULO 4 MÚSICA, CULTURA E EDUCAÇÃO NA CAPOEIRA DE

4.1 Cultura musical e educação em Mestre João Pequeno de Pastinha

4.1.3 A metodologia do Mestre por Nani de João Pequeno

A neta de João Pequeno, Cristiane Santos Miranda, é uma das principais representantes do legado de Mestre João Pequeno. Não apenas pelo parentesco sanguíneo, mas também porque ela acompanhou o mestre em suas atividades desde criança, e quando ele estava em idade avançada, passou a acompanhá-lo em eventos e workshops de capoeira pelo Brasil e no exterior.

A partir dos 80 anos do mestre, em idade avançada, eu comecei a sentir necessidade de acompanhá-lo em atividades administrativas, como a direção do forte, em eventos, workshops, na qual convocavam os mestres, em decisões do forte que ele não podia estar, eu tinha que estar, as pessoas me chamavam, me designaram essa responsabilidade (SANTOS, 2016)

Além disso, desde pequena ela ensinava capoeira no bairro onde residia com o avõ, em Fazenda Coutos, subúrbio de Salvador, até fundar o Projeto ‘Pequenos de João’, descrito em capítulo anterior. Esta trajetória está registrada em sua monografia

João Pequeno de Pastinha e a volta que o mundo dá: formação em educação física a partir da roda de capoeira angola, trabalho de conclusão do curso de educação física da

Faculdade Social baiana, dedica um capítulo ao que ela chama de metodologia de Mestre João Pequeno.

Antigamente não se aprendia capoeira em academia, e de acordo com relatos de mestre antigos não se parava para treinar os movimentos, não se tinha treinos como hoje, onde se aprende no passo a passo, mais em compensação era obrigatório se ter um mestre para orientar o sujeito ou ao contrário não entrava nas rodas onde se chegava. Como não se tinha academia, se aprendia na roda. Mestre Barbosa reunia a turma e ia para a roda do mestre Cobrinha Verde onde acontecia todos os domingos, até que em uma dessas rodas o mestre conheceu o mestre Pastinha. (SANTOS, 2012, p. 31)

O trabalho tem como foco o aprendizado corporal da capoeira, porém, como a parte musical segue os mesmos procedimentos dos movimentos de corpo, ou seja, repetir (imitar) em séries o que é passado pelo mestre, pode-se transferir o que ela chama de metodologia do mestre também para o aprendizado musical.

A capoeira esteve presente em minha vida ainda criança. No inicio meu avô insistia para que meus irmãos o acompanhassem na capoeiragem e franqueava a mim a decisão para iniciar. No ano de 1995, com a inauguração de mais um Núcleo “Academia de João Pequeno de Pastinha – Centro Esportivo de Capoeira Angola”, presenciei uma aula e me senti intimada pelos berimbaus, atabaque, agogô e reco-reco, a participar da roda e nunca mais me desliguei da capoeira, encantada, praticava tudo que ele ensinava em horários extras. (…) Com um ano, o Mestre João Pequeno começou a me ensinar a ensinar outras pessoas a arte da capoeira angola, o espaço era a

nossa própria casa, atendendo a nossa comunidade. Iniciei o ensino com a sua orientação, comecei a viajar e ministrar cursos ao seu lado, procurando sempre corresponder ao exigente e amável mestre, vivendo momentos riquíssimos, não somente para a roda da capoeira como também para a roda da vida (SANTOS, 2012, p. 31)

O primeiro ponto da metodologia do mestre que ela destaca é a não

agressividade. Segundo Santos, o mestre teve a necessidade de criar sua forma e

métodos de ensino para um melhor desenvolvimento e compreensão do que ele quer ensinar, para passar seus ensinamentos, porém ele não acreditava no método agressivo para aprendizagem, no qual o mestre teria que ser rígido e duro com o aluno para um melhor desenvolvimento da prática. (SANTOS, 2012, p. 31)

Ela cita que João Pequeno deixa registrado em seu livro que a capoeira só tem nove golpes no qual se multiplicam: Aú, que você pode dar de vários tipos; Negativa golpe principal defensivo; Tem a negativa descida e tem a negativa do golpe que agente faz que vai dar e não dar; Rasteira alta e baixa; Meia lua de frente e de costa; Rabo de arraia; Cabeçada baixa e alta; Tesoura; Corta capim; Chapa de frente, de costa, de lado. Diz o mestre: “criei uma forma de treinamento com golpes de capoeira, combinado com mais alguns exercícios físicos que possibilitam qualquer pessoa, no prazo de três meses, estar apta para entrar na roda de capoeira” (SANTOS, 2012).

A neta analisa que com sua forma de ensinamento o mestre aproximava o aluno da prática, uma vivência natural com a capoeira, fazendo com que os movimentos se expressassem de forma livre, e que a compreensão da capoeira seja possuída de forma natural, sendo aprendida com o amadurecimento a cada dia, dentro da capoeira, sendo cada dia um aprendizado (SANTOS, 2012, p.32). Portanto, para fins de sistematização, o segundo ponto pode ser chamado de aula-vivência. Ela nota que durante a aula o momento é também de aprendizado para mestres e professores e todos têm que estar sempre abertos para novos desafios e amadurecimento.

