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As análises da diversidade genética com recurso às isoenzimas apresentam algumas limitações. A detecção da actividade destas proteínas pode ser dificultada por factores que estão associados à especificidade dos tecidos que as produzem, ao controlo da expressão que é exercido durante o desenvolvimento da planta ou ainda à indução da expressão em resposta a alterações do meio ambiente. As duplicações genéticas dão origem a perfis difíceis de interpretar que podem comprometer o cumprimento dos objectivos que se pretendem atingir (Hahn e Grifo, 1996).

Nos últimos anos tem-se assistido ao desenvolvimento de métodos com base em biologia molecular, envolvendo o DNA, que podem ser usados para estimar a variação genética entre e intra espécies. A análise de polimorfismos genéticos ao nível do DNA decorre da aplicação de uma ou mais técnicas que visam o estudo de um locus de cada vez (abordagem locus-único) ou que estudam em simultâneo vários loci (abordagem múltiplo-locus). Enquanto na abordagem múltiplo-locus se produz, num único ensaio, um perfil genético (fingerprint), na abordagem locus-único, para se obter um perfil genético semelhante ao obtido na abordagem múltiplo-locus, é necessário combinar vários ensaios. A tabela 1 faz referência a algumas técnicas de biologia molecular usadas para estimar a variação genética entre indivíduos da mesma espécie ou de espécies diferentes. Cada classe de marcadores moleculares tem características particulares, no que diz respeito ao trabalho necessário para desenvolver um marcador antes da sua aplicação de forma sistemática numa população, aos requisitos experimentais de utilização do marcador e ao tipo de dados que produz.

Tabela 1. Descrição de algumas técnicas de biologia molecular usadas para determinar a variação genética

(Adaptado de Newton et al., 1999).

T é c n i c a A c r ô n i m o M e t o d o l o g i a V a n t a g e n s / d e s v a n t a g e n s

Marcadores codominantes locus-único

Restriction fragment

length polymorphism RFLP

DNA genómico digerido com endonucleases de restrição e analisado em seguida, por Southern

blotting e hibridação com recurso a

sondas.

Algumas sondas podem ser aplicadas a mais do que um grupo taxonómico.

Requer, normalmente, o uso de radioisótopos e de DNA de boa qualidade numa quantidade da ordem dos microgramas.

Cleaved amplified polymorfic sequences

CAPS PCR-RFLP

Amplificação, por PCR, de fragmentos de DNA nuclear ou organelar com primers específicos. Digestão dos fragmentos

amplificados com enzimas de restrição e visualização, por electroforese em gel de agarose ou poliacrilamida.

Requer quantidades de DNA na ordem dos nanogramas. A determinação da sequência dos

primers dirigidos especificamente

para determinados loci é laboriosa e dispendiosa. Por vezes podem usar-se primers universais dirigidos para loci específicos. Neste caso, genes codificados por mais do que um

locus ou os pseudogenes podem

ser amplificados a partir do DNA genómico, ocasionando erros na identificação dos alelos e nas frequências alélicas. Microsatélites ou Simple sequence repeats SSRs

Utilização de primers específicos para amplificação, por PCR, de regiões hipervariáveis dos genomas nuclear e organelar, constituídas por motivos repetidos, por exemplo, (GA)n

Análise inequívoca de alelos de um único locus.

As regiões do genoma que possuem os microssatélites variam entre os grupos taxonómicos impossibilitando a utilização dos primers em várias espécies. O desenvolvimento de

primers específicos sempre que

se pretende analisar uma espécie nova é dispendioso e laborioso.

Marcadores dominantes múltiplo-locus

Random amplified

polymorphic DNA RAPD

Amplificação por PCR de

fragmentos distribuídos ao acaso no genoma inteiro com primers de sequência curta (10 bases).

Permite analisar regiões

codificantes e não codificantes de quase todos os genomas de árvores. A reprodutibilidade dos resultados é baixa e podem aparecer amplificações que correspondem a artefactos. A localização dos marcadores moleculares é desconhecida, a não ser que se efectuem cruzamentos controlados.

Amplified fragment

length polymorphism AFLP

DNA genómico é digerido com duas enzimas de restrição, uma que corta com muita frequência e outra com pouca frequência. Às extremidades protuberantes ligam-se adaptadores oligonucleotídicos sintéticos complementares e amplificam-se fragmentos de DNA distribuídos por todo o genoma usando primers que se hibridam nos adaptadores e que possuem 1, 2 ou 3 bases adicionais na extremidade 3’. Um dos primers é marcado com fluorescência ou radioactividade e os fragmentos amplificados são separados em gel de poliacrilamida.

Os AFLP são mais reprodutíveis do que os RAPDs, mas mais dispendiosos.

É possível automatizar a leitura das bandas.

