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24. Correlação entre os níveis espaciais e renda domiciliar

1.3 METODOLOGIA DA PESQUISA

O bairro do Pero Vaz é o local onde se concentraram nossos procedimentos de campo, porém, a problemática da pesquisa envolve também outros níveis do espaço social. Além disso, há ainda a complexidade temporal do objeto da pesquisa, sua história, que se entrecruza com espacial, produzindo “camadas” fenomênicas que não são discerníveis sem a construção de uma estratégia de pesquisa. Logo, o que procuramos elaborar foi um conjunto de procedimentos metodológicos os quais nos movimentaram da teoria (abstração) em direção ao real (empírico).

Com efeito, passamos a considerar metodologicamente nosso objeto a partir de uma dupla complexidade fenomênica – a vertical e a horizontal, tal como assim propôs Léfèbvre apud Martins (1981). Para os termos dessa pesquisa, a complexidade vertical se refere às estruturas de reprodução social capitalista e o movimento (processo) que as fez produzir espaços periféricos destinados a uma ampla parcela da classe trabalhadora. Por outro lado, consideramos complexidade horizontal as formas e práticas de reprodução social que coexistem simultaneamente e são

57 apropriadas pelos moradores do bairro do Pero Vaz. Trata-se, portanto, de trabalharmos com dois “recortes” espaço-temporais.

Para tratar o objeto da maneira acima descrita foi necessário a elaboração dos seguintes procedimentos metodológicos:

- 1º procedimento: investigação da complexidade vertical. Aqui partimos de um quadro de referência, quer seja, o da formação social e da cidade. Na realidade, buscamos delinear o processo que relacionou a produção do espaço soteropolitano à reprodução social capitalista moderna.

O recurso a diferentes fontes de informação foi essencial à investigação dessa complexidade. Fontes como documentos (jornais, mapas), dados dos censos demográficos do IBGE, além de uma mais ampla possível produção acadêmica (dissertações e teses) comporam a base desse primeiro procedimento metodológico.

- 2º procedimento: investigação da complexidade horizontal. Este se subdivide em dois grandes conjuntos: um de base documental e bibliográfica e outro de campo.

Na base documental estão os artigos e demais registros de formação do bairro publicados em edições diárias de jornais de circulação da época. Outra base documental se trata do romance “Corta-braço” de Ariovaldo Matos que nos forneceu um “quadro” aproximado das condições de vida no momento de formação do Pero Vaz.

Já os microdados do IBGE (Censo Demográfico 2000) foram utilizados como uma “ante-sala” ao trabalho de campo. Devido à riqueza de detalhes dos microdados é possível uma caracterização socioespacial prévia do bairro, condição essencial para a definição da amostra de pesquisa.

58 O trabalho de campo se constituiu em nossa inserção na realidade do objeto pela observação direcionada em momentos distintos de pesquisa, como também pelo levantamento de dados. Objetivamos com ele construir, paulatinamente, dois conjuntos de dados – um cuja base de dados foi obtida por registros fotográficos e entrevistas não-diretivas, as quais nos permitiram acessar algumas histórias ou trajetórias de reprodução social; e um segundo conjunto no qual a aplicação de um questionário com informações complementares aos microdados do IBGE, através de uma amostra com margem de erro de 10%.

Neste movimento próprio da pesquisa, a complexidade horizontal só pode ser apreendida de maneira conjuntural. A noção de conjuntura aqui tem um significado epistemológico importante – nossas observações se pautaram, ora na captura “fragmentos” do vivido, ora em entrevistas. Isto significa dizer que, metodologicamente partimos de um quadro de referência baseado na dimensão não só microssociológica do objeto, mas também na dimensão microespacial, isto é, no

bairro do Pero Vaz, porque entendíamos que somente desta maneira

conseguiríamos observar a reprodução social na dimensão sensível.

Então a adoção da conjuntura, enquanto procedimento metodológico, ganhou um peso significativo porque implicou em considerar também o plano fenomenológico do imediato, no qual a trama do objeto sofre modulações. Como bem pontua Revel

O recurso a sistemas classificatórios baseados em critérios explícitos é substituído na microanálise pela decisão de levar em consideração os comportamentos por meio dos quais as identidades coletivas se constituem e se deformam. Isso não implica que se ignore nem que se desprezem as propriedades “objetivas” da população estudada, e sim que se as trate como recursos diferenciais cuja importância e cuja significação devem ser avaliadas nos usos sociais, ou seja, em sua atualização. (1998, p. 26).

A microanálise tem sido objeto sistemático de discussão interdisciplinar entre a História e a Antropologia há pelo menos duas décadas, isto porque, nestes dois campos do saber científico, se reconhece que a construção do objeto de pesquisa

59 passa necessariamente pela definição do seu nível de análise – ou seja, de sua escala de abordagem, do macro ao micro. Grandes nomes da historiografia francesa e italiana como Jacques Revel, Bernard Lepetit, dentre outros, têm se debruçado na discussão dessa temática tão cara às ciências humanas, isto porque no jogo escalar implica considerar que:

a mudança do campo de referência (percepção e observação) produz efeitos significativos na abordagem do objeto e transforma decisivamente o seu conteúdo;

a constituição de situações em “loco” se restringe a acompanhar itinerários individuais ou de pequenos grupos, a partir de seus contextos de referência, nos quais as contradições e as negociações são um constante trabalho de elaboração e de redefinição; e,

a microanálise estuda a construção uma rede de complexas relações de aliança, competitividade e solidariedade, etc.

Com efeito, as observações não foram pautadas em grandes conjuntos sociológicos e, logo, a complexidade horizontal do objeto será perscrutada em pequenos grupos ou mesmo indivíduos que tenham suas trajetórias de vida reconhecidas. Trata-se, consequentemente, de buscar aquilo que Martins (1992) definiu como “história residual do subúrbio” porque nesta pequena história está a memória do que foi e é possível como alternativa de vida.

Esperamos, sinceramente, que o recurso à conjuntura nos tenha possibilitado interagir com a natureza própria da reprodução social, não só através de suas continuidades, mas principalmente pelas suas disjunções ou descontinuidades. Como nivelaremos nossas observações ao que acontece ao “rés do chão”, então tínhamos que fazer uso intensivo dos meios de percepção de que dispomos como o olhar, a audição, o olfato e comunicação. Enfim, toda a nossa sensibilidade perceptiva teve que ser posta a serviço da observação. Claro que nem tudo que for

60 observado se constituiu em elemento de registro. Neste caso, nosso parâmetro de “corte” foi estabelecido com base problemática da pesquisa.

Esperamos que o recurso à conjuntura não tenha produzido um “fosso” ou hiato entre as dimensões micro e macro da pesquisa, mas ao contrário, ela tenha nos auxiliado a perceber e problematizar como ocorre a modulação sociológica do macro no micro, ou seja, como a reprodução social, definida estruturalmente, realiza-se à escala microssociológica. Na realidade, este embate entre as escalas é um corolário da própria formulação da pesquisa, o que teve consequência direta não só em nosso referencial teórico, mas em toda a sequência proposta de capítulos.

Enfim, este é o percurso teórico-metodológico que construímos para o encaminhamento da problemática da pesquisa. Nos dois capítulos seguintes, descrevemos o objeto da pesquisa em seus dois níveis: o estrutural, com destaque à cidade de Salvador, e o conjuntural, focado no bairro.

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2 A REPRODUÇÃO SOCIAL DA CLASSE TRABALHADORA AO NÍVEL