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3. O GOVERNO JOÃO GOULART: PERÍODO PARLAMENTARISTA

3.1 O VETO MILITAR E O NOVO REGIME POLÍTICO

Após a surpreendente renúncia de Jânio Quadros surge uma crise dentro do sistema político brasileiro. A Constituição de 1946 previa, caso o presidente ficasse impedido de governar, ou renunciasse, como o ocorrido, que o vice-presidente deveria assumir o comando do país. Mas apesar de estar enfatizado na Constituição, a questão da sucessão presidencial causou grande discussão no Congresso.

Este período conta com uma intensa mobilização civil e militar, com a definição dos grupos que queriam a quebra da organização institucional, por um lado, e os defensores da democracia e da legalidade, por outro. Mas nem todos os membros do segundo grupo apoiavam João Goulart e sua ideologia de reformas de base, queriam apenas a preservação do regime democrático e a continuidade da ordem legal.

a mobilização em torno da defesa da posse de Goulart não se restringia apenas aos seus partidários ou apoiadores, e sim, contava com o apoio de vários setores que viam negativamente o veto feito pelos ministros militares, incluindo alguns setores conservadores, em outras palavras, não era um apoio a Goulart e sim um apoio à continuidade de um estado de direito, da normalidade constitucional.

Como era previsto, João Goulart deveria tomar posse da Presidência, mas ele estava em uma missão oficial à China e na ausência do vice-presidente, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, era o próximo na linha de sucessão, então, este é empossado Presidente em sessão extraordinária no mesmo dia da renúncia de Jânio (SKIDMORE, 2010). A ideia do Congresso era logo empossar Mazzilli para com isso abafar as possíveis manifestações populares e partidárias para o retorno de Jânio e, assim, colocar um fim em seu governo.

Com o presidente da Câmara assumindo as responsabilidades interinamente nesta época, os ministros militares Odílio Denys, ministro da Guerra, Silvio Heck, ministro da Marinha, e Grün Moss, ministro da Aeronáutica, tentaram impedir a volta de Jango ao Brasil. Tudo se iniciou com a divulgação de uma breve nota, no dia 28 de agosto, na qual os ministros buscavam aprovar o veto à posse do então vice-presidente, porém, sem nenhuma justificativa. O Congresso se apresentou contrário ao veto e, não satisfeitos, os ministros militares divulgaram um manifesto a população, no qual explicitavam as razões para vetar Goulart. E, com base em Toledo (1986, p. 12), neste manifesto era exposto que João Goulart incentivava e promovia movimentos grevistas, assim como, era simpatizante dos regimes que vigoravam na União Soviética e na China e iria mergulhar o país no caos, na anarquia, na luta civil, pois para os militares, Jango simbolizava tudo aquilo que havia de ruim na vida política do país, era demagogo, subversivo e implacável inimigo do capitalismo. Esperavam, deste modo, que o Congresso mantivesse Mazzilli na presidência interina até a convocação de eleições no prazo de sessenta dias.

Entretanto, esta visão dos militares não era partilhada por todos os grupos da sociedade e da política. Estes não viam motivos para impedi-lo de exercer o cargo de Presidente, eram governadores estaduais, parlamentares federais e estaduais, sindicatos de trabalhadores, organizações empresariais, estudantes e alguns setores militares que se identificavam com os ideais nacional-reformistas, com a democracia liberal e com a ordem constitucional (TOLEDO, 1986). Faziam parte do grupo central na política, no qual o importante seria defender o regime democrático e a ordem legal, não concordando com a ideologia das alas extremistas da direita e da esquerda.

A primeira aparição pública do apoio a continuidade da democracia veio do Rio de Janeiro, onde o marechal reformado Henrique Teixeira Lott defendeu a posse de Jango e chamou o povo a defender a Constituição. Por causa dessa atitude, Lott é preso, mas antes, orienta Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, a procurar alguns militares no estado que seriam favoráveis a legalidade (RUBIATTI, 2008). Pois, mesmo dentro das Forças Armadas não havia um consenso para o veto de Goulart. O comandante do Terceiro Exército, sediado no estado do Rio Grande do Sul, anunciou seu apoio à João Goulart e sem essa manifestação contrária ao “golpe”, o grupo pró-legalidade não conseguiria reagir ao veto dos ministros militares. O comandante contava com o apoio de Brizola e este logo se pôs a organizar manifestações de massa em Porto Alegre, segundo Skidmore (2010, p. 253). Como pode-se verificar, as opiniões dentro da esfera dos militares, assim como, dos partidos de direita ou esquerda, não formavam uma unidade, no meio das próprias organizações havia membros que se identificavam com diferentes correntes.

Assim, a resistência ao golpe militar, chefiada pelo governador do Rio Grande do Sul, começa a ganhar força e a aderência de novos membros, organizações militares sediadas nos estados do Pará, Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Guanabara e Brasília associavam-se ao movimento (TOLEDO, 1986). Mesmo proibidas, as manifestações populares nos grandes centros urbanos ocorriam sucessivamente, conforme Rubiatti (2008, p. 100),

diversas instituições civis aderiram à campanha, como por exemplo, a OAB, a CNBB, a UNE, diversos sindicatos – que organizavam manifestações, comícios e greves em favor da continuidade legal –, associações comerciais e profissionais, uma ala da Igreja, intelectuais e líderes políticos – como, por exemplo, Juscelino Kubitschek.