Algumas das técnicas usadas para determinar marcadores moleculares, tais como AFLPs e RAPDs, não necessitam do conhecimento prévio de sequências de DNA da espécie que se pretende analisar, porque aplicam a PCR para amplificar múltiplas regiões do genoma com primers que não são específicos e que podem ser usados em todos os organismos vivos. Estes métodos são particularmente úteis para uma primeira análise do genoma duma espécie. No entanto, os marcadores AFLP ou RAPD são lidos normalmente como marcadores dominantes e, por isso, não é possível determinar a variação específica de um locus único. Alguns autores fizeram referência à possibilidade de ler bandas electroforéticas, com origem em loci heterozigóticos, considerando a intensidade da banda (Ajmone-Marsan et al., 1997).

Estas técnicas têm sido aplicadas em Quercus, de forma isolada ou combinada, consoante o propósito a que se destinam e o objectivo que se pretende atingir. Bakker et al. (2001) usaram os microssatélites e os AFLPs para analisar o número, o tamanho e a distribuição no espaço, de clones de Q. robur e Q. petraea de populações antigas, localizadas em regiões densamente povoadas pelo homem e que serviram ao longo de gerações para o pastoreio. Com base em seis loci de microssatélites, foram identificados 14 genótipos distintos, nove em Q. robur e cinco em Q. petraea, numa área com 80 árvores. A análise por AFLP resultou na obtenção de 69 fragmentos polimórficos com duas combinações de primers e as 80 árvores foram agrupadas em 14 grupos que reunem indivíduos muito semelhantes entre si (95 %-100 %). Estes 14 grupos correspondem aos clones identificados com os microssatélites, com a diferença de que entre alguns indivíduos colocados no mesmo grupo AFLP, havia até um máximo de seis bandas electroforéticas que os diferenciava. Estes autores consideram que estes polimorfismos podem ser o resultado de mutações somáticas ou que podem ser artefactos criados na reacção de amplificação, apesar de terem verificado a sua existência noutros genótipos e de serem fragmentos reprodutíveis (Bakker et al., 2001). Em Q. suber, a análise por AFLP foi usada precisamente para verificar a estabilidade genética de plantas provenientes de culturas de tecidos (clones). Partindo do pressuposto que a qualidade da cortiça é geneticamente controlada, teria todo o interesse seleccionar árvores adultas e proceder à propagação vegetativa por embriogénese somática com produção de clones geneticamente estáveis. Hornero et al. (2001) induziram a embriogénese somática, a partir de folhas de rebentos colhidos em três árvores adultas e analisaram os clones produzidos, por AFLP, com três combinações de primers diferentes. Numa das árvores, o perfil AFLP das folhas dos rebentos e dos

embriões somáticos era idêntico, enquanto nas linhas embriogénicas produzidas a partir das outras duas árvores foram detectados níveis de polimorfismo de 5,6 % e 7,3 %. Como os clones de Q. robur e Q. petraea analisados por Bakker et al. eram provenientes de propagação vegetativa, é provável que a variação genética detectada na análise por AFLP tenha a sua origem em mutações somáticas.

Em 2002, Mariette et al. compararam os níveis de diversidade genética inter-populações e intra-populações, detectados com marcadores AFLP e microssatélites, em povoamentos mistos de Q. petraea e Q. robur. Os resultados obtidos pelos microssatélites e pelos AFLPs foram semelhantes, mostrando que a diversidade genética no interior das populações e a diferenciação genética entre populações é superior em Q. petraea do que em Q. robur. Nos AFLPs, a variação inter-locus (variação entre indivíduos com base em amostras de loci do genoma) é sempre muito superior à variação intra-locus (variação para todos os loci entre indivíduos de uma população) e por isso não foi possível distinguir populações com base nesta técnica. Aqueles autores referem que quando se pretende encontrar diferenças na análise da diversidade a vários níveis, devemos optar por analisar mais loci do que analisar mais indivíduos (Mariette et al., 2002). Uma das limitações associadas ao uso de microssatélites traduz-se na não correspondência das regiões hipervariáveis entre espécies diferentes impedindo a transferência dos primers da PCR que amplifica especificamente estas regiões, de uma espécie para outra. No entanto, em Q. suber foram testados 24 conjuntos de primers que tinham sido desenvolvidos para Q. myrsinifolia, Q. petraea e Q. robur com uma taxa de sucesso de 54 % (13 loci). Foram detectados níveis elevados de variabilidade genética relativamente ao número de alelos (7,5 alelos/locus polimórfico) e à heterozigocidade observada (Ho=0,572) (Hornero et al., 2001). A verificação de que alguns destes marcadores são conservados entre espécies do genéro Quercus, permite que se iniciem estudos de diversidade genética em Q. suber sem que seja necessário passar pelas etapas de desenvolvimento de microssatélites nesta espécie.

