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Metodologia participativa com crianças

Esta pesquisa baseia-se na concepção de criança como sujeito ativo, interlocutor relevante em seu contexto social e cultural, capaz de expressar sua opinião e de produzir conteúdos sobre si, sobre a sociedade e a cultura. Ao delinearmos como aporte deste estudo a criança como esse sujeito, assumimos o desafio de desenhar uma metodologia que exige a capacidade de entender o universo infantil por meio das diversas linguagens (aqui, analisaremos a fotográfica), seus mundos sociais e culturais.

Acreditamos que as crianças criam suas culturas com base na participação em contextos em que se encontram inseridas – o “mundo maior”, a cultura mais ampla –, o que significa que “o mundo da percepção infantil está marcado, por toda parte, pelos vestígios da geração mais velha, com os quais a criança se defronta” (BENJAMIN, 2009, p. 96), mas também que, embora estejam em relação direta com a cultura adulta, elaboram uma forma de relação com o mundo que lhes é própria, criada a partir do lugar único que ocupam.

Pereira (2012a, p. 27) aponta que esse conjunto de experiências infantis é um misto de inserção cultural e singularidade, no qual as crianças criam um mundo próprio com as informações que são garimpadas do mundo em que estão inseridas, e esse “pequeno mundo dá a conhecer a forma ativa e genuína como as crianças percebem e recriam a cultura, a política, a economia, a educação”.

Esse argumento de que crianças “rodeadas por um mundo de gigantes” criam um mundo próprio articula-se com as discussões de Sarmento (2004, 2007, 2011), Corsaro (2002, 2009, 2011), Kramer (2000), Pereira (2012a, 2012b, 2012c, 2013), Pereira e Santos (2008), bem como Pereira, Santos e Lopes (2015), entre outros

autores com os quais dialogamos, que as apresentam como sujeitos sociais envolvidos na complexidade de seu tempo, como meninos e meninas que participam, compartilham e criam culturas. Perspectiva que nos leva a pensar que, ao conhecer as imagens compartilhadas pelas crianças no Instagram, estaremos também diante do modo singular como estas percebem, registram e compartilham suas infâncias. Dessa forma, faz-se necessário considerar novas formas de investigação, dentre elas, nesta pesquisa, as metodologias participativas com crianças.

Ainda que a sociedade tenha vivido uma série de mudanças nos âmbitos sociais, culturais e na própria produção de teorias sobre as crianças (principalmente nas últimas décadas), a ausência de sua participação em pesquisas (DELGADO, MULLER, 2005; SOARES, 2007; PEREIRA, 2014; BECKER, 2016, entre outros) permanece sendo reforçada, principalmente em decorrência da maneira como ainda são representadas em estudos que pouco sabem sobre o universo infantil, porque raramente ouvem, veem e perguntam às crianças, como afirma Quinteiro (2009).

As metodologias participativas com crianças colocam em debate “o lugar social ocupado por pesquisadores e crianças na produção socializada de conhecimento e de linguagem” (PEREIRA, 2012b, p. 63) e propõem a construção de “lugares de alteridade” ao longo de todo o processo de pesquisa entre adultos e crianças. Mais do que pesquisar crianças ou estabelecer um diálogo com elas na pesquisa empírica, foi preciso construir juntos (pesquisadora/crianças) exercícios de interação e formas de negociação durante a investigação. Logo, na perspectiva em questão, Souza e Castro (2008, p. 53) chamam a atenção para o lugar desses sujeitos na pesquisa:

Na medida em que a criança não é vista apenas como um objeto a ser conhecido, mas como um sujeito com um saber que deve ser reconhecido e legitimado, a relação que se estabelece com ela, no contexto da pesquisa, começa a ser orientada e organizada a partir dessa visão.

Essa compreensão, assim formulada, requer um desenho metodológico que se propõe a pesquisar com a criança, partindo das “experiências sociais e culturais que ela compartilha com as outras pessoas de seu ambiente, colocando-a como parceira do adulto-pesquisador”, ao invés de pesquisar a criança como objeto a ser observado e conhecido (SOUZA; CASTRO, 2008, p. 53).

A perspectiva deste estudo se encontra, portanto, filiada às metodologias participativas que têm como princípio a participação das crianças na pesquisa. Esses meninos e meninas assumem o lugar de sujeitos legítimos das investigações sobre a infância e, além disso, são concebidos como parceiras competentes na produção de conhecimento. E mais, essas metodologias estão pautadas no reconhecimento e na defesa dos direitos de participação das crianças, tais como preconizados pela Convenção dos Direitos das Crianças – CDC (BRASIL, 1990a) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990b).

Nessa perspectiva, a adoção de metodologias participativas é fundamental no exercício da cidadania de meninos e meninas. De acordo com Soares (2005, p. 142), “a consideração dos olhares das crianças acerca dos seus mundos sociais e culturais, a partir do seu próprio campo e através das suas vozes”, é uma das estratégias mais adequadas para se consolidar o discurso da cidadania infantil.

