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conceituais, porém sem abandonar seus aspectos ideológicos, constitui um desafio para o educador que não se dá por vencido ao tomar consciência das manobras políticas que descaracterizam o sentido real da educação.

Pensando nisso, o ensino por meio dos contos de fadas não precisa se restringir aos aspectos linguísticos e gramaticais da nossa norma culta. Estes contos podem fornecer elementos capazes de levar as crianças a refletirem sobre as questões de gênero, tendo em vista que elas mesmas costumam manifestar suas inquietações quando a história lhes interessa. Inclusive, o trabalho pode ser desenvolvido interdisciplinarmente.

Enquanto diverte a criança, o conto de fadas esclarece sobre si mesma, e favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece significado em tantos níveis diferentes, e enriquece a existência da criança de tantos modos que nenhum livro pode fazer justiça à multidão e diversidade de contribuições que esses dão à vida da criança. (Bettelheim, 2004, p. 20).

Ao fazer menção a este aspecto, constata-se que o preparo pedagógico da/o docente incidirá diretamente na formação e construção da identidade da criança. Portanto, apreender uma nova forma de ensinar a explorar estes contos configura-se em uma medida de caráter emergencial, aliada a outros fatores. Como nos diz Terezinha Azerêdo Rios (2008) “Em toda ação docente, encontram-se uma dimensão técnica, uma dimensão política, uma dimensão estética e uma dimensão moral.” (p. 93). Portanto, ao aprendermos a articular essas dimensões harmoniosamente, desenvolvemos nossa competência enquanto professoras/es.

Libâneo (2009), em seu livro intitulado Didática Geral, define conteúdos como “... Conjunto de conhecimentos, habilidades, hábitos, modos valorativos e atitudinais de atuação social.” (p. 128). Diz ainda que devam ser aplicáveis na vida prática das/os alunas/os, ajustando os conhecimentos acumulados pela humanidade à nova realidade apresentada.

Neste sentido, a/o professor/a fica incumbida/o de gerenciar as situações de aprendizagem, conduzindo a aula para alcançar os objetivos pretendidos por ele.

Assim, se a intenção é desmistificar o uso dos contos de fadas como um recurso didático para alcançar determinados objetivos, a ideologia empregada pelas propostas das atividades, bem como a forma de encaminhá-las, também deverão ser repensadas.

A literatura que tem o poder de mudar não é aquela que se dirige diretamente ao leitor, dizendo-lhe como ele tem de ver o mundo e o que deverá fazer, não é aquela que lhe oferece uma imagem do mundo nem a que lhe dita como deve interpretar-se a si mesmo e às suas próprias ações; mas tampouco, é a que renuncia ao mundo e à vida dos homens e se dobra sobre si mesma. A função da literatura consiste em violentar e questionar a linguagem trivial e fossilizada, violentando e questionando, ao mesmo tempo, as convenções que nos dão o mundo como algo já pensado e já dito, como algo evidente, como algo que se nos impõe sem reflexão. (Larrosa, 2006, p 126).

Somando-se a isso, os conceitos sobre a sexualidade e questões de gênero como concebidos por esse profissional também constituem um fator crucial neste processo, de modo a torná-lo capaz de instaurar a conservação das desigualdades de gêneros ou conduzir para uma efetiva transformação voltada para a equidade. É válido lembrar que não se trata de

atribuir essa responsabilidade apenas às professor/a, mas é ela/e quem está em contato diário com as crianças e, portanto, assume um lugar de grande relevância.

Por esta razão, prestar atenção aos comportamentos e atitudes das crianças, além de conceder-lhes espaços de escuta, é de suma importância. Assim, o fazer pedagógico volta-se para quem se deve, a/o aluna/o, e o foco central da educação deixa de ser a/o professor/a, no sentido de detentor do saber, pois desmistifica-se esta concepção de ensino.

Tão ou mais importante do que escutar o que é dito sobre os sujeitos, parece ser perceber o não-dito sobre os sujeitos, aquilo que é silenciado – os sujeitos que não são, seja porque não podem ser associados aos atributos desejados, seja porque não podem existir por não poderem ser nomeados. (Louro, 1997, p. 67).

Desta maneira, os interditos se dissolvem e a sexualidade, bem como, as relações de gênero, passam a incorporar os demais assuntos das aulas, uma vez que deixam de ser tabu e de reproduzir o preconceito. Aliás, tanto se fala em despertar o interesse na/o aluna/o para que a aprendizagem seja prazerosa, mas pouco se faz neste sentido, pois o “prazer” é interpretado sob o ponto de vista do adulto, ou seja, ele está desvinculado da sexualidade. No entanto, Britzman (1998) explica que

Nossa sexualidade nos dá o tom da curiosidade, o desejo de aprender. Sem sexualidade não há curiosidade. A questão da sexualidade é central à questão de se tornar um cidadão, uma cidadã, de criar um eu capaz de defender-se, de sentir de forma apaixonada a situação dos outros, de criar uma vida a partir das experiências de aprender a amar e de fazer dessa aprendizagem do amar, o amor por aprender. (p. 156).

