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Capítulo 1 A Históri a do “Partido Operário Comunista” (POC)

3. Análise da conjuntura política e a resposta do POC

4.1. Por que militar no POC?

A adesão a um ou outro agrupamento de esquerda se dava, muitas vezes, mais por razão dos vínculos afetivos do que propriamente pelo conhecimento

176 Vide: DANIEL, Herbert

– Passagem para o próximo sonho. Rio de Janeiro: Editora Codecri, 1982.

177 Depoimento ao autor, 19/03/2015. 178 02854

– “Circular de Organização e Coordenação”, Bahia, no. 10, 25/01/69.

179 Essas considerações devo a Maria P. Nascimento Araújo, com o seu A utopia

fragmentada: as novas esquerdas no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: Editora da FGV,

pormenorizado do programa político da mesma. Para Otacílio Cecchini, a opção pelo POC, se deveu,

por um lado pela aproximação teórica, e de outro, por questões práticas mesmo. É igual junção de interesses, de grupo, não muito racional, fraterno. O meu se dava com o meu irmão, que estava preso ... e os amigos, que são leais, e isso te levava um pouco a ficar com nesse grupo.180

Em outro exemplo emblemático, o POC chegou a constituir, através de vínculos de amizade entre seminaristas e um militante, uma OPP no Seminário Anglicano de São Paulo, localizado no bairro de Santo Amaro. Esse contato e a facilidade em abrigar jovens nas acomodações do seminário mostrou-se imprescindível para estancar as quedas em meados de 1970. Vários militantes procurados pela polícia ficaram dias escondidos no seminário.

Também no Rio Grande do Sul, onde o POC foi expressivo até a queda geral de meados de 1971, o ingresso na organização se dava, igualmente, em função de vínculos afetivos. A descrição de Eliana dos Reis é precisa:

A relação entre Flávio Koutzii, Marco Aurélio Garcia e Luiz Paulo Pilla Vares e outros ativistas também se sustentou em bases afetivas. Os pais dos dois últimos eram advogados e amigos. Outras duas componentes do „grupo‟ eram Sonia Pilla e Elizabeth Souza Lobo, amigas desde o segundo grau quando ambas e também Koutzii foram colegas no Colégio Aplicação. (p. 199)

E, endossando os depoimentos acima, a vinculação de Nilton Barbosa à AP e, posteriormente ao POC se deu, também, pelos mesmos motivos: “eu entrei na AP porque estava namorando uma pessoa da USP, da Matemática, a Teca. Depois, entrei no POC com ela. Quando fui para o POC, ela foi comigo”.181

Outra motivação pela opção ao POC foi apontada por Leane Ferreira. Descrevendo as razões que a levaram a aderir ao POC, se refere, dentre

180 Depoimento ao autor, 19/03/2015. 181 Depoimento ao autor, 28/04/2015

outras, ao “internacionalismo ... me seduziu muito a idéia de que um grupo se preocupava com o Vietnã, se preocupava com o que acontecia em outros países do mundo”.182

Percebe-se que uma das mais recorrentes estratégias utilizadas pelo POC para arregimentar militantes era através dos cursos de formação política. Vejamos o longo, mas relevante depoimento de Leane Ferreira.

Eu tinha 19 anos e nunca tinha lido nada de política, era bem pouco politizada, não tinha clareza de nada. Não estava nem na universidade. Eu tava fazendo um curso chamado Secretariado.

Eu tinha feito o Científico, mas, não tinha gostado. E como eu já trabalhava no banco, não tinha nenhum curso durante o dia para eu completar o colegial a não ser o Secretariado. Eu fui então fazer esse curso que era dentro da UFRGS.

Fazia um ano que eu trabalhava no banco quando conheci um pessoal que era da UFRGS e que era politizado. Fazia parte do movimento estudantil. Daí eu fui fazer parte de um grupo de estudos. A gente lia os livros da Editora Vitória, escritos em português, que acho que o “partidão” trazia da Rússia. Depois que eu tava participando desse grupo que soube que se tratava de uma OPP do POC. Portanto, minha escolha pelo POC não foi propriamente uma escolha, quando eu vi, já tava lá. Então, o POC veio junto com a descoberta da política. E, para mim era tudo muito justo. A posição do pessoal que já era militante, era muito acertada; eu achava aquilo tudo muito correto para ao jeito com eu via o mundo. Combinava com o meu jeito.

