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3 A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E AUTONOMIA INTELECTUAL:

3.1 Metodologias ativas e a aprendizagem

A função da escola, durante muito tempo, foi a de transmitir à criança os conhecimentos acumulados pelas gerações precedentes, prepará-la para as leis do mundo externo, para a vida social e treiná-la com técnicas específicas, cujo foco principal era a memorização desses saberes. Nessa perspectiva a relação professor e aluno mantém seus pilares fixos na concepção de que a conduta correta e assertiva é a de que apenas o professor é aquele que detém o conhecimento a ser transmitido ao aluno. Supõe-se dessa forma, que a atitude do aluno deva ser a de submissão à sua autoridade e por conseguinte, quaisquer tipos de interação, contato intelectual e de trabalho cooperativo são considerados perda de tempo e fatalmente um risco à concepção “correta” do ensino.

Grandes teóricos e estudiosos como Lay, Dewey, Claparède e Kerschensteiner, apontados por Aebli (1978) aspiravam uma educação que fugisse da didática tradicional, pois acreditavam ser insuficiente o modo como a psicologia do século XIX analisava a natureza e o processo de aquisição da criança de novas noções e operações. Este tipo de método intuitivo pairava sobre a ideia de que bastava apresentar aos alunos dados sensíveis para que pudessem observá-los e formar imagens em suas mentes.

Não obstante, a escola atual, em sua maioria, tece suas tramas didáticas pautadas na premissa de que apenas o exercício da memória é ingrediente suficiente para compor o aprendizado, salvo em algumas escolas nas quais os professores desenvolvem sua prática priorizando grupos cooperativos em sala de aula. Assim, Becker (2012) nos coloca uma questão fundamental que incide sobre a importância que a escola atribui aos conteúdos sem se pensar na estrutura (operatória), ou seja, a construção de conteúdos pelo sujeito depende da construção

das estruturas de assimilação de tais conteúdos, sendo a escola responsável em promover estratégias que favoreçam o desenvolvimento dessas estruturas.

Os conteúdos devem estar a serviço do aumento da capacidade de aprendizagem (construção de estruturas realizada pelo desenvolvimento) e não constituir um fim em si mesmos: as estruturas permanecem, subsumidas por estruturas mais capazes; os conteúdos caducam ou são relativizados. Por isso, o ensino deve organizar-se, primeiramente, no sentido do conhecimento-estrutura e só secundariamente no sentido de conhecimento-conteúdo. Em outras palavras, o exercício verbal, tão apreciado pela escola, é campo aberto de aprendizagem de todo tipo, se, e somente se, forem previamente construídas estruturas pertinentes. (BECKER, 2012, p. 40-41).

Desta forma, o conhecimento implica em processos operativos que chegam a transformar o real, seja em ações ou em pensamentos “para perceber o mecanismo dessas transformações e assimilar, assim os acontecimentos e os objetos a sistemas de operações (ou estruturas de transformações). ” (PIAGET, 1998a, p. 78).

Para Becker (2012), pautado em Piaget, o desenvolvimento cognitivo requer procedimentos de invenção, ou seja, exercitar a capacidade de criar, inventar, relegando a segundo plano as situações de cópias, tão comuns ainda nas escolas de hoje. Essa capacidade inventiva assenta-se na ação do sujeito da aprendizagem, desencadeada pela interação entre sujeito e objeto de conhecimento.

Outro ponto importante a se destacar é que as ações humanas são motivadas por algum fator, porém essas, sejam puramente lógico-matemáticas, ou mesmo ações mais complexas dos físicos, matemáticos e lógicos trazem consigo um componente afetivo que as fazem acontecer (BECKER, 2012).

[...] um esquema de assimilação comporta uma estrutura (aspecto cognitivo) e uma dinâmica (aspecto afetivo), mas sob formas inseparáveis e indissociáveis. Não nos é, pois, necessário, para explicar a aprendizagem recorrer a fatores separados de motivação, não porque eles não intervenham, [...], mas porque estão incluídos desde o começo na concepção global da assimilação. (PIAGET, 1959/ 1974, p.66).

Portanto, de acordo com Becker (2012), o sujeito dirige a afetividade primeiramente ao conteúdo, entretanto para que este sinta a necessidade ou atração afetiva a este conteúdo, o sujeito deverá ter construído estruturas cognitivas prévias que lhe dê bases que sustentem este novo conteúdo.

3.1.1 A escola ativa

A escola ativa baseia-se na ideia de que as matérias a serem ensinadas à criança não necessitam ser impostas de fora, mas redescobertas por ela, por meio de uma verdadeira investigação e de uma atividade espontânea. E ainda, se a função da escola é formar seres autônomos, o método pautado na transmissão oral e na obediência ao professor deve ser abolido (PIAGET, 1930/1998b).

Cabe ressaltar que a escola ativa supõe necessariamente a colaboração no trabalho, ao contrário da escola tradicional onde cada um trabalha para si; implica em atividade, opondo-se à receptividade.

A escola ativa preconizada por Piaget (1930/1998b) garantia a liberdade de expressão, de criatividade e de interesse da criança, com o intuito de promover seu desenvolvimento de maneira natural. Isto significa que os métodos de ensino devem corresponder a essas premissas. Nessa perspectiva, a função da escola é a de fomentar o espírito experimental da criança, ou seja, as suas ações devem partir da necessidade de descobertas advindas de um processo ativo, delegando à escola um papel mais modesto na função de dar respostas aos questionamentos dos alunos. Em decorrência desta atividade o sujeito exerce a princípio, um trabalho individual indo em busca de suas respostas. Mas esse trabalho pessoal, de acordo com Piaget, abre espaço ao trabalho conjunto, a formação de grupos, propondo trocas entre pares evitando assim o isolamento intelectual. Portanto, a didática proposta pela escola ativa adere ao trabalho em grupo e ao self-government (auto-governo) (PIAGET,1930/1998b).