Portanto “O educador deve reconhecer como legítimo e lícito, por parte das crianças e jovens, a busca pelo prazer e as curiosidades manifestadas acerca da sexualidade, uma vez que fazem parte de seu processo de desenvolvimento” (PCN, 1997b, p. 84).

Outro reconhecimento necessário repousa sobre os objetivos traçados pela/o professor/a, pois mesmo quando se recusa a falar de sexualidade e das relações de gênero, o processo de ensino está acontecendo e uma posição diante do fato foi tomada, seja ela política e de liberdade ou punitiva e castradora. Conforme salienta Francisco Whitaker Ferreira (1983) ao se projetar na/o professor/a

... Estou permanentemente intervindo no meu contexto, querendo ou não. Sendo que “deixar de agir” é uma maneira de agir, porque a ausência de minha ação é um dado da evolução da realidade, na combinação das mil e uma forças e ações que determinam a sua evolução permanente... (p. 136).

E para que a sexualidade e as relações de gênero possam ser integradas ao processo de ensino e aprendizagem, necessita-se conhecer a realidade das crianças. Neste sentido, o mesmo autor frisa que “O difícil não é saber planejar, é conhecer o que se planeja.” (Ferreira, 1983, p. 58).

Porquanto, a literatura constitui-se como um instrumento mediador deste processo e, especialmente falando dos contos de fadas, a/o docente pode planejar dinâmicas que promovam a desconstrução dos estereótipos sexistas por meio de boas intervenções didáticas, que propiciem a reflexão coletiva, e ao mesmo tempo, a autorreflexão.

A diferença já não está entre literatura e comunicação, mas entre a literatura que comunica fazendo se manifestarem as imagens convencionais do mundo e a literatura que nos dá o mundo como algo já pensado, como um mero objeto de reconhecimento. A diferença essencial estaria entre duas formas de logos pedagógico: o que faz pensar e o eu transmite o já pensado, ambas as formas incluindo a literatura. (Larrosa, 2006, p. 127).

No livro de Cashdan (2000) constam algumas sugestões de adaptações metodológicas para trabalhar com os contos de fadas, visando suscitar discussões e redimensionar os contos para outras situações impensadas, inclusive em relação à rigidez dos papeis masculino e feminino. Além disto, estas situações devem ser planejadas antecipadamente e privilegiar diversos momentos durante o ano letivo, pois assim como sugere os PCN (1997b), é importante

... Que se eleja um (ou mais) momento(s) em que esse tema seja diretamente abordado, como trabalho planejado e sistematizado. Leitura e análise de notícias ou de obras literárias são boas formas de informar e promover discussões a respeito de valores e atitudes ligados à questão. (p. 100).

Finalizando, as oportunidades de diálogos criadas em sala de aula devem vir acompanhadas de uma proposta que atenda a diversidade humana, esta sim, a dimensão que precisa ser posta em questão, para que

... Homens e mulheres possam, em conjunto, de acordo com as necessidades de cada momento histórico, reavaliar os papeis sociais e viabilizar as mudanças destes papeis, com a preocupação sempre de conquistar o bem-estar, o crescimento pessoal e a felicidade de ambos, num ambiente onde nenhum sexo vale mais que o outro e onde todos – homens e mulheres – sejam merecedores de direitos iguais. (Figueiró, 1995, p. 103).

Abaixo, segue um texto de Ruth Rocha (1996), em que a autora propõe uma inversão de papeis para provocar o confronto de ideias no sentido de desmistificar preconceitos sexistas.

Pedro implicava com a irmã por ela querer fazer coisas de meninos tais quais jogar bola, subir em árvore; Joana implicava com o irmão por ele às vezes ter "atitudes femininas" como chorar por causa de um filme triste, ou ficar olhando-se no espelho. Os dois sofriam cobranças de atitudes correspondentes com seu sexo por parte de seus pais, como: "menina tem que ser delicada, boazinha..." ou "filho meu não foge! Volte pra lá agora e bata nele também. E vamos parar com essa choradeira! Homem não chora!"

Um dia, voltando da escola, passam por debaixo do arco-íris e mudam de sexo. E a situação se complica. Logo na esquina, Pedro, quer dizer, Pedra, que agora era menina, deu o maior chute numa tampinha que estava no chão.

- Vamos parar com isso?- disse Joano - Menina não faz essas coisas. - E eu sou menina?

- É, não é?

- Ah, mas eu não me sinto menina! Tenho vontade de chutar tampinha, de empinar papagaio, de pular sela...

- Ué, eu também tinha vontade de fazer tudo isso e você dizia que menina não podia- reclamou Joano.

- Mas é que todo mundo diz isso- disse Pedra- que menina não joga futebol, que lugar de mulher é dentro de casa...

- Pois é, agora agüenta! Não pode, não pode, não pode...

Pedra descobre também as vantagens de ser menina, como poder demonstrar seus medos, seus choros, sua vontade de ver novela... Porém a implicância entre os irmãos está cada vez maior, sem compreender tantas proibições... até que o arco- íris apareceu:

Joano e Pedra deram-se as mãos. E correram, juntos, em direção ao arco-íris. E finalmente perceberam que alguma coisa, novamente, tinha acontecido. Então riram, se abraçaram e começaram a voltar para casa. Então Joana viu uma tampinha na calçada. Correu e chutou a tampinha para Pedro. Pedro devolveu e os dois foram jogando tampinha até em casa.