E impedir a posse de Jango neste momento seria abdicar ao princípio das eleições livres e desamparar o voto de tantos eleitores que colocaram-no na posição de vice-presidente e confiavam nele para assumir as responsabilidades que tal cargo poderia exigir. Os “legalistas” achavam que deveria ser dada uma chance a Jango e era preciso excluir as suposições sobre o que ele iria fazer quando se tornasse presidente.

Em vias de ocorrer uma guerra civil dentro do país, os atores do conflito são levados a buscar uma saída pacífica e, é neste contexto de crise política, que uma mudança na forma de governo é proposta: o Parlamentarismo, garantindo a satisfação dos grupos envolvidos e uma solução viável para os embates, pois os que apoiavam Jango e defendiam a legalidade viam no novo regime uma solução média – ele iria assumir a presidência, mas com poderes

moderados, e para os ministros militares e os setores que desejavam o veto, o parlamento era uma maneira de diminuir a influência de Goulart nas ações governamentais (SKIDMORE, 2010; RUBIATTI, 2008).

O sistema parlamentarista como resposta à crise política foi produto de um pequeno grupo de entusiastas desse regime, que tinham como “líder” Raul Pilla, que atribuía ao sistema presidencialista os problemas do Brasil, conjuntamente com este pequeno grupo, os dois grandes partidos conservadores (UDN e PSD) articulavam, desde o início da crise, a chamada “solução de compromisso”: a emenda constitucional que instituía o regime parlamentar no país (TOLEDO, 1986). E em apenas dois dias o Congresso analisa e aprova uma mudança na Constituição que não poderia ocorrer em meio a uma crise política, social e econômica, como a que estava vigorando na época.

A emenda constitucional que implantava o parlamentarismo foi aprovada em 2 de setembro no Congresso Nacional. Em 4 de setembro, os ministros militares mandam uma carta ao presidente em exercício aceitando o novo regime. E no dia seguinte, Jango retorna ao Brasil, mantendo-se afastado do território brasileiro até o momento por conta das ameaças dos militares. Já no dia 7 de setembro de 1961, João Goulart recebeu a faixa presidencial no Congresso, se submetendo ao novo regime de governo.

O parlamentarismo se caracteriza por ser um governo de legitimação indireta, isto é, não é formado a partir do voto popular e, sim, pela votação do Parlamento; o governo se baseia na confiança da maioria do Parlamento, se não houver confiança o governo sucumbirá; a assembleia parlamentar pode ser dissolvida; e a chefia de Governo e de Estado são separadas. A função básica do chefe de Estado, exercida pelo rei ou presidente, é de arbitrar entre os poderes Legislativo e Executivo. Caracterizada, de acordo com Figueiredo apud Rubiatti (2008, p. 10), por:

i) Indicar o primeiro-ministro e o gabinete para formar o governo; ii) Nomear os funcionários estatais e fixar suas remunerações;

iii) Em casos específicos, destituir ou aceitar a renúncia do gabinete e/ou membros;

iv) Dissolver o parlamento e convocar novas eleições ou, até mesmo, estender o mandato dos parlamentares;

E as decisões do Conselho eram tomadas pela maioria dos votos dos parlamentares, e caso ocorresse um empate, o voto que iria decidir era o do Primeiro-Ministro, o chefe do Governo. Conjuntamente, suas principais funções eram:

1) Mandar para a Câmara dos Deputados a proposta de orçamento;

2) Prestar contas anualmente ao Congresso Nacional sobre o exercício anterior; 3) Ter iniciativa dos projetos de lei do governo;

4) Exercer o poder de regulação;

5) Estabelecer e manter relações com Estados estrangeiros e orientar a política externa; 6) Decretar e executar a intervenção federal.

O regime implantado no Brasil em 1961 teve três documentos legais que regulamentavam seu funcionamento e, ainda segundo Rubiatti (2008, p. 115), eram

a Emenda Constitucional nº 4 (Ato adicional a Constituição) de 2 de setembro de 1961, que instituiu o novo sistema; a Lei Complementar nº 1 de 17 de julho de 1962, que complementou a organização do sistema parlamentar; e a Lei Complementar nº 2 de 16 de setembro de 1962, que marcou o plebiscito para o dia 6 de janeiro de 1963 e dispôs sobre a vacância ministerial.

João Goulart, então, assumiu a presidência como um chefe de Estado mantendo as funções acima descritas, porém, sob supervisão do Gabinete Parlamentarista e no caso brasileiro, o presidente não poderia dissolver o Parlamento e o mandato deste poderia durar enquanto se mantivesse a confiança na chefia do governo ou até o plebiscito, previsto pela emenda constitucional número 4, que iria decidir sobre a continuidade do sistema parlamentar ou o retorno ao sistema presidencialista.

A crise de sucessão presidencial, nos dias entre a renúncia de Jânio e a adoção do Parlamentarismo, veio a evidenciar que em momentos de crise, os militares tinham uma opