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II. ASPECTOS MOLECULARES DA INTERACÇÃO ENTRE Q suber E P.

II.1.1. Processo infeccioso

Alguns organismos vivem em contacto directo com organismos de outras espécies, retirando-lhes os nutrientes ou beneficiando do parasitismo de outras maneiras. De Bary, um micologista e fitopatologista do século XIX, descreveu esta associação como simbiose, em que o hospedeiro é referido como o organismo de maiores dimensões. Este investigador fez referência a dois tipos de relação simbiótica, uma em que as duas espécies beneficiam (mutualista) e outra em que apenas uma das espécies beneficia (parasítica). Um parasita que danifica de forma perceptível um hospedeiro é definido como agente patogénico (Carlile et al., 2001). Phytophthora cinnamomi é um agente patogénico exótico e altamente destrutivo que parasita cerca de 900 plantas lenhosas vivas. O nome do género Phytophthora De Bary, deriva do grego “phyton” para planta e “phthora” para destruição. P. cinnamomi está associado à doença da tinta da nogueira e do castanheiro (Agrios, 1991; Gouveia, 1993), à presença de cancros nos troncos de Q. rubra e de outras plantas ornamentais em França (Robin et al., 1994), ao declínio que afecta três espécies de carvalhos no México (Tainter, 2000), à destruição das florestas de Jarrah (Eucalyptus marginata) no sudoeste da Austrália (Shearer and Tippett, 1989) e mais recentemente, comprovadamente associada ao declínio das manchas florestais de sobreiro (Q. suber) e azinheira (Q. rotundifolia; Q. ilex) na Península Ibérica (Brasier, 1992; Brasier et al., 1993; Marcelino, 2001; Sánchez et al., 2002).

A elevada destruição associada ao género Phytophthora e a incapacidade, por vezes, de compreender a forma diferente de actuar das várias espécies que compõem o género, assim como a rapidez e extensão das doenças que provocam, levou alguns investigadores a considerar que só será possível efectuar um controlo sustentável das doenças provocadas por Phytophthora quando se compreender a forma como o processo infeccioso decorre, quer a nível celular, quer a nível molecular. Os exemplos descritos

relativamente à biologia, patologia e estrutura dos fungos superiores nem sempre se adaptam aos oomicetas porque, filogeneticamente, estes fungos ocupam uma linha evolutiva única, não relacionada com os fungos superiores e próxima da das algas castanhas. Segundo Margulis (1992), o género Phytophthora pertence actualmente ao Super Reino Eucariota, Reino Protista, divisão IV e à classe Oomycota (fungos gelatinosos, parasitas de plantas e insectos). Ocupa nesta divisão a posição 35. Recentemente, dados obtidos a partir de sequências em aminoácidos de proteínas mitocondriais e de proteínas de genes cromossómicos reforçaram esta classificação (Lang et al., 1999; Baldauf et al., 2000). Segundo Kamoun (2001) e de acordo com estas análises, é evidente que os oomicetas desenvolveram a capacidade de infectar plantas de forma independente da dos outros agentes patogénicos e é provável que possuam mecanismos singulares para o fazer.

Todas as plantas são naturalmente resistentes ao ataque por parte dos microorganismos através da denominada incompatibilidade básica ou resistência por parte de plantas não hospedeiras (non-host resistance) e, por isso, ocorrer doença é mais uma excepção do que uma regra. A resistência por parte das plantas não hospedeiras advém da incapacidade do parasita para reconhecer a planta e infectá-la ou da capacidade da planta para activar de forma rápida os seus mecanismos de defesa que, ao actuarem com sucesso, lhe conferem protecção (Kombrink e Somssich, 1995).