A variação genética em carvalhos tem sido estudada principalmente com recurso à técnica PCR-RFLP (Polymerase Chain Reaction-Restriction Fragment Length Polymorphism) aplicado ao DNA dos cloroplastos (cpDNA). O genoma destes organelos do citoplasma é herdado do progenitor feminino e funciona como uma unidade de transmissão não sujeita a recombinação. Em consequência, os padrões de variação do cpDNA reflectem o fluxo de genes através de sementes. Foram desenvolvidos primers universais que hibridam em regiões não codificantes do genoma

dos cloroplastos, consideradas as regiões que apresentam as taxas de mutação mais elevadas. A variação genética ao nível do DNA dos cloroplastos (cpDNA) dos carvalhos brancos da Europa foi estudada por um consórcio de 16 laboratórios (Petit et al., 2002). Neste estudo foram identificados, pelo menos, 32 haplotipos correspondentes a seis linhagens diferentes, partilhados por seis espécies de Quercus, estruturados de acordo com a localização geográfica e que reproduzem a história da recolonização pós-glaciar das populações (Petit et al., 2002). Na Europa, muitos animais e plantas sobreviveram ao período glacial Quaternário em refúgios isolados, localizados no sul do continente. É previsível que, durante a longa fase de isolamento geográfico, as populações se diferenciassem geneticamente umas das outras. Após o final da última era glacial, as populações anteriormente isoladas entraram em contacto umas com as outras durante a recolonização do Norte e Centro da Europa e a amplitude com que foi transferido o material genético (fluxo de genes) entre elas determinou a distribuição da informação genética actual. Em Itália, ao estudarem a variação do cpDNA em 194 populações de quatro espécies de carvalhos brancos (Q. robur, Q. petraea, Q. pubescens e Q. frainetto) Fineschi et al. (2002) verificaram que a Sicília, a Sardenha e a Córsega constituíram os três principais refúgios destas espécies de carvalhos brancos, desempenhando um papel fundamental na conservação das populações e da diversidade genética (Fineschi et al., 2002). Trinta e quatro populações das 194 (17,5 %) estão representadas por mais do que um haplotipo (PCR-RFLP) e não foram encontrados haplotipos específicos de uma espécie, verificando-se que a distribuição dos haplotipos em cada espécie reflecte a localização geográfica. O valor da diversidade genética total observado em Itália é inferior ao valor observado na Península Ibérica e nos Balcãs. Os valores dos coeficientes de diferenciação genética são elevados, indicando que uma grande parte da diversidade genética corresponde à diversidade entre populações, o que é sugerido pelo facto de existirem regiões caracterizadas pela presença de um único haplotipo (Fineschi et al., 2002). Dentro do mesmo âmbito e com o mesmo objectivo foram estudadas 426 populações de Q. robur e Q. petraea da Europa Central (Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Alemanha, República Checa e Aústria), tendo-se observado a existência de 11 haplotipos pertencentes a quatro linhagens diferentes com origem em refúgios existentes na Península Ibérica, na Península Alpenina e na Península Balcânica (König et al., 2002). No estudo realizado por Petit et al. (2002) em 2613 populações de carvalhos brancos, os autores observaram que a partilha do genoma dos cloroplastos, que se verifica nas espécies de carvalhos brancos, não é extensiva a outras secções do

género. Os haplotipos do cpDNA característicos de Q. suber, Q. cerris e Q. ilex não foram encontrados nos carvalhos brancos. A troca de genes entre os carvalhos brancos e as espécies da secção Cerris ou Q. ilex parece ser mais limitada (Petit et al. 2002). No entanto, a grande divergência encontrada ao nível das sequências do cpDNA das espécies Q. suber e Q. ilex não impede estas espécies de trocar este tipo de genomas entre si, como foi observado por Belahbib et al. (2001) para as populações de Marrocos. Se bem que seja importante analisar a variabilidade das espécies ao nível do cpDNA, é necessário ter em conta que os padrões de variação das populações, com base na análise deste tipo de genoma, podem ser muito diferentes dos padrões obtidos na análise de loci de genes do núcleo, herdados de ambos os progenitores. Finkeldey e Mátyás (2003) compararam os padrões de variação genética obtidos por análise ao cpDNA e por análise de perfis de isoenzimas, em 28 populações de carvalhos da Suíça. Os perfis isoenzimáticos caracterizam as populações de acordo com a espécie, mas não reflectem a diferenciação das populações com base nos haplotipos do cpDNA. A história das populações, durante a época glacial e após esta época, não é ilustrada pela variação dos loci dos genes do núcleo.

A utilização de marcadores moleculares como fonte de informação para estudos de conservação das espécies deve ser suportada, de preferência, por dados com proveniência na análise de genomas dos organelos citoplasmáticos e do núcleo.