Ele sempre nos mostrou que o grande desafio era dar conta de alunos com menos traquejo de movimento, isso nos fazia refletir sobre seu jeito de ensinar de maneira muito próxima ao aluno, a dedicação a todo o tipo de alunado que chegasse ao seu espaço. Por esse motivo ele criou seu método para que facilitasse para qualquer tipo de pessoa que quisesse ter conhecimento e praticar a capoeira Angola, sem diferenciação, se sentindo acolhido e tratado de forma igualitária dentro das aulas. Ele usava ainda a estratégia de aproximar os alunos mais avançados, durante aulas e rodas, dos alunos mais novos. Os mais experientes tinham que fazer o trabalho de movimentação com o iniciante deixando-o desenvolver-se naturalmente (SANTOS, 2012, p.32)

Santos afirma que, segundo o mestre, nas rodas o aluno desenvolve o que é praticado nos treinos, colocando em prática todos os movimentos, desenvolvendo o molejo de corpo e o amadurecimento dos alunos. Aí está o terceiro ponto: aula-roda. Ela aponta que na academia do mestre, João Pequeno cada aluno tem sua expressão de movimento dentro das movimentações criadas pelo do mestre.

Ele não criou um estilo, mais sim um método de aprendizagem e independência dos seus discípulos, No processo de ensinamento a partir dos mestres antigos, os alunos aprendem pela repetição que corresponde a uma característica da pedagogia africana; o mestre não precisa estar dando explicação, o aluno vai aprendendo à medida do possível, ele vai descobrir e redescobrindo, a partir do aprendizado integrado, as diversas linguagens estéticas tanto na dança, teatro e muitos outros. (SANTOS, 2012, p.33)

Segundo Nani, o Mestre João Pequeno sem a formação acadêmica elaborou uma metodologia de ensino para melhor transmitir os seus ensinamentos, fazendo com que o alunado não deixe de lado suas experiências adquiridas na sociedade, mas que todo esse conhecimento seja levado para dentro das aulas de capoeira angola e assim lapidado (SANTOS, 2012).

De acordo com a professora, a metodologia de seu avô pode contribuir para o crescimento pessoal e cidadão de uma pessoa, através da consciência do respeito ao outro, aos limites do outro:

(...) uma das questões é o cuidado com o outro, o respeito, a simplicidade, a importância da humanização do ser humano, saber que todos nós temos o limite, e gente precisa saber respeitar esse limite do outro, o espaço do outro, esse cuidado com o outro. Na metodologia de João Pequeno, ele criou uma metodologia, uma forma de dar aula, só que esta forma vai se adaptar em cada um, respeitando esse limite de cada um. Por exemplo, se eu estou numa sala de aula, eu tenho várias cabeças pensantes, de várias culturas, diferentes jeitos de olhar e de pensar, eu tenho que criar um método para administrar todo mundo, mas sabendo que este conhecimento que eu passar, vai se adequar de maneira diferente, tendo consciência que esta forma diferente sempre será positiva. É isso que o mestre tinha, na metodologia dele, ele tinha “que a capoeira chegue”, independente da dificuldade de cada um, de cognição, motora de expressividade (SANTOS, 2016)

Para ela, o mais importante é que o mestre valorizava a particularidade de cada aluno, por outro lado, é possível identificar os alunos de João Pequeno:

Você consegue identificar os alunos de João Pequeno, o jeito de gingar, mas o jeito de se movimentar, o jeito que vai dar o rabo de arraia, a malícia, não é a mesma coisa do mestre João Pequeno. Se vc vê o meu jeito, o jeito de Aranha, de Zoinho, de qualquer aluno, cada um tem seu jeito próprio. É igual uma receita de bolo, não comparando a capoeira com uma receita de bolo, mas vc pega a receita da sua mãe e seu bolo vai ficar diferente, vc tem que

dar o seu toque, e o mestre valorizava isso, em atender independente de quem fosse (SANTOS2016)

Para a professora, ainda falta respeito com a academia por parte das instuições públicas e com a história que foi processada neste espaço.

Falta respeito com a história. A partir do momento que há um respeito com a história, tudo acontece. Muitas vezes fazem as festas aqui no forte e botam o palco virado pra cá. Por que não faz um rodízio para esse palco girar pelas academias, ou para ficar de costas para o banheiro? Então acho uma falta de respeito, independente do mestre João Pequeno não estar aqui, ele não está mas ele deixou pessoas, que tem história e merecem respeito. Porque a capoeira tem feito o trabalho do poder público, muitos projetos sociais, a gente faz trabalhos sociais aqui até com adultos, o Mestre João Pequeno se foi, mas deixou um trabalho que continua, que se vive, que ainda é feito e respeitado pelo mundo todo, o mundo vem aqui, o mundo nos leva para o mundo todo. Isso aqui faz parte da história do Forte, o espaço de mestre Moraes faz parte da história, o mestre João pequeno faz parte da história, e este espaço faz parte da História. E o resto a gente consegue, com luta, com contribuições, quem quiser contribuir as portas estão abertas, podem vir contribuir, quem não quer, é só não atrapalhar, que já está acontecendo, não é que vai fazer, já está acontecendo. Porque projeto vai e antes de chegar aqui, detém, e depois se acaba, mas o trabalho aqui continua desde 1982 (SANTOS, 2016)

Nesta declaração, entendo que a professora refere-se aos inúmeros projetos que chegam “de cima”, isto é dos órgãos públicos que têm interesses turísticos e econômicos na capoeira, que promovem homenagens, porém não conseguem acompanhar e apoiar o andamento diário, as demandas de uma academia de capoeira.