Num processo infeccioso os mecanismos a utilizar pelos fungos vão depender, no início, da localização dos órgãos das plantas a colonizar. A colonização das superfícies das plantas que estão acima do solo (ramos, folhas, flores, frutos, tronco) e que estão em contacto com o ar e com a água das chuvas e orvalho, faz-se através de esporos. Deste processo fazem parte a produção de esporos, a sua libertação, a dispersão no ar e a colonização dos tecidos. Nas infecções dos órgãos subterrâneos das plantas os fungos utilizam quase sempre as hifas para atacar as raízes, sendo o crescimento destas estruturas suportado pelo solo envolvente. As raízes e o solo são locais ideais para o desenvolvimento microbiano porque os nutrientes e a água estão presentes próximo das raízes e o solo protege os microorganismos da luz solar, oferecendo condições de vida com temperatura e humidade mais constantes do que à superfície (Carlile et al., 2001).

A maior parte dos fungos patogénicos que atacam a parte superior das plantas fá-lo em locais onde existe uma camada externa de células vivas (epiderme), tais como folhas, ramos, flores ou frutos. As superfícies lignificadas e suberizadas, como as do tronco, são praticamente inexpugnáveis aos fungos, a não ser que estejam danificadas.

O processo de infecção inicia-se logo que o fungo entra em contacto com a superfície da planta e da interacção fungo-patogénio fazem parte um conjunto de sinais que têm origem na superfície do tecido a colonizar. Quando a percepção do fungo é favorável relativamente ao hospedeiro, o fungo germina e desenvolve as estruturas necessárias à penetração da cutícula (Kolattukudy et al., 1995). O processo de deposição dos esporos nas partes aéreas das plantas é feito de forma passiva, os propágulos transportados pelo ar ou pela água dependem do acaso para encontrarem o tecido apropriado de uma planta com um genótipo susceptível (Niks e Rubiales, 2002).

Os sinais que devem ser captados pelo fungo fazem parte dum conjunto de eventos denominado “sinalização por parte da superfície em patogénese” (surface signaling in pathogenesis). Em 1995, num colóquio sob o tema “A auto-defesa por parte das plantas: mecanismos de indução e sinalização”, Kolattukudy secundado por outros investigadores, apresentou vários exemplos do que pode funcionar como sinal, presente na superfície das plantas. De um modo geral, foram apontados como sinais que induziam no fungo, a diferenciação celular com produção de estruturas infecciosas, a topografia das plantas e a presença de químicos na superfície dos órgãos a colonizar (Kolattukudy et al., 1995).

O fungo Uromyces appendiculatus, por exemplo, penetra nas folhas através dos estomas depois da formação do appressorium que é induzido por sinais topográficos. Em laboratório, foi obtido o mesmo resultado com redes de microfibras que se aproximavam no formato e relevo à superfície do estoma. Foi proposto que o processo de diferenciação seria desencadeado por substâncias químicas mecânico-sensitivas que são induzidas pela topografia das folhas e que provocam um aumento do fluxo de iões ao nível da membrana plasmática do fungo (Zhou et al., 1991).

As ceras presentes na superfície das plantas também podem funcionar como sinais nas interacções fungo-planta. A germinação dos esporos de Colletotrichum gloeosporioides com formação do appressorium é induzida, de forma selectiva, pelas ceras da superfície do fruto hospedeiro (neste estudo, o abacate) (Podila et al., 1993). Ceras doutras plantas não são capazes de induzir a diferenciação em C. gloeosporioides e as ceras do abacate não são reconhecidas por outras espécies de Colletotrichum, comprovando a especificidade do sinal emitido pelo hospedeiro. Foi observado experimentalmente que a fracção das ceras constituída por álcoois de cadeia hidrocarbonada longa (>C24) é mais activa na indução da formação de estruturas infecciosas em C. gloeosporioides e que a adição de ceras doutras plantas às ceras do

abacate inibiam a diferenciação no fungo. Considera-se que devem existir nas ceras substâncias indutoras e substâncias inibidoras da germinação dos esporos e da formação do appressorium e que a proporção destas substâncias nas ceras do hospedeiro é determinante para a especificidade observada entre o patogénio e o hospedeiro (Podila et al., 1993).

