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Antes de qualquer ação concreta diretamente ligada ao domínio da História Oral para a pesquisa, ou seja, a efetivação das entrevistas aos professores de Bananeiras – PB, continuei fazendo o levantamento das referências – que aconteceu até o último momento de escrita – e a leitura das obras consideradas mais importantes. Essa atividade contribuiu com a parte teórico-metodológica para a execução desta tese, pois me convenceu da possibilidade de usar a história oral como metodologia para acolher o ensino de História na educação do campo, mais especificamente, a E. M. E. F. Miguel Filgueira Filho.

O levantamento bibliográfico, aferido anteriormente, é essencial numa pesquisa e uma das principais ações de qualquer trabalho de cunho científico, por isso justifico o fato de não ser referente apenas à especificidade da História Oral, certamente sem excluí-la. O referencial bibliográfico para a metodologia repousou nalguns nomes já citados em tantos trabalhos baseados na história oral e, com certeza, já considerados clássicos (THOMPSON, 1998; BOM

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MEIHY, 1996a; ALBERTI, 2004; MONTENEGRO, 1994). Neles fui dar os meus primeiros passos nesse mundo novo.

Bom Meihy (1996a, p. 11) relata que a história oral tem unido pessoas e instituições que estão preocupadas com três aspectos importantes e que coincidiam com preocupações desta tese:

1) o registro, o arquivamento e a análise da documentação colhida por meio do recolhimento e trabalho de edição de depoimentos e testemunhos feitos com recursos da moderna tecnologia;

2) A inclusão de histórias e versões mantidas por seguimentos populacionais antes silenciados, evitados, esquecidos ou simplesmente desprezado por diversos motivos;

3) as interpretações próprias, variadas e não oficiais, de acontecimentos que se manifestam na sociedade contemporânea.

Ao palmilhar nessa região metodológica, esses três aspectos nortearam minhas expectativas em relação à pesquisa: a produção de material com uso de tecnologia sofisticada e que tenha serventia para outros estudos que virão posteriormente, meus ou de outros interessados; a consciência de que, por intermédio da história oral, os silenciados pelo tempo, os movimentos de minorias culturais, os movimentos sociais, no caso em estudo, os professores das escolas, afastadas dos grandes centros, ganharam voz e emergiram como sujeitos ativos no processo de ensino-aprendizagem; e a preocupação com narrativas não oficiais que, no caso da tese, passam pela vida privada e pública dos professores que, mesmo polivalentes, nas séries iniciais do ensino fundamental, detiveram-se na especificidade do ensino de História.

Ainda em relação às referências, já existia uma bibliografia específica sobre educação do campo e, de outro lado, uma produção extensa sobre o ensino de História. Em ambos os casos, consequentemente, concepções que se aproximam e outras que se chocam, como costuma acontecer nas concepções acadêmicas, no domínio da Ciência e, até, em alguma discussão do senso comum. Acontece, porém, que foram raros os textos, as publicações que tratassem da especificidade do ensino de História na educação do campo. Não foi surpresa, mesmo com a quantidade de publicações de proposições de cunho diferencialista para educação do campo, a quase inexistência de publicações ao que se propõe a tese. Talvez essas produções estejam mofando em algumas bibliotecas espalhadas pelo Brasil, por ser de praxe os trabalhos de pós-graduação não serem publicados. Alguns dos artigos publicados em livros, que são compilações de autores e que me foram valiosos, terminaram dando ímpetos, como foi o caso de O Ensino de História no meio rural: olhares e práticas, de Astrogildo Fernandes da Silva Júnior; Ensino de História e alternância: algumas possibilidades, de Neila

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da Silva Reis. Através de contato com Selva Guimarães Fonseca e Silva Júnior, obtive indicação da primeira sobre a produção do segundo, na dissertação “Saberes e práticas de ensino de História em escolas rurais: um estudo no município de Aragrari – MG, Brasil”, e a tese “Identidade e consciência histórica de jovens estudantes e professores de História: um estudo em escolas no meio rural e urbano”. Silva Júnior me forneceu ambas. E, para surpresa minha, sem nem ao menos conhecê-lo, compartilhávamos de muitos interesses e pensamentos em comum, além de o personagem fictício, Professor de História, criado por mim, ter o mesmo nome – Astrogildo.