É importante salientar que não havia militantes profissionais no POC. Salvo aqueles membros das direções nacional e estaduais procurados pela polícia, e aqueles na mais severa clandestinidade, todos os membros do partido viviam às suas próprias expensas. Mesmo muitos dos clandestinos, deslocados entre as diferentes Secretarias Regionais, conseguiam sobreviver graças a “bicos” que realizavam. Outros ainda, com documentos falsificados, obtinham colocação formal no mercado de trabalho. Leane de Almeida, por exemplo, no seu depoimento, revelou que sobrevivia graças a trabalhos de tradução e de aulas particulares de idiomas que conseguia. Stanislaw Szermeta, operário industrial em Osasco, ao refugiar-se em Porto Alegre, em

1970, conseguiu empregar-se numa indústria metalúrgica local graças à documentação falsificada.

Considerações Finais

O POC procurou estruturar-se nacionalmente, através de Secretarias Regionais, que abrangiam os estados onde estavam estabelecidas. Ao nível estadual eram feitas as eleições locais para a respectiva direção e as indicações para a coordenação e assistência de células. As secretarias indicavam também os delegados para as conferências e congressos. Todas as secretarias tinham o mesmo organograma e obedeciam, necessariamente, ao regimento interno nacional. A linha política a ser seguida por cada Secretaria tinha que ser, obrigatoriamente, aquela estabelecida pela Direção Nacional; adaptações às circunstâncias locais eram admitidas e, até mesmo estimuladas pela Direção Nacional, desde que não implicasse em “desvios”. Pretendia-se que predominasse no partido os princípios do “centralismo democrático”, isto é, amplo debate interno até a tomada de uma posição e fidelidade inquestionável a posição assumida. Debates acalorados foram travados no partido em torno de uma definição mais precisa da idéia do “centralismo democrático”.

A regularidade e imprensa partidária era uma das maiores preocupações da Direção Nacional e das Secretarias Estaduais. Entendida como um dos canais mais importantes de divulgação das suas idéias junto ao público alvo, via-de-regra estudantes, operários e militantes de outras organizações. Por essa razão, as Secretarias Estaduais empenhavam-se na preservação em segurança dos equipamentos de impressão (mimeógrafos e impressoras “off set”) e no deslocamento de militantes especialmente qualificados para o trabalho com a imprensa. E, além do jornal “oficial” do partido, o “Política

Operária”, as Secretarias e as células produziam panfletos e informes de ocasião, destinados a públicos específicos, a exemplo de operários de determinadas fábricas ou regiões da cidade.

A composição do partido era basicamente estudantil, sobretudo universitária. Em São Paulo, na Guanabara, Bahia, e no Paraná, a influência da POLOP nos meios estudantis foi responsável pela relativa força que o POC contava nesses estados. No Rio Grande do Sul, a primeira “leva” da militância provinha, sobretudo da dissidência local do PCB, de base, sobretudo, estudantil.

Esse fator certamente contribuiu para que se reforçasse a opinião generalizada na esquerda, e auto-estimulada pela própria militância do POC, de que se trava de um partido “intelectualizado”. Para outros setores da esquerda essa característica era marca da sua origem “pequeno burguesa” - ora, como um partido pode se pretender “operário e comunista” se é composto por “pequenos burgueses”, indagavam seus detratores? Contudo, para os membros do POC, não havia contradição; essa era uma marca de distinção, indicativa da correção da linha política do partido, uma vez que a consciência de classe provém de fora da própria classe.

Percebemos pelos depoimentos colhidos junto aos ex-militantes do partido, que as razões que os levaram a ingressar no POC foram, em alguns casos, de natureza pessoal – amizades, namoros, influência de professores. E, para outros, ainda que os dois motivos não fossem excludentes, predominou a atração pela “aura” de “intelectualismo” que o POC tinha junto aos estudantes. E, essa mesma opinião se mantém até os dias de hoje, sendo um dos

argumentos utilizados para distinguir o POC das organizações propriamente militaristas.