O etileno, também denominado hormona do amadurecimento, é usado pelos fungos como sinal para fazerem coincidir a infecção com o amadurecimento dos frutos. Os propágulos dos fungos permanecem em estado de dormência na superfície dos frutos até ao início da produção de etileno gasoso, que ocorre durante o amadurecimento. Nesse momento, os fungos iniciam a germinação, com ramificação das hifas e formação de múltiplos appressoria a partir de um único esporo. Usando o etileno como sinal, o fungo coordena a infecção com o amadurecimento dos frutos e amplifica a patogenicidade, garantindo a entrada do fungo em mais do que um sítio, a partir de um único esporo (Flaishman e Kolattukudy, 1994).

O processo infeccioso nas raízes das plantas tem certamente alguns contornos diferentes do processo que ocorre nas folhas. Tal como os ramos, as raízes, nos primeiros estados de desenvolvimento estão cobertas por uma camada de células vivas: a epiderme. A epiderme das raízes está coberta de mucilagem e não está protegida por uma cutícula hidrofóbica como as folhas. Na região dos pêlos radiculares, normalmente alguns milímetros atrás da extremidade da raiz, crescem extensões das células epidérmicas e a extremidade da raiz é coberta pelo cap, que é composto por células que morrem e que são descartadas à medida que a raiz cresce. Estas células, em conjunto com a mucilagem e os exsudados celulares, fazem das raízes uma fonte rica em nutrientes para os microorganismos do solo, suportando a microflora da rizosfera que inclui fungos saprofíticos e parasitas assim como organismos que vivem em simbiose (Carlile et al., 2001).

Para os agentes patogénicos do solo como P. cinnamomi, a forma de se aproximar do hospedeiro difere da usada pelos fungos que usam esporos transportados pelo ar. Os esporos não podem viajar para tão longe, nem tão depressa, no solo e portanto, a sua dispersão é mais limitada. Para a maior parte das espécies de Phytophthora o contacto inicial com uma planta que funciona como hospedeiro potencial é feito através de zoósporos móveis, biflagelados. Estes zoósporos nadam activamente na água e podem viajar 25-35 mm em solos alagados. O flagelo anterior projecta-se para a frente da célula e puxa-a e o flagelo posterior funciona como um leme

que orienta a direcção do zoósporo enquanto ele nada. Os zoósporos não possuem parede celular e a superfície externa é delimitada pela membrana plasmática. Tal como muitos protistas, fazem a regulação osmótica através de um vacúolo contráctil que retira água do citoplasma e que a bombeia ciclicamente para fora da célula (Hardham, 2001).

Os zoósporos reúnem-se nas superfícies das raízes, principalmente na região de elongação, imediatamente atrás da extremidade da raiz, evitando a região do cap. Foi demonstrado que são atraídos por substâncias que fazem parte dos exsudados radiculares como álcoois, aminoácidos, açúcares, ácidos gordos e aldeídos, mas não há evidências de que, neste tipo de atracção, exista especificidade para com o hospedeiro. Normalmente, os zoósporos são atraídos da mesma forma para raízes de plantas hospedeiras ou não-hospedeiras. Há, no entanto, evidências que o campo eléctrico que se cria em redor das raízes desempenha um papel importante na atracção dos zoósporos (Van West et al., 2002).

Morris and Gow (1993; citado em Carlile et al., 2001) mediram o potencial eléctrico nas extremidades das raízes de ervilhas e submeteram em laboratório suspensões de zoósporos de Pythium aphanidermatum e de Phytophthora palmivora a campos eléctricos de magnitude semelhante. Estes autores verificaram que os esporos de Pythium se moviam em direcção ao pólo negativo e que os esporos de Phytophthora se moviam em direcção ao pólo positivo. Observaram também que, ao danificarem uma raiz, o local do traumatismo ficava carregado negativamente. Quando colocaram os zoósporos de Pythium em contacto com a raiz danificada observaram que eles eram atraídos para a região do traumatismo. Ao fazerem a lavagem dos zoósporos de Pythium da superfície e a substituição por zoósperos de Phytophthora observaram que estes se acumulavam nas regiões não danificadas da superfície da raiz, carregadas positivamente (Figura 42).

Estas observações confirmam que, contrariamente ao que acontece com a maioria dos outros fungos patogénicos que habitam o solo, as espécies do género Phytophthora, só atacam os tecidos saudáveis.

