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2 VEM CHEGANDO A FORÇA DA FLORESTA

2.1 Metodologia: História Oral e Memória

Para Eliade (2008) o homem toma conhecimento do sagrado porque esse se manifesta, a esse ato de manifestação do sagrado propõe o termo “hierofania” – algo de sagrado se nos revela. Neste sentido, tanto as mais primitivas quanto as ditas mais elaboradas expressões religiosas são constituídas por um numero considerável de hierofanias, manifestações das realidades sagradas. Desse modona vivência da experiência religiosa, toda a natureza é suscetível de revelar-se como sacralidade cósmica. O cosmos, na sua totalidade, pode tornar-se uma hierofania. O sagrado equivale ao “poder”, a realidade por excelência.

Colocamos em pauta questões a serem pesquisadas aqui: como está se processando a composição dos quadros de adeptos/fardados40? Quais as relações que o Santo Daime estabelece com outras denominações religiosas dentro do campo religioso paraibano? Como os indivíduos percebem sua conexão com o sagrado no contexto daimista paraibano? Quais elementos ou símbolos ligam a essa sacralidade no interior desse rito?

Sensível ao espaço onde o Santo Daime veio declarar oficialmente presença no Nordeste: o Encontro da Nova Consciência em Campina Grande no ano de 1993, situamos este culto de origem afro amazônica no campo da religiosidade popular da Paraíba, bem localizado nos chamados novos movimentos religiosos. Leila Amaral (2000) fez esse evento ficar conhecido no título de sua obra “O Carnaval da Alma: comunidade, essência e sincretismo na Nova Era”.

40 Que usam as fardas (roupas padronizadas) que caracterizam nos rituais os seguidores ligados formalmente a

Para esse estudo, nossa principal fonte de pesquisa são os sujeitos do campo em questão, suas histórias, lembranças, memórias e narrativas. Seguimos assim pelo viés da história oral41, valorizando a historia de vida desses atores. Meihy e Ribeiro afirmam:

História Oral de vida é gênero bastante cultivado e com crescente público. Trata-se de narrativa com aspiração de longo curso – daí o nome “vida” – e versa sobre aspectos continuados da experiência de pessoas. Trata de um tipo de narração com começo, meio e fim, em que os momentos extremos – origem e atualidade –tendem a ganhar lógica explicativa. Nessa linha, desde logo, a possibilidade condutiva do narrador merece cuidados a fim de gerar liberdade na autoconstrução do colaborador. (MEIHY e RIBEIRO, 2011 p. 82)

Como instrumento de coleta, optamos pela entrevista com roteiro semi-estruturado e andamento livre, e os registros gravados em mídias de áudio e audiovisual, tanto dos depoimentos quanto dos rituais e demais atividades observadas e vivenciadas durante a pesquisa. Segundo Meihy e Ribeiro (2011) há três situações em relação ao uso de entrevistas em história Oral, são elas: história oral instrumental, história oral plena e história oral híbrida. Explicam os autores:

Entende-se por história oral instrumental a modalidade que serve de apoio. O segundo caso, história oral plena, se estabelece na medida em que o processo é previsto pelo projeto norteador da pesquisa e pela análise de entrevistas, considerando apenas as narrativas. Em história oral híbrida, além das análises das entrevistas, supõe-se o cruzamento documental, ou seja, um trabalho de maior abrangência. (MEIHY e RIBEIRO, 2011, p. 15)

Para a presente pesquisa optamos, não ao acaso, mas pelas configurações do próprio campo, pela história oral plena. Como não temos, nas fontes de pesquisa bibliográfica documentos específicos sobre o campo, essa modalidade da História Oral consegue dar conta do nosso objetivo, já que no caso da história oral plena não é preciso se valer de cruzamentos com outros documentos que não sejam as entrevistas. Vejamos o esclarecimento dos autores sobre essa modalidade de história oral:

A história oral plena, também conhecida como história oral pura, por sua vez, é mais completa, entende a elaboração e análise das entrevistas. A história oral plena se realiza em si, isto é, depois de elaboradas as entrevistas, trançam-se análises de várias pessoas contidas em um mesmo projeto, ou seja, na combinação das narrativas formuladas pelas entrevistas que lhes garante em si autonomia e consistência analíticas. Mais do que história oral instrumental que apenas procede aos registros, a história oral plena exercita a análise fazendo as entrevistas dialogarem. Fala-se, pois de