A metodologia do trabalho em grupo tem como pressuposto a interação entre os alunos, objetivando que seus integrantes possam intermediar a fala do professor e a compreensão dos alunos. O trabalho em grupo implica a livre colaboração entre os alunos num processo de cooperação e sendo esse trabalho significativamente ativo contribui para a redução do egocentrismo (ausência de consciência de si e ausência de objetividade). É importante compreender a aplicação do trabalho em grupo por faixas de idade: antes dos 7 ou 8 anos as características psicológicas da criança ainda apresentam um importante egocentrismo intelectual prevalecendo a atitude individual, embora gostem do contato em grupo; de 7/8 anos até 11 ou 12 anos já aparece a necessidade crescente de se agrupar, mas sem cooperação suficiente e sua aplicação intenciona

estabelecer objetivos entre os integrantes do grupo; a partir dos 11 ou 12 anos o respeito às regras conduz a uma cooperação de fato e a aplicação do método visa estabelecer objetivos e avaliar se os resultados propostos aos grupos foram alcançados (PIAGET, 1998c).

Referindo-se à Piaget quanto à cooperação incipiente entre crianças pequenas (3/6 anos), que não podem ter ainda uma boa compreensão do ponto de vista do outro, Lopes e Silva (2008) destacam que algumas pesquisas (PARTEN, 1932; GOTTSCHALDT; FRAUHAUF-ZIEGLER, 1958, citados por COOK; STINGLE, 1974) comprovam que crianças entre 2 e 4 anos desenvolvem as competências necessárias à colaboração. Asseguram que crianças de 3/4anos realizam atividades direcionadas e as cumprem com cooperação parcial e já as de 4 a 6 anos cumprem as atividades com metas estabelecidas, apresentando comportamento de auxílio mútuo.

Outro procedimento utilizado pela escola ativa é o self-government. Três teses centrais, de acordo com Parrat-Dayan e Tryphon, (1998), visam esclarecer o conceito deste método: surge em primeiro lugar como noção psicológica; depois como um método da pedagogia e por fim, aplica-se na prática escolar na educação moral, intelectual e social.

A discussão primeira paira sobre a relação entre pedagogia e psicologia evocando a questão que envolve a contraposição da escola nova à escola tradicional. Este procedimento compreende o desenvolvimento da autonomia intelectual do aluno e a limitação dos poderes do professor. Isso se deve ao exercício praticado nos grupos e em sala de aula, que visa modificar o vínculo autoritário, característico da escola tradicional entre professor e alunos, implantando uma relação de cooperação entre os alunos,

[...] trata-se de um procedimento de educação que confia às crianças a organização da disciplina escolar. Pelo self-government, o estudante desenvolve em classe uma solidariedade nova, o sentimento de igualdade, da justiça e a noção de sanção fundada na reciprocidade (PARRAT- DAYAN; TRYPHON, 1998, p. 13).

Pesquisas mostram que o desenvolvimento natural da criança caminha do respeito unilateral ao respeito mútuo, ou seja, de uma obediência cega à uma fonte de autoridade, a um intercâmbio com trocas de pontos de vista, por meio da cooperação. Acrescentando, “o método de self-government, enquanto fonte de

autonomia, permite ao aluno internalizar as normas e desenvolver sua personalidade” (PARRAT-DAYAN; TRYPHON, 1998, p. 14).

Esse mecanismo permite à criança sair de seu egocentrismo4, aprendendo a

trabalhar em grupo, a colaborar com seus pares e a praticar as regras comuns. Complementando, no plano psicológico tem-se o egocentrismo inicial da criança e a cooperação, sendo levado em conta nos princípios da escola ativa, o desenvolvimento, a importância da mentalidade infantil e o funcionamento da vida social da criança. Desta forma, a educação proposta pela escola ativa prioriza o trabalho espontâneo da criança e suas atividades fundamentam-se em sua necessidade e seu interesse pessoal. Essas práticas são efetivamente respaldadas pela psicologia que assegura ser a criança capaz dessas atividades (PARRAT- DAYAN; TRYPHON, 1998).

Enquanto um método da pedagogia, a prática do self-government, de acordo com Piaget, elucida a evidência de sua utilidade para qualquer interação, ou seja, entre adultos e crianças e entre pares, desencadeando um intercâmbio real permeado pela construção de sentimentos de igualdade, de justiça e reciprocidade.

Em sincronia a esta interação está a prática escolar, que diferentemente da escola tradicional, sugere a cooperação e o intercâmbio em classe. Neste cenário destaca-se a atuação do professor como o agente que desenvolve na criança a capacidade de se formular questões, isto por meio de um material adequado e variado oferecido a ela, “[...] em outras palavras, trata-se agora de que a criança se torne um experimentador ativo, que procura e encontra soluções para os problemas que ela se coloca por seus próprios meios intelectuais” (PARRAT-DAYAN; TRYPHON,1998, p. 21).

Queremos evidenciar o trabalho em grupo e o self-government como mecanismos importantes e componentes essenciais para o desenvolvimento da autonomia intelectual e moral.

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