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Os níveis espaciais da reprodução social na pesquisa

24. Correlação entre os níveis espaciais e renda domiciliar

1.2.2 Os níveis espaciais da reprodução social na pesquisa

Como dissemos anteriormente, o espaço social é composto por vários níveis de realidade imbricados entre si. Tais níveis respondem com diferentes intensidades aos conteúdos sociais da reprodução social capitalista, porque são compostos por formas e práticas sociais que, apesar de o processo de homogeneização, ainda guardam resquícios de modos anteriores. Então quanto mais restrito o nível espacial, mais heterogênea e complexa a reprodução social deve ser, porque mais níveis estão implicados. Dessa maneira, cabe-nos refletir sobre os níveis socioespaciais referenciados pelas abordagens da alienação e resistência, mas que é um nível para a teoria social?

Na Crítica da vida quotidiana, tomo II, Lefebvre discute a noção de nível. Para ele, essa noção designa “um aspecto da realidade” ou “um grau da realidade” com “mais consistência (...) que, por exemplo, os símbolos, os modelos, etc.” (1961, p. 123). Logo, a noção de nível define um conjunto de fenômenos e estes, por sua vez,

46 definem um quadro de referência da realidade passível de ser captado empiricamente.

De todos os níveis do espaço social, três níveis interessam mais diretamente a esta pesquisa: o nacional, o da cidade e do bairro. O nacional, ou melhor, da formação social porque nele são definidas as relações mais abstratas (políticas) que regem a constituição dos mercados essenciais à sociedade capitalista. Seu representante por excelência é o Estado que age em consonância com os agentes do poder econômico (a classe dominante) e põem em ação estratégias de controle e de coação na cidade, mas como bem sublinha Léfèbvre (2001), a projeção do nível superior para o plano específico da cidade não ocorre sem mediações.

E o que é cidade? É um super-objeto social e prático-sensível, portanto, uma estrutura social e material segundo a teoria das formas lefebvriana (1973b; 2001). Como estrutura social, a cidade é uma mediação espaço-tempo entre um nível superior e outro inferior. A cidade é uma mediação porque é onde se realizam as manifestações da vida urbana, visto que sua morfologia essencial é composta por formas como ruas, praças, comércio, etc., ou seja, é um espaço público por natureza.

Na cidade, os termos da reprodução social dizem respeito ao seu ordenamento e gestão para possibilitar práticas cada vez mais coerentes e coesas ao modo capitalista. As injunções entre o privado e o Estado criaram conexões entre os subsistemas da vida social através do espaço possibilitando, durante um lapso de tempo determinado, certa “estabilidade” e “controle”, isto é, homogeneidade à reprodução social. Então a cidade, enquanto um tipo específico de espacialidade é meio e condição da reprodução social. Contudo, a “estabilidade” e o “controle” só são aparentes porque elas não são espacialmente homogêneas, isto é, elas se fragmentam e se hierarquizam constituindo centros e periferias, uma vez que a reprodução social, estruturalmente, segue a divisão de classes e níveis de vida.Esta é a grande contradição entre reprodução social e a cidade. Por quê? Porque a fragmentação e a hierarquização são fenômenos que expressam a prevalência do

47 valor de troca sobre o valor de uso. Tal prevalência expulsa, aparta, segrega para as periferias aqueles que se reproduzem apenas com os “restos” do que esta sociedade oferece como condição “desejável”. Assim, aos que estão na periferia espacial e também social da reprodução, nada mais falso do que a “estabilidade” e o “controle” que a cidade exerce. Portanto, a cidade entra na problemática da pesquisa como o nível espacial Mediador da realidade, isto implica dizer que a cidade é uma totalidade de referência para o bairro, isto é, ela se determina estruturalmente sobre o bairro a partir das formas lógicas (espaciais, jurídicas etc.).

E o bairro, o que é? Isto é uma longa discussão. Comecemos a discuti-lo a partir do referencial estudo do bairro do Limão em São Paulo, realizado pela geógrafa Odette Seabra (2003). Partindo de uma considerável pesquisa de fontes tanto na Geografia quanto na Sociologia, Seabra demonstra que o bairro é uma espacialidade específica no conjunto da cidade, fruto do movimento próprio da vida, portanto, desde quando não implodido pelo processo de metropolização, o bairro cria uma unidade de vida imediata e de relações tais como parentela e vizinhança. Há uma densa tessitura da história e da cultura que permeia a espacialidade de um bairro.

Seabra ainda discute e problematiza o bairro através de várias referências teóricas, mas destaca os argumentos de Léfèbvre (1973), fato que permite apresentar outros elementos importantes à discussão. Vejamos alguns deles: o bairro é uma forma de organização concreta do tempo e espaço na qual a proximidade substitui as distâncias sociais, espaciais e de tempo, contudo, sua estrutura socioespacial é dependente de estruturas de ordem superiores, institucionais e políticas, porque é o nível ecológico ou privado, onde o habitar corresponde à forma predominante. Este nível é, ao mesmo tempo, o ponto de partida de informações e de chegada de ordens, logo, o nível mais restrito onde as determinações da reprodução social atingem. De fato, o bairro, neste ponto de vista, é uma conjuntura da cidade.

Outra contribuição importante advinda da Antropologia se refere ao estudo do habitar realizado por Certeau e Mayol (2002). Este último, referenciado também no estudo supracitado de Léfèbvre, complementa que a relação espaço/tempo no bairro

48 é mais favorável ao cidadão, que se desloca a pé a partir de sua casa, portanto, o bairro é uma parte da cidade que dialetiza a relação entre o espaço privado (a casa) e os espaços públicos (a rua, a cidade). Ele é, portanto, um dispositivo prático- sensível que cria uma continuidade entre os níveis do espaço social – a casa (o habitat) e a cidade. As continuidades de que fala Mayol nada mais são que as práticas sociais.

De acordo com estas definições, tomamos por medida de precaução de não identificar a área de estudo – o Pero Vaz, como um bairro a priori, por isso, enquanto está questão não for resolvida, usaremos o recurso textual de grafar o termo bairro em itálico todas as vezes que nos referirmos a ele.