Vale ressaltar também que essa estratégia vai além de ser apenas uma escolha metodológica, visto que está relacionada a uma opção política que sai de uma perspectiva centrada no adulto para uma centrada na criança, como alerta Bichara (2016).

Nesse aspecto, as contribuições podem “romper” com o processo adultocêntrico que marca fortemente os estudos sobre crianças, pois, sob essa perspectiva, as crianças apresentam o universo infantil, caracterizam seus espaços e suas culturas. Para isso, cabe a nós, pesquisadores, assumir o compromisso com as contribuições das diferentes crianças e infâncias, bem como ouvi-las e reconhecê-las em suas opiniões e culturas.

É, desse modo, uma metodologia que mobiliza a redefinição do papel e das identidades dos pesquisadores. Para Delgado e Muller (2005, p. 3), a busca por essas metodologias exige o “enfrentamento de nosso etnocentrismo com relação aos grupos infantis”. Para isso, é preciso reconhecer as “culturas infantis como um modo específico de interpretação e representação do mundo”, como também a importância da participação das crianças no processo de pesquisa e, principalmente, na produção teórica sobre as infâncias. Martins Filho e Barbosa (2010, p. 14) descrevem que,

ao contrário do que se pensa, mesmo estando diante de um movimento de pesquisas que inclui as crianças como sujeitos participantes do processo metodológico, o desenvolvimento de metodologias e procedimentos de pesquisa com crianças ainda é um campo incipiente. Isso pelo fato de que

nós, adultos, necessitamos abrir mão de muito do que tradicionalmente afirmamos sobre os grupos infantis.

Além de superar visões bem tradicionais sobre a infância, também é preciso considerar a complexidade de indicadores de participação nas investigações: a natureza e as questões levantadas, as especificidades dos fenômenos estudados, a diversidade dos participantes, seja em termos sociais, econômicos, culturais, etários ou de gêneros, leva-nos a reconhecer que a participação não se dá de maneira homogênea, e que as crianças podem participar de distintas formas.

Ao estudar a atuação das crianças em pesquisas que adotam essas metodologias, Soares (2005, 2006) identificou “formas de participação”. A autora descreve três possíveis graus de participação das crianças nas investigações: o da mobilização, o da parceria e o do protagonismo, todos apresentados no quadro a seguir.

Quadro 1 - Metodologias participativas com crianças

Mobilização

Um processo iniciado pelo adulto. A criança é convidada a participar das escolhas relativas aos timings, à organização do processo e ainda, mesmo que de forma reduzida, da escolha dos temas da investigação.

Parceria

Um processo em que o envolvimento da criança se dá desde o início, no planejamento da investigação. O delineamento é desenvolvido entre crianças e adultos, a partir de decisões tomadas em conjunto sobre os aspectos que envolvem a pesquisa.

Protagonismo

Um processo que depende exclusivamente da ação das crianças, quer seja na definição dos objetivos, no delineamento da investigação, de suas etapas e dos recursos utilizados. O adulto é encarado como um consultor disponível e presente.

Fonte: Adaptado de Soares (2006).

Nas possibilidades apresentadas pela autora, há diferentes formas de participação das crianças, seja como convidadas, parceiras, seja ainda, como protagonistas no delineamento da investigação. Entendemos que, em cada um dos modelos apresentados, há o esforço de recuperar as vozes das crianças silenciadas nos métodos tradicionais de pesquisa, que invocam sua incapacidade, incompetência e dependência dos adultos. (BECKER, 2016).

Essas perspectivas, embora sinalizem modelos evolutivos da presença, dos processos compartilhados e da autonomia das crianças nas investigações, também revelam, em nosso entendimento, que a natureza, as especificidades e os objetivos, entre outros elementos de cada estudo, podem engendrar a construção de modelos distintos de participação de meninos e meninas.

Haja vista o contexto e os sujeitos deste estudo, nossa investigação corroborou o enfoque da parceria, ao considerar que: a) as crianças tiveram acesso às informações da pesquisa e da pesquisadora, bem como questionaram sobre as informações, antes mesmo da obtenção do seu assentimento e do consentimento dos seus responsáveis; b) o desenho da investigação só tomou forma a partir do contato com as crianças, que sinalizaram, em suas narrativas e nos diálogos estabelecidos, caminhos a seguir, procedimentos apropriados e categorias teóricas; c) as “vozes” das crianças estiveram presentes nas múltiplas linguagens – oral, escrita e imagética –, todas foram fundamentais para se construir um processo de comunicação com os sujeitos; e d) o grupo de crianças participou do processo de produção de conhecimento sobre o fenômeno, com voz e opinião acerca deste.

Por fim, considerando todos os aspectos supramencionados, esta pesquisa ganhou o seguinte desenho:

Figura 1 - Desenho da pesquisa

Fonte: elaboração própria.