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METODOLOGIA E ANÁLISE DOS RESULTADOS

No documento ICT IN EDUCATION (páginas 57-61)

Com o objetivo de analisar as contribuições de um jogo digital para a estimulação das funções executivas em 57 crianças na faixa etária de 8 a 12 anos em uma escola pública municipal em Salvador (BA), foi realizada uma pesquisa de base qualitativa que teve como premissa a escuta sensível (Barbier, 2002). Essa abordagem metodológica consiste em adotar posturas empáticas que escutam e valorizam os sujeitos implicados no processo de investigação, permitindo aprender com os outros, interagir com as distintas expertises e referências.

Os dados não são coletados, são produzidos com os sujeitos envolvidos na investigação, no caso aqui apresentado, as próprias crianças.

O projeto foi aprovado no comitê de ética da escola e, antes do início da investigação, foram realizadas reuniões com os professores e pais das crianças. Os pais e responsáveis, após os esclarecimentos sobre o processo de pesquisa, assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Posteriormente, nos reunimos com as crianças para que elas fossem orientadas sobre os procedimentos e verificassem se queriam participar da pesquisa. As crianças que desejaram participar assinaram o termo de assentimento.

A dinâmica da pesquisa consistiu na interação das crianças com o jogo, duas vezes por semana, sendo 30 minutos por dia, durante dois meses, utilizando o tablet. Os dispositivos investigativos utilizados foram a observação da interação das crianças com o Gamebook Guardiões da Floresta7 (GBF)e o registro do processo de interação e das dificuldades que surgiram durante as sessões. O GBF é uma mídia híbrida, criada pelo Centro de Pesquisa Comunidades Virtuais da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), com elementos de games e de AppBook, que têm o objetivo de estimular as funções executivas de crianças na faixa etária de 8 a 12 anos. A narrativa situa-se na Floresta Amazônica, tendo como personagens não jogáveis o Curupira, o Saci Pererê, a Iara, o Lobisomem, entre outros. O desafio do jogador é proteger a floresta do desmatamento.

Durante as sessões, percebemos que 67,8% das crianças sabiam ler e compreender a narrativa do game, atuando de forma autônoma na interação com o ambiente; 10,7% não sabiam ler, necessitando da ajuda das pesquisadoras e dos colegas constantemente; 21,4% liam com dificuldade, não compreendendo, às vezes, o que deveriam fazer. De maneira geral, as crianças também apresentaram desinteresse pela leitura, o que foi constatado durante os momentos em que era necessário ler as consignas para identificar os procedimentos que deveriam ser executados para alcançar os objetivos e avançar na narrativa e nos minigames.

Em tais momentos, foram necessárias intervenções para que as crianças pudessem avançar no jogo, já que não liam os tutoriais de ajuda e as “janelas” com as explicações sobre o que fazer nas missões. Foi preciso informar a 6 crianças como funcionavam os portais e a 18 crianças como funcionava o “vasculhar”, isto é, a ação de procurar e coletar dados.

Os desafios da Sumaúma foram considerados os mais complexos pelas crianças, devido à falta de clareza no jogo da proposta dessa missão: 20 crianças precisaram de ajuda porque não assimilaram que era necessário conquistar itens (colar indígena, máscara indígena e urucum sagrado) para concluir o desafio do Pajé, apesar de haver uma instrução do personagem pedindo

7 Mais informações no website. Recuperado em 10 maio, 2018, de http://comunidadesvirtuais.pro.br/guardioes-gamebook/

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o item. Desse total de crianças, 5 não entenderam como conseguir os itens, mesmo com a informação sobre isso disponibilizada no game. Outro aspecto observado foi que as crianças que fizeram o desafio do Pajé apresentaram dificuldade em identificar o passo seguinte, sendo necessário orientar que deveriam avançar três níveis. Algumas delas demonstraram cansaço ao chegar ao terceiro nível, verbalizando frases como: “Ele [o Pajé] quer outra coisa de novo?”.

