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1.4. Outras Religiões Ayahuasqueiras

1.4.3 Novos movimentos da Ayahuasca

O Santo Daime junto à Barquinha e à União do Vegetal (UDV), mais os novos grupos que fazem uso da ayahuasca, formam o quadro das religiões ayahusqueiras. Interessante notar que mesmo o uso da ayahuasca existindo entre vários povos das Américas, o fenômeno do

surgimento de religiões instituídas ocorreu apenas no Brasil. A partir dessas religiões ou da mesma raiz de onde elas surgem, ou ainda uma junção entre elementos dessas religiões, surgem os novos movimentos da ayahuasca. Além de linhas surgidas a partir de alianças, como já citamos a Umbandaime e outros grupos de linhas Orientais, como os seguidores do Prem Baba;guru nascido no Brasil e antigo fardado do Santo Daime que levou a ayahuasca para a Índia, e arrebanhou muitos adeptos nas suas práticas de mantra associadas ao uso da ayahuasca, há outros tantos movimentos que não cabe citar, no espaço e condições de produção desse texto.

Contudo registramos, enquanto observações no campo de estudos a que nos dedicamos, comentários pontuais sobre novos movimentos que usam a ayahuasca, funcionando como uma investida inicial de contribuição a esses estudos. Vejamos:

New Xamanismo ou Xamanismo urbano ayahuasqueiro

Cerimônias Xamânicas com o uso da ayahuasca e outras plantas de poder acontecem todos os anos na Paraíba enquanto atividade prevista na programação do Encontro da Nova Consciência há um bom tempo, não configurando assim uma novidade neste campo. A tradição dos Índios Yawanawa, povo ayahuasqueiro que passou com sua tribo por aqui e deixou simpatizantes é outro exemplo. Daí e mesmo de outras nascentes tem surgido “new xamãs” e as práticas do “new xamanismo” vem se estabelecendo como uma nova tendência no campo da oferta religiosa; situados enfatizo, na parcela da população que de variadas formas ou por diferentes caminhos se interessam por plantas de poder. Interessante notarmos que essas Cerimônias Xamânicas são anunciadas e as inscrições abertas através das redes sociais da internet. Elas tem despertado interesse, onde antes não era visível, ou existia em menor proporção: entre jovens vindos de diferentes contextos socioculturais.

O que chama atenção é que esse movimento tem transfigurado a paisagem daimista na Paraíba, e mesmo nos Estados vizinhos a que temos registro: Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará. Isso acontece devido o compartilhamento do público por contar com a participação de pessoas comuns ao culto do Santo Daime, mesmo não sendo seguidores formais desse culto. Nessas cerimônias, são usadas ritualmente a ayahuasca, além de outras “medicinas da floresta”, como o tabaco e o rapé37. São entoados cânticos, hinos do Santo

37 Preparação para inalar, a base de tabaco e acrescida de outras plantas, usado por diferentes povos indígenas do

Daime e ícaros38. Também se trabalha com a medicina dos animais de poder39. Englobando assim variadas práticas de tradições indígenas, culturais e religiosas. Essa observação se torna válida aqui, tendo em vista, essa estar sendo uma porta de entrada, principalmente para o público jovem, no contato com tradições ayahuasqueiras, despertando, a partir dessa experiência com as tradições do Xamanismo uma nova demanda de buscadores, ligada por laços estreitos; as medicinas da floresta e suas tradições, adornadas pela performance “new”, a se reaproximarem das igrejas daimistas da região.

Canto do Uirapurú

Nas matas da Paraíba soa um canto novo, que consideramos como um novo momento religioso, trata-se de uma chácara próxima a zona urbana de João Pessoa. Na primeira visita, acontecia uma palestra ministrada por um médium incorporado, neste caso, por um mentor espiritual ouvido por uma assistência em que grande parte, advinda de um grupo de antigo Centro Espírita Kardecista. Num dado momento, onde se propunha reflexão e atenção, o grupo musica do local executou um hino do Santo Daime e, depois, outro. Na segunda ou terceira visita o espaço de reuniões havia sido transferido para uma construção bem maior. A pesquisadora que aqui descreve, enquanto participante, não pode deixar de observar o formato circular e a amplidão do interior do espaço e exclamar: imagina um bailado do Santo Daime aqui! Nesse dia a sessão, como é chamada, seguiu com a palestra e, ao final, além de cantar os hinos do Santo Daime, formou-se uma espécie de bailado (ao redor da parte central e sem separação entre homens e mulheres), levado pelo som das “maracas”, em analogia aos maracás do Santo Daime. Em conversa posterior com um participante, tivemos a informação de que aquele tinha sido o primeiro bailado. Seguindo na observação e na investigação, chegamos ao ponto do uso da ayahuasca, que neste contexto transfigura-se nas representações de Daime, Vegetal e Chá.