5 METODOLOGIA

A escolha da metodologia adotada deve-se ao cruzamento entre o tema de pesquisa e os objetivos a serem alcançados. Por esta razão, entende-se que a abordagem qualitativa oferece fundamentos metodológicos adequados e coerentes com o propósito desta pesquisa e suas implicações para o campo educacional.

De acordo com Maria Cecília de Souza Minayo, Suely Ferreira Deslandes e Romeu Gomes (2012) é preciso situar a pesquisa qualitativa em seu escopo metodológico, evitando interpretações equivocadas quanto ao seu lugar no universo científico. Torná-la secundária é o mesmo que desconsiderar seus aspectos próprios que permitem trazer a luz do conhecimento um mundo invisível em suas peculiaridades. Maria Teresa de Assunção Freitas (2002) complementa ao ressaltar que “Nas ciências humanas, portanto, ao se trabalhar com a interpretação das estruturas simbólicas, faz-se necessário ir à infinitude dos sentidos simbólicos.” (p. 24).

John W. Creswell (2007), fundamentando-se em Neuman (2000), desvela que na década de oitenta e noventa, em oposição ao que existia em termos de métodos e teorias científicas, um grupo de pesquisadores se esmerou em trabalhos de autores como Marx, Marcuse, Adorno, dentre outros, para desenvolver novas técnicas científicas visando a inclusão de populações consideradas marginalizadas das descobertas metodológicas vigentes. Segundo o que se expunha na época

Esses pesquisadores acreditam que a investigação precisa ser entrelaçada com política e com uma agenda política. Assim, a pesquisa deve conter uma agenda de ação para reforma que possa mudar a vida dos participantes, as instituições nas quais as pessoas trabalham ou vivem e a vida do pesquisador. (Creswell, 2007, p. 27).

Diante desta nova postura junto à comunidade científica, passou-se a considerar o sujeito holisticamente, compondo o conjunto de significados correspondente à sua realidade. Assim, aspectos específicos da vida social que envolve questões relevantes, porém imperceptíveis a olho nu, ganharam notoriedade e também um tratamento adequado.

A aproximação com os sujeitos da pesquisa permite ao pesquisador sensibilizar-se com a experiência investigada, porém, mantendo a imparcialidade em relação aos resultados obtidos. Antonio Chizzotti (2013) também contribui com suas considerações ao expor que “O termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem

objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível.” (p. 28).

Dar voz às/aos participantes implica em considerá-las/os em sua subjetividade, quase sempre ocultada em virtude das circunstâncias e do pragmatismo que nos são impostos diariamente.

Diante desta invisibilidade produzida nas relações sociais e humanas, a pesquisa qualitativa

... Trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano não se distingue só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes. (Minayo, 2012, p. 21).

Marli André (1995) defende a adoção dos elementos que englobam as interações entre os sujeitos em sua totalidade. Sua preocupação com os rumos das pesquisas mais recentes, particularmente àquelas que se restringem ao universo escolar, consiste no intercruzamento dos fatores extra-escolares com os intra-escolares e suas consequências sentidas no desempenho das/os alunas/os. A autora acredita que o tratamento genérico comumente dado a estas questões tem se convertido em preocupações cada vez mais reais e localizadas em campos específicos. Neste sentido, Freitas (2002) endossa que

Os estudos qualitativos com o olhar da perspectiva sócio-histórica, ao valorizar os aspectos descritivos e as percepções pessoais, devem focalizar o particular como instância da totalidade social, procurando compreender os sujeitos envolvidos e, por seu intermédio, compreender também o contexto. (p. 26).

No intuito de viabilizar a obtenção dos dados a serem analisados por meio desta perspectiva, existiu também uma preocupação com os procedimentos técnicos e com os instrumentos a serem utilizados. Para tanto, a articulação destes elementos com a teoria se faz indispensável e de suma importância.

Enquanto abrangência de concepções teóricas de abordagem, a teoria e a metodologia caminham juntas, intrincavelmente inseparáveis. Enquanto conjunto de técnicas, a metodologia deve dispor de um instrumental claro, coerente, elaborado, capaz de caminhar os impasses teóricos para o desafio da prática. (Minayo, 2012, p. 16).

Neste sentido, a intenção da pesquisa centrou-se em desvelar parte de um universo absorvido pela racionalidade, embora também seja constituído pela subjetividade, porém, quase sempre subjugada em função do nível de exigências por um mundo cada vez mais competitivo.

E mesmo partindo deste pressuposto, a análise dos resultados não possui a pretensão de convertê-los em verdades, mas sim em propiciar um repensar sobre um contexto que está em constante movimento e atravessado por relações intersubjetivas.

Todas as ações para uma legítima pesquisa científica precisam conversar entre si e estarem amparadas por uma fundamentação teórica que explicite o fenômeno a ser estudado.