Devido ao elevado número de crianças com dificuldade nesse desafio, concluímos que o nível de complexidade foi superior ao nível de compreensão das crianças envolvidas na pesquisa.

Verificou-se que as crianças da turma do terceiro e quarto anos “A” apresentaram melhor entendimento da narrativa em comparação às crianças do quarto ano “B”, as quais constituíram o primeiro grupo dessa pesquisa. Essa distinção é atribuída ao nível de entendimento do jogo, motivado pelas mudanças realizadas no GBF após o feedback desse primeiro grupo, o que revelou a falta de clareza na construção dessa parte da história. Assim, concluímos que todo percurso envolvendo um ambiente interativo, especialmente no caso do GBF, demanda atenção para os aspectos técnicos, principalmente com relação às idiossincrasias dos jogadores/leitores.

Com essa pesquisa, identificamos a importância de se criar na escola uma prática cotidiana para estimular os alunos a uma leitura mais imersiva, tendo em vista que 32,1% das crianças que participaram das sessões não sabiam ler ou apresentaram dificuldades para entender e atribuir significado à narrativa disponibilizada no GBF.

CONCLUSÃO

Os professores têm sido desafiados cada vez mais a participarem da cultura digital em que seus alunos estão imersos, apropriando-se de conhecimentos que lhes permitam desenvolver habilidades para uso dos dispositivos móveis nos espaços escolares, adquirindo competências para explorar distintos ambientes interativos nos processos de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, a escola tem relevante participação, por meio do investimento em infraestrutura e na formação continuada do seu quadro de professores, constituindo-se como locus fomentador de situações de aprendizagem mediadas por esses dispositivos e seus aplicativos, contribuindo assim para reduzir a barreira geracional que tem inibido e desmotivado os alunos nos processos de aprendizagem.

A apropriação dessa expertise pelos professores poderá contribuir para tornar os espaços de aprendizagem mais participativos e colaborativos, mobilizando o engajamento dos alunos como autores e atores protagonistas nos processos de ensinar e aprender, tornando-se, simultaneamente, consumidores e produtores de conteúdo, a partir de uma ressignificação de saberes.

Neste contexto, os jogos digitais, sejam eles comerciais ou voltados para cenários educacionais, participam como espaços para promoção de uma aprendizagem colateral, cujas interfaces se revelam ser ambientes não apenas de fruição e entretenimento, mas também espaços lúdicos e participativos para apropriação de conteúdos escolares, o que possibilita ao aluno ir além dos universos narrativos. Essa interação pode contribuir tanto para estimular funções executivas quanto para identificar o estágio de desenvolvimento cognitivo no qual o aluno se encontra, sinalizando ao professor como intervir para potencializar o processo de aprendizagem do estudante. A pesquisa realizada contribui nesse sentido, revelando as funções que precisariam

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ser acompanhadas mais de perto pelos professores, com intervenções pedagógicas para eliminação ou redução de déficits cognitivos que possam impedir ou dificultar os avanços dos alunos nos processos de aprendizagem. O estudo revela também a importância de se avaliar previamente se a proposta interativa do game ou aplicativo a ser utilizado nos processos de ensinar e aprender está alinhada com o perfil sociocultural e comportamental do aluno.

No caso desta pesquisa é possível que a proposta interativa do GBF não esteja totalmente alinhada aos interesses culturais e ao perfil hiperativo da faixa etária daqueles que participaram do estudo, tendo em vista a falta de motivação demonstrada para avançar em algumas fases do game. Isso também leva à conclusão de que o jogo precisa passar por novos ajustes que possam aproximá-lo mais do perfil dos sujeitos dessa faixa etária. Por outro lado, o game apresentou-se como uma narrativa apropriada para identificar funções executivas já consolidadas no desenvolvimento cognitivo desses sujeitos, como o controle inibitório e a memória, por exemplo, e outras que ainda precisam ser ampliadas, o que contribui para salientar a importância e a efetividade desses artefatos como instrumentos pedagógicos e, consequentemente, como promotores de processos de aprendizagem mais lúdicos, interativos e imersivos.

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