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Figura 42. Fenómeno de atracção dos zoósporos de oomicetas para as raízes das plantas. Nas raízes das plantas criam-se correntes eléctricas e campos eléctricos resultantes do transporte de iões que ocorre na superfície. A direcção em que nadam os zoósporos quando são submetidos a um campo eléctrico varia de espécie para espécie. Os zoósporos de Pythium aphanidermatum movimentam-se em direcção ao cátodo, enquanto que os zoósporos de Phytophthora palmivora se dirigem em direcção ao ânodo. A superfície das raízes possui uma carga eléctrica positiva mas, quando é danificada, a carga eléctrica passa a negativa nos locais da lesão. A: os zoósporos de Pythium quando estão na presença de uma raíz danificada são atraídos para os locais da lesão. B: os zoósporos de Phytophthora quando estão na presença de uma raíz danificada agregam-se em torno dos locais da raíz sem lesões (Desenho da autoria de Morris e Gow, 1993, Phytopathology 83, 877-882; referido por Carlile et al., 2001).

Os zoósporos, uma vez em contacto com a superfície das raízes, enquistam e neste processo perdem os flagelos, excretam uma substância adesiva e formam uma parede celular. Antes de enquistar, os zoósporos orientam a superfície ventral, que é a região de onde emergem os flagelos, na direcção da raiz. A adesão dos esporos dos patogénios à superfície dos hospedeiros é um passo importante no processo de infecção, porque previne que eles sejam arrastados da raiz antes de a invadirem. Se os hospedeiros sintetizassem substâncias que inibissem a adesão dos esporos, provavelmente a taxa de sucesso nas infecções seria mais reduzida. O processo infeccioso continua com a germinação dos cistos e formação do tubo germinativo, que emerge da posição correspondente ao centro da região ventral dos zoósporos, antes de enquistarem. Os tubos germinativos penetram nas raízes entre as células da epiderme ou, então, atravessam a parede das células da epiderme e nesta situação, as hifas aumentam de tamanho e assumem uma morfologia que alguns autores têm apelidado de tipo-appressorium. Na progressão através da parede celular não há grande inibição do tamanho de crescimento das hifas porque P. cinnamomi produz e segrega enzimas que degradam a parede celular (Hardham, 2001).

Segundo Malajczuk et al. (1977), durante a colonização da planta, as hifas de Phytophthora podem crescer entre as células no córtex da raiz ou, observado com

menos frequência, junto à membrana plasmática. No crescimento “intracelular” o fungo penetra a parede celular das células do hospedeiro mas mantém-se rodeado pela membrana plasmática da célula. O termo intracelular é usado por muitos autores, por conveniência, para distinguir da colonização externa à parede celular. As hifas sofrem uma expansão do seu diâmetro quando se encontram no interior dos tecidos e originam a dissolução da lamela média das células vegetais por acção de pectinases.

Nos hospedeiros susceptíveis, os nutrientes obtidos a partir da planta permitem ao agente patogénico ramificar e invadir os tecidos. Passados dois a três dias do início da invasão, o fungo pode formar clamidósporos nas células corticais e esporângios na superfície das raízes, para produção de novos zoósporos (Hardham, 2001).

Em sobreiros e azinheiras, após 24 horas de contacto entre o fungo e as raízes, observaram-se hifas no parênquima cortical e no floema e passados três dias de infecção o fungo, para além de se encontrar no floema, também invade o xilema e o cilindro central, sendo evidente a colonização intercelular (Marcelino, 2001).

Resultados semelhantes foram obtidos em raízes de Q. robur inoculadas com P. quercina, tendo-se observado em secções de raízes, hifas em crescimento nas regiões inter e intra-celulares do parênquima cortical, passados cinco dias de inoculação. O plasmalema de algumas células apareceu separado da parede celular, ocorreu uma diminuição da espessura das paredes celulares e destruição da endoderme pelo patogénio. Algumas hifas foram encontradas nos vasos do xilema. A destruição da lamela média ocorreu, provavelmente, pela acção de enzimas extracelulares excretadas por P. quercina (Brummer et al., 2002).