Segui, metodologicamente falando, os caminhos propiciados pela já vasta produção de história oral, que ganhou espaço e firmeza no meio acadêmico, principalmente pela crítica acirrada dos mais conservadores que acreditavam que, para se considerar história, precisava- se ser fato ocorrido em um passado muito remoto, mediado pelo documento escrito e oficial – Canônicos - como faz uso do termo Circe Bittencourt (2004). Considero-me, destarte, na vanguarda da produção historiográfica, fazendo usos e abusos da História Oral, ouvindo a voz do passado, pois tenho consciência de que as ferramentas dessa metodologia me permitiram: (1) entender as necessidades dos indivíduos, homens e mulheres (não meros objetos de pesquisa), de carne e osso, cheios de vida, implicados na problemática educacional em questão; (2) e, acima de muitos aspectos, dar voz aos profissionais que foram amordaçados pelo tempo e por uma sociedade pautada no conservadorismo, no modelo fruto do coronelismo e do clientelismo, circunscrito ainda em algumas ações, em práticas que são resquícios do distante medievo feudal; (3) nas idas às escolas e nos encontros com os professores, nos diálogos realizados, ir descortinando uma realidade que parecia há muito esquecida por mim e que me despertava para outras, novas para a tese.

Mesmo na atualidade, após longo percurso de uma metodologia inicialmente marginalizada, segui a linha de pensamento que é comum àqueles que trabalham com o domínio cultural, com a oralidade e a História Oral e ouso em fazer minhas as palavras de G. Lefebvre, citadas pelo medievalista Jacques Le Goff (2003):

A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando esses existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos. Paisagens e telhas. Com as formas do Campo e das ervas daninhas. Com os eclipses da lua e atrelagem dos cavalos de tiro. Com os exames de pedras feitos pelos geólogos e com as análises de metais feitas pelos químicos. Numa palavra, com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem,

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serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem.

Toda uma parte, e sem dúvida a mais apaixonante do nosso trabalho de historiadores, não consistirá num esforço constante para fazer falar as coisas mudas, para fazê-las dizer o que por si próprias não dizem sobre os homens, sobre as sociedades que as produziram, e para constituir, finalmente, entre elas, aquela vasta rede de solidariedade e de entreajuda que supre a ausência do documento escrito? (FEBVRE apud LE GOFF, 2003, p. 530).

Essa possibilidade de metodologia em História dialoga com outros veios, como a (1) História Local, (2) a Micro História, (3) a História do Tempo Presente e (4) a História do Cotidiano. No primeiro caso, porque leva em consideração uma pequena localidade territorial, e isso, em hipótese alguma, quer dizer que esteja separado do geral, ao contrário, firma-se nas relações diversas entre um polo e outro, em que se concretiza; no segundo, porque estabelece um vínculo forte com os pequenos detalhes das ações dos sujeitos em sua vivência, e não, como queria a história tradicional, centrar-se nos grandes fatos que determinariam os rumos da humanidade. Essas são as pequenas ações que movem outras consideradas pelo conservadorismo como determinantes do movimento histórico; e terceiro, porque o tempo que estou retratando é próximo do momento em que vivo, chega a ser o que aconteceu ontem na sala de aula, na hora do almoço, antes da entrevista, mesmo sendo passado, de uma proximidade extensiva ao momento presente; no quarto, pois são as microações que se desenrolam no dia a dia dos sujeitos ativos. Já posso adiantar algo que será explicado um pouco mais adiante, que se trata de uma História Oral híbrida, não apenas por dialogar com outras formas de se fazer história, mas por não se resumir a uma metodologia classicamente pertencente ao fazer da História Oral, porquanto não se limitou aos pré-requisitos básicos dessa metodologia, que são o entrevistador, o entrevistado e a aparelhagem de gravação. A base da existência da história oral é o depoimento gravado (BOM MEIHY, 1996, p. 15).