41 História oral é um conjunto de procedimentos que iniciam com a elaboração de um projeto e que continua com

autonomia documental das entrevistas que se relacionam favorecendo debates internos. (MEIHY e RIBEIRO, 2011, p. 16)

A análise dessas falas, dos silêncios, das emoções e expressões, em busca de entender como vem se formando o povo daimista na Paraíba visam contribuir com a construção da memória da entrada dessa religião no Nordeste. Considerada como uma religião “genuinamente brasileira”, este culto, nascido na Floresta Amazônica, abriga em seu cosmos, desde sua fundação, marcantes influencias nordestinas.

Deste modo, com registro gravado das entrevistas, passagem do oral para o escrito, atenta as normas metodológicas em questão e análise, sugerimos, a localização e conservação da memória dessa tradição religiosa. Nesse intuito, buscaremos compreender o Santo Daime à luz das discussões atuais sobre as transformações e novas configurações do contexto e do campo religioso brasileiro e paraibano inseridos na Nova Era ou New Age. Sobre o movimento New Age consideramos a visão de Klaus Hock:

o New Age não representa exclusivamente um conglomerado de fenômenos díspares que seriam reunidos ao bel prazer sob a grife moderna New Age. É mais correto perceber que se escondem por trás desse termo oscilante tradições exotéricas baseadas no princípio da holística como denominador comum. Esse “holismo”, que está profundamente enraizado em antigas tradições filosóficas e cujas raízes remontam à hermética da Antiguidade, possivelmente explique porque o moderno movimento Nem Age sentiu uma afinidade tão forte com a física teórica e porque o Tao da física (F. Capra) se torna a máxima da conduta de vida individual: a vida humana e todo o “cosmo”(grego: ordem), espírito e matéria formam uma grande união que precisa ser mantida em harmonia. (HOCK, 2010, p. 234)

A Nova Era é um movimento que se originou com a revolução cultural nos EUA e Europa na década de 60. Nessa nova concepção, a práxis religiosa só ganha força um pouco mais tarde no Brasil, após o processo de abertura política na década de 80. Silas Guerriero afirma que essa nova concepção de vivenciar a espiritualidade abriga uma ampla variedade de práticas, produtos e serviços advindos das mais diferentes tradições. E afirma:

Entender a Nova Era como expressão religiosa de uma pós-modernidade, é deixar de lado possibilidades de análises das raízes mais profundas da formação do campo religioso, além de negar, apressadamente, que a modernidade ainda avança, resgatando elementos passados compondo-os com novas roupagens e símbolos dos tempos atuais. A sociedade brasileira modernizou-se sem desencantar-se, mas isso não evitou a secularização. (...) Continua vivendo num mundo encantado. A Nova Era é apenas mais uma possibilidade de vivência desse mundo encantado, carregado de forças invisíveis (chamadas de energias) e de manipulações mágicas. (GUERRIERO, 2003, p. 136)

Os novos modos de vivenciar a espiritualidade na pós-modernidade nessa concepção, a Nova Era, não é um dos diferentes caminhos para se chegar a um mesmo Deus, nem, tampouco, uma religião singular, diferente de todas as demais, própria do atual momento social. Trata-se de inúmeras manifestações de religiosidades diversas, aglutinadas sobre o teto de algumas características comuns, tornando cada vez mais rico e complexo o diverso campo religioso brasileiro.

Os Novos Movimentos Religiosos passam por assimilações características da religiosidade popular afro-indígena brasileira, como o transe, a incorporação e a presença de caboclos e pretos velhos; assim elementos pertencentes a tradições locais são reavivados no contexto da Nova Era. Também estão presentes elementos cristãos do catolicismo popular e do espiritismo, além das marcantes linhas exotéricas como a Rosa Cruz, da qual o Santo Daime herdou o código impresso em lugares de visões estratégicas nos templos daimistas: harmonia, amor, verdade e justiça. Linhas Orientais deixam de ser só influências ou referências e tomam formas, associadas ao Daime, e já contam com adeptos seguidores de figuras carismáticas especificando assim outros segmentos ou vertentes numa mesma tradição que abarca múltiplos sentidos como braços de um mesmo Ser.