Nossa experiência com a literatura sobre práticas e crenças das religiões ayahuasqueiras permitiu identificamos, no grupo chamado “Canto do Uirapurú” elementos da União do Vegetal (UDV), como a categoria que Labate e Pacheco (2009), vão chamar de “uma verdadeira economia das palavras”, um estudo que promove a consciência do sentido das palavras usuais na UDV e mesmo expressões nativas dessa religião como “passar na

38 Cânticos inspirados pelo uso da ayahuasca.

39 Típico da tradição xamânica. Cada pessoa tem um animal de poder, ou pode evocar a força ou as

peneira”, num sentido de instigar a análise e a capacidade de discernimento as questões apresentadas. Esses aspectos estão associados a práticas rituais daimistas, como já citamos, a exemplo dos hinos e a aproximação do bailado.

A força de composição desse movimento, no nosso entendimento, está expressa em seus rituais e se faz possível pela presença de atores desses grupos aqui citados: Santo Daime e UDV. Interessante notar que a inserção de elementos do Santo Daime, que começou de forma tímida, numa média temporal de dois anos, tomou proporções as quais posso acrescentar, um espaço de estudos espirituais que não uma igreja daimista, mas que recorrentemente nas falas e práticas “levanta a bandeira do Santo Daime”: O que começou com a execução de um ou dois hinos por sessão, como fundo para uma reflexão, já se transformou na execução de hinários inteiros ou longa seleção de hinos. Para tanto, contam com um grupo musical empenhado batizado de “Estrela”, no qual, por vezes, participam daimistas, que se divide na apreensão do universo musical dos hinos do Daime e pontos da Umbanda.

O uso do daime (a bebida) ou vegetal que, inicialmente, era usado somente por poucas pessoas advindas dos cultos ayahuasqueiros, após um período de esclarecimentos mesmo nas palestras, já é consumido por um número considerável de pessoas. No “Canto” também estão presentes entidades como índios, caboclos e pretos velhos que trabalham ao lado de mentores espirituais e médicos do espiritual, realizando cirurgias espirituais. Pessoas do Canto vêm formando,, a cada dia, o quadro de visitantes de uma igreja do Santo Daime de João Pessoa: o Céu do Amanhecer, principal grupo daimista com os quais cultivam laços de amizade e trocas, e também já registramos visitas ao Céu da Campina. Esses religiosos, seguidores da “doutrina da floresta”, lá tratados de modo especial, já foram homenageados, o que não é comum para os seguidores do Santo Daime. Pelo menos na Paraíba, o fato de serem referência e até alvo de homenagens, na presença de centenas de pessoas, é sem dúvida inovador para os daimista. Por fim registramos que no mês de junho de 2014 foi realizado o primeiro Trabalho do Santo Daime no Canto do Uirapurú. A convite do corpo de dirigentes e a nível de apresentação. Participaram desse trabalho uma média de 15 daimistas, contando com componentes de três das quatro igrejas da Paraíba, duas já citadas acima , e representante do Céu da Flor da Nova Era, todos fardados vestindo suas fardas azuis. Na ocasião foi feito trabalho de concentração, acrescido de seleção alguns dos principais hinários do Santo Daime, e ao final foi apresentado o bailado. Do canto do Uirapurú, esteve presente uma média de 70 pessoas, todas vestindo braço.

A religiosidade inspirada pela ayahuasca, em seus vários nomes, nas circulares do tempo, alça voos cada vez mais altos e mergulhos interiores mais profundos; nas asas de um canal enteógeno, contando com o potencial de sua visão do alto, nasce o novo, resgatando e revestindo heranças antigas, que nunca ficam velhas.