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Sociologia na escala do indivíduo

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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.2. Lentes para olhar o mundo: teorias, metodologias e ferramentas utilizadas na

2.2.2. Sociologia na escala do indivíduo

“As estruturas da psique humana, as estruturas da sociedade humana e as estruturas da história humana são indissociavelmente complementares, só podendo ser estudadas em conjunto.” (ELIAS, 1994, p.38). A partir dessa ideia de Norbert Elias que olhamos a construção dos processos relativos às delimitações temporais e escalares dessa pesquisa. Complementando a noção de redes a partir do princípio do paradoxo, das dádivas e da sociedade complexa, Elias parece trazer noções importantes no esforço de entender o

continuum das coisas, a relação e intercomunicação entre os indivíduos, os coletivos e o

contexto histórico.

Elias questiona o conceito de sociedade, que aparentemente é entendido por todos, mas que, ao aprofundar a discussão, não parece ser bem compreendido assim. Como pesquisar ou analisar algo que nem sabemos do que se trata? “Que tipo de formação é esse, esta “sociedade” que compomos em conjunto, que não foi pretendida ou planejada por nenhum de nós, nem tampouco por todos nós juntos?” (ELIAS, 1994, p.13). A sociedade, para Elias, só existe porque coexiste um grande número de indivíduos, e ela segue operando porque esses mesmos indivíduos, de forma isolada, fazem e desejam determinadas coisas. Contudo, sua estrutura e as transformações que sofreu ao longo da história não dependem do planejamento ou intuito de qualquer indivíduo em separado.

Aquilo que denominamos de sociedade nada mais é que uma rede onde as pessoas desempenham funções umas em relação a outras. Suas leis, as da sociedade, são autônomas e ela representa um tipo de esfera sui generis.

“Por mais certo que seja que toda pessoa é uma entidade completa em si mesma, um indivíduo que se controla e que não poderá ser controlado ou regulado por mais ninguém se ele próprio não o fizer, não menos certo é que toda a estrutura de seu autocontrole, consciente e inconsciente, constitui um produto reticular formado numa interação contínua de relacionamentos com outras pessoas, e que a forma individual do adulto é uma forma específica de cada sociedade. [...] Assim, efetivamente cresce o indivíduo, partindo de uma rede de pessoas que existiam antes dele para uma rede que ele ajuda a formar.” (ELIAS, 1994, p. 30, p. 34).

31 Não é possível para uma pessoa que nasceu e cresceu numa sociedade realizar modificações ou rupturas através de um passe de mágica, mas apenas até onde a “própria estrutura dessas dependências a permita”. Por mais única que uma pessoa seja, ela “vive num tecido de relações móveis que a essa altura já se precipitaram nela como seu caráter pessoal” (ELIAS, 1994, p.22). A estrutura básica de funções interdependentes não é criação dos indivíduos particulares, já que mesmo os mais poderosos exercem suas funções em relação a outras funções, que só podem ser apreendidas em termos do contexto e especificidade das tensões totais em questão.

A margem de decisão de cada pessoa emerge dentro da rede social. O lugar do indivíduo numa determinada sociedade, com sua estrutura e constelação histórica específica, que ele vive e faz coisas é caracterizado pela natureza e extensão da margem de decisão que lhe é acessível.

A pessoa, individualmente considerada, está sempre ligada a outras de um modo muito específico através da interdependência. Mas, em diferentes sociedades e em diferentes fases e posições numa mesma sociedade, a margem individual de decisão difere em tipo e tamanho. E aquilo a que chamamos “poder” não passa, na verdade, de uma expressão um tanto rígida e indiferenciada para designar a extensão especial da margem individual de ação associada a certas posições sociais, expressão designativa de uma oportunidade social particularmente ampla de influenciar a auto-regulação e o destino de outras pessoas (ELIAS, 1994, p.50).

Seja nas situações onde as características dos grupos guardam discrepância de poder, seja grupos nos quais o poder esteja mais ou menos bem distribuído, portanto, seja maior ou menor a margem que a pessoa tenha para decidir sobre as coisas, qualquer seja sua decisão, ela pode aproximar algumas pessoas e afastar outras. Seja qual for a natureza e extensão da decisão, o indivíduo está preso “à distribuição do poder, à estrutura da dependência e das tensões no interior de seu grupo.” (ELIAS, 1994, p.51). Recordando que as possibilidades da tomada de decisão estão circunscritas na sua rede social, e por isso suas leis próprias dessa rede irão trabalhar à favor ou contra a pessoa conforme a decisão tomada.

Poder, para Elias, é uma condição das redes sociais, resultado da relação que os indivíduos tecem entre si em todos os momentos, nas diversas esferas e atividades da vida, seja econômica, política, cognitiva, podendo assumir diversas formas, atuando nos diversos grupos, podendo ocorrer entre pessoas de uma mesma família, de um mesmo bairro, mesmo grupo, como o da agroecologia, podendo manifestar de diversas formas (MEDEIROS, 2007).

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Aqui se requer um esforço peculiar de pensamento, pois as dificuldades que temos de enfrentar, em qualquer reflexão sobre a relação entre indivíduo e sociedade, provêm — na medida em que se originam na ratio — de hábitos mentais específicos que hoje se acham demasiadamente arraigados na consciência de cada um de nós (ELIAS, 1994, p.23)

Na verdade, conforme trabalharemos no capítulo 2 deste documento a partir das noções junguianas revisadas a seguir, entenderemos que esse processo requer um esforço também de sentimento e intuição, não é possível que apenas pela mesma modalidade “ratio” que se inspirou o pensamento binários, ela não pode dar conta sozinha de superá-los e ressignifica-los, precisa de ajuda do sentimento e da intuição como dimensões da psique e da sociedade a serem desenvolvidas.

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