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Metodologias na Agroecologia

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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1. Da ciência moderna à ciência emergente: plantios, manejos e colheitas

2.1.6. Metodologias na Agroecologia

Primeiramente compreenderemos o que significa cada palavra. A palavra método, do grego, significa “caminho para chegar a um fim”. Metodologia, também do grego, é o estudo do método. Para tal, lançamos mão de um arcabouço de regras e procedimentos estabelecidos para pesquisar (TARTUCE 2006 apud GERHARDT & SILVEIRA, 2009).

Desta forma, é indispensável sublinhar o que difere método de metodologia. Metodologia se ocupa com a validade do caminho utilizado para chegar ao objetivo da pesquisa. O esforço metodológico é diferente da teoria (conteúdo) e dos métodos e técnicas (procedimentos), mas é composto por estes. Sintetizando, “a metodologia vai além da descrição dos procedimentos (métodos e técnicas a serem utilizados na pesquisa), indicando a escolha teórica realizada pelo pesquisador para abordar o objeto de estudo.” (MINAYO, 2007 apud GERHARDT & SILVEIRA, 2009).

Gerhardt & Silveira (2009) referenciando Minayo (2007), apresentam definições de metodologia conforme abaixo:

a) como a discussão epistemológica sobre o “caminho do pensamento” que o tema ou o objeto de investigação requer; b) como a apresentação adequada e justificada dos métodos, técnicas e dos instrumentos operativos que devem ser utilizados para as buscas relativas às indagações da investigação; c) e como a “criatividade do pesquisador”, ou seja, a sua marca pessoal e específica na forma de articular teoria, métodos, achados experimentais, observacionais ou de qualquer outro tipo específico de resposta às indagações específicas (MINAYO, 2007, p. 44).

Na agroecologia, mesmo quando era intitulada agricultura alternativa, conforme sua construção foi evoluindo, aprofundaram-se os questionamentos acerca das metodologias utilizadas pela academia e pelos agentes de ATER para sua construção teórica e prática. Neste caminho de pensar novos métodos, a partir da introdução do conceito da agroecologia, apresentou uma oportunidade de ruptura epistemológica, ao permitir que a noção de “transferência/difusão de tecnologia” fosse substituída por “processos sociais de inovação

19 agroecológica”, para que as tecnologias passassem a ser contextualizadas localmente nas realidades social, cultural e ecológica (PETERSEN & ALMEIDA, 2004 apud LUZZI, 2009).

O debate da participação foi evoluindo e ganhou maior destaque dentro da Rede PTA após a publicação da série “Agricultores na Pesquisa” em 1989 pela PTA/FASE, onde o debate procurou abordar a importância da participação dos agricultores em todas as etapas dos projetos. Os primeiros DRPs (Diagnóstico Rural Participativo) foram longos e quantitativos, instrumentalizando os técnicos, mas não garantindo a participação dos agricultores nem a utilização de todos os dados. Por tentativa e erro o método foi se aperfeiçoando, e uma versão mais qualitativa e eficiente foi aplicada pela rede PTA em vários locais do país (LUZZI, 2009).

Na época do trabalho da PTA/FASE foi difícil de encontrar profissionais com compromissos e qualidades específicas para realizar o trabalho de identificar e sistematizar as experiências e suas tecnologias, pois os próprios técnicos no campo (devido à sua formação convencional) ainda carregavam a ideia de que produtos desenvolvidos por agricultores familiares não eram tão valiosos quanto técnicas apreendidas na teoria (na época ainda escassa). Ou seja, o que aconteceu foi a substituição de um pacote por outro.

Por outro lado, algumas outras ONGs comprometidas com a tarefa pensada e coordenada pela PTA/FASE, apontaram que era difícil cumprir a missão de identificar, sistematizar e difundir as experiências sem antes fazer um processo de construção da parceria. Contatava-se um grupo, apresentava a proposta de parceria, mas de contrapartida logo vinham as demandas, as sensibilizações a serem feitas. Não era possível ter legitimidade apenas chegando e perguntando quais práticas os grupos contatados utilizavam.

Parecem ser dois pacotes alternativos. Os métodos utilizados pelos técnicos e pela pesquisa acadêmica, ambos chagando assepticamente com a expectativa de fazer o que tinham planejado conforme suas teorias e métodos aprendidos em suas formações, sem considerar o contexto territorial de cada grupo, nem suas demandas.

A situação de reprodução de padrão do pacote tecnológico foi encontrada nas experiências de Cardoso (2006) e Araujo (2009). Cardoso (2006) aponta que na fase inicial de trabalho do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata – CTA-ZM, o grupo tecia críticas às tecnologias modernas, mas a noção de difusão ainda estava enraizada nas concepções da entidade. Mesmo que se entendesse a importância da valorização dos conhecimentos dos agricultores, não se sabia exatamente como construir processos de inovação junto com eles.

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“Portanto, a abordagem adotada significava um avanço considerável do ponto de vista metodológico, mas não alterava em essência os procedimentos convencionais dos sistemas oficiais de pesquisa e extensão rural. Entre outras razões, por não permitirem o estabelecimento de relações de poder mais horizontais entre assessores e agricultores. Apesar do respeito à cultura popular, o protagonismo do processo permanecia com os técnicos” (CARDOSO, 2006).

Já Araujo (2009) aponta o desafio metodológico de conciliar os extremos de, por um lado impor o “pacote agroecológico” e por outro cristalizar o saber do agricultor como completo, naturalizando práticas ou convencionais ou ecológicas dispendiosas, por conta de sua resistência cotidiana para reproduzir sua vida, sem nenhuma reflexão crítica. Ele chama a atenção de que é necessário ir ao local resolver os problemas que os agricultores acham relevantes, “para isso, tem que partir da assessoria a sensibilidade de saber ouvir para contribuir para matar a sede que eles estão sentido, não a nossa sede, que achamos que é a sede deles” (ARAUJO, 2009, p.180). Tempo e continuidade, flexibilidade na execução do planejamento das reuniões são pistas que ele nos aponta para caminhar na direção da participação e diálogo de saberes, na construção tanto dos projetos, quanto na construção das soluções e inovações.

A partir das metodologias inicialmente propostas na década de 80, 90, foram sendo desenvolvidas e adaptadas outras nas diversas regiões brasileiras, apenas para citar um exemplo, a Análise Econômica-Ecológica do Agroecossistema (AS-PTA, 2015), sendo que a participação e a visão sistêmica é aprofundada cada vez mais, dependendo da aplicação e condução do método. Outras noções metodológicas como a pesquisa-ação, pesquisa participante, sistematização de experiências, com seu ferramental próprio, foram preponderantes para este processo contínuo de repensar e renovar os métodos utilizados na agroecologia.

Sevilla Guzmán nos ajuda a entender os níveis de evolução dos métodos e técnicas utilizados na agroecologia, que pode ser sintetizado a partir da elaboração de um quadro (Quadro 1):

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Quadro 1 – quadro síntese das metodologias utilizadas pela agroecologia e seus níveis. Adaptado de

Guzmán, 2002. Níveis de pers- pectivas Análise Distributiva (produtiva) Estrutural (desenvolvimento) Dialética (movimentos sociais) Exploração da propriedade Estação experimental Diagnóstico clínico da propriedade Histórico da propriedade Desenvolvimento participativo de tecnologias na propriedade Estilo de manejo Observação antropológica clássica Grupo de discussão (manejo técnico- agronômico de um recurso) Estratégias participativas de disseminação

Comunidade local Diagnóstico rural rápido Observação participante em direção à dinâmica de pesquisa-ação Diagnóstico participativo

Sociedade local Leitura transversal

Grupo de discussão (caracterizador do discurso) Estratégias participativas de articulação Sociedade maior Planejamento rural

convencional Desenhos participativos de desenvolvimento endógeno Socioanálise de grupos em assembleias

Nível de análise genérica Pesquisa

(questionário) Entrevista

Assembleias em dinâmicas da

Pesquisação participativa

Como visto nos tópicos anteriores, a Agroecologia conta com um novo paradigma, uma nova epistemologia, para tanto, precisa de novas metodologias para construir a si mesma e seus espaços de atuação, onde se propõe a diferentes coisas do paradigma vigente. As caravanas agroecológicas e culturais e excursões científicas tem se apresentado como possibilidades metodológicas para cumprir essa tarefa. Muitos avanços foram galgados na agroecologia, mas ainda há muita influência da ciência moderna e controvérsias sobre a construção da noção do que “é válido e científico”.

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