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Redes de solidariedade e confiança

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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.2. Lentes para olhar o mundo: teorias, metodologias e ferramentas utilizadas na

2.2.1. Redes de solidariedade e confiança

Atualmente os conflitos transpassam esferas econômicas, políticas, sociais, incluindo outras como simbólicas e culturais, para aprofundar as lutas por reconhecimento, como a agroecologia. São novas formas de conflitos e mediações feitos por outros atores e com diferentes identidades coletivas e individuais (MARTINS, 2010).

Tais mobilizações escapam das formas tradicionais de articulação política, devido ao surgimento de unidades diversificadas e autônomas que dedicam à solidariedade interna uma parte importante de seus recursos [...] Isso nos conduz a redefinir os movimentos, nas sociedades complexas, como redes invisíveis de grupos, de pontos de encontro, de “circuitos de solidariedade, que diferem profundamente da imagem do ator coletivo politicamente organizado” (MELLUCI, 2001, p.95-97 apud MARTINS, 2010).

Para analisar o processo de construção das redes de solidariedade e amor, é necessário partir do princípio de que a realidade é ambivalente, paradoxal, multifacetada, que existem determinações múltiplas do fato social, e que apresenta uma variedade contraditória de motivações antropológicas. As teorias de rede social se preocupam em entender e explicar o fato social como algo que, por um lado, não planejado por qualquer um dos indivíduos que compõe a sociedade, nem por outro, é executado por um sistema de determinação estrutural

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mundial que opera igual para todas as sociedades e indivíduos (MARTINS, 2004; ELIAS, 1994).

Uma reflexão interessante a ser feita para analisar os processos de construção de solidariedades sociais de base, é que as relações entre pessoas e coletivos são construídas desde uma experiência que escapa tanto à noção de imperialismo da obrigação coletiva, como ao relativismo da liberdade individual. A partir disso, entendemos que essa experiência circula numa realidade social complexa, que apresenta polos, que não são excludentes dicotômicos, mas onde obrigação e liberdade, interesse e desinteresse, são elementos de um paradoxo. Este princípio (do paradoxo) nos auxilia o entendimento da constituição da ação social, ao apreender uma realidade que é uma coisa e outra simultaneamente. Desta forma entendemos que as dicotomias “não apenas são insuperáveis como, no fundo, são expressões de uma mesma coisa” (MARTINS, 2004, p.38).

É a partir da coexistência paradoxal da obrigação e da liberdade, nessa fronteira, nessa relação entre os dois opostos que operam o e no fato social, que nascem as particularidades nos territórios, e a noção de redes entra em cena como recurso para favorecer programas desenvolvidos a partir da base, exigindo envolvimento, participação ativa dos indivíduos para promover cidadania e democracia (MARTINS, 2004).

Para Martins (2010), as redes sociais funcionam como aparelhos que regulam negociações, conflitos, tensões entre grupos e indivíduos. Diferentemente das teorias utilitaristas acerca das redes sociais, o ponto de vista interacionista, relacional, antiutilitarista conta com pressupostos da realidade paradoxal e aberta ao diálogo com demais sistemas, que o autor elenca da seguinte forma: sistemas interativos (dimensão hermenêutica), a vivência dos atores sociais (dimensão fenomenológica) e as obrigações coletivas que nascem da dívida simbólica entre indivíduos e grupos (dimensão da dádiva)” (MARTINS, 2010, p. 408).

A ideia de redes, fundamentando a sociologia relacional, pode se apresentar com uma chave interessante para as pessoas que buscam superar o dilema sociológico clássico entre estrutura e agência. Podemos entender a rede como um “pressuposto sistêmico da vida social”, onde a rede opera como contexto decisivo para que existam processos de diferenciação inerentes a sociedades complexas. Elas se apresentam “como possibilidades fenomênicas e discursivas de emancipação de saberes e práticas que se encontram reprimidos e (ou) inibidos.” (MARTINS, 2010, p. 411).

O enfoque das teorias de redes sociais permite uma reformulação teórica e metodológica, ao se propor a escutar as incertezas estatísticas, de tendências e probabilidades

29 de ação social que não são capturadas pela causalidade, uma vez que circulam pela ambivalência e descontinuidade dos processos. As redes podem ser apreendidas como um fenômeno múltiplo e aberto, caracterizado por intensidades e descontinuidades que envolve a ação política e a voluntária. Essas ações podem, por uma ótica, fundamentar esferas públicas e participativas, e, por outra, repercutir a realidade dos membros e tecelões de uma ou mais redes (MARTINS 2004, 2010).

Além das dimensões trazidas até agora, é importante entender a questão da confiança. Na tecelagem redes de solidariedade de base, precisamos entender que a obrigação social tem um caráter moral e político, resultados pelo interesse dos membros na construção da aliança, desde a perspectiva da dádiva e da fidelidade. “Há um risco inerente ao Dom/dádiva pelo fato de não haver certeza de que o donatário vai receber a ação ou vai retribuí-la. Tudo é possível!” (FIXOT, 1994, P. 187 apud MARTINS, 2004). A dimensão simbólica é importante para apreender as redes sociais, pois algo doado é além da coisa em si, a intenção de doar (MARTINS 2004, 2010).

A construção da dimensão da confiança não é dada por algo formal e escrito, mas é dada num contexto de risco, a partir do momento que se acredita que o outro com quem me entrelaço na rede não irá me trair, vai fazer circular os bens recebidos para seguir a construção da nova rede social. Esse risco é a incerteza que temos que nos colocar a escutar para apreender a realidade social, ela não pode ser calculada. A dimensão da confiança (dádiva) ajuda a explicar a vontade dos indivíduos de dar continuidade aos processos, onde se permite que os lugares individuais e coletivos sejam reconstruídos (MARTINS 2004, 2010).

Essa noção é valiosa nos escalas institucionais, mas surte muito mais efeito para entendimento e tecelagem da rede social (sociohumana), uma vez que é na escala das ações cotidianas e concretas que se constrói a sociedade complexa, fomentando e se relacionando com outras redes como as sociotécnicas ou sociointitucionais. A teoria da dádiva, portanto auxilia na compreensão de como a teoria da rede social é importante para pensar estratégias em sociedades complexas, uma vez que as mobilizações ultrapassam as noções convencionais de “trabalho ou garantia de emprego e renda” seja pelo mercado ou pelo Estado (MARTINS 2004, 2010).

A partir da visão mais orgânica, relacional, que considere o princípio do paradoxo para olhar a vida comunitária e local, podemos pensar tanto a dimensão estratégica de mobilização e articulação das organizações para responder aos entraves desestruturantes das instituições sociais, quanto pensar esse debate como um subsídio de reforma moral e institucional estatal,

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para pensar novas formas de descentralizar e territorializar as políticas públicas, a fim de contribuir com a emancipação dos processos de participação social, envolvendo diretamente as diversas redes interessadas, que são ao mesmo tempo globalizadas e regionalmente territorializadas (MARTINS, 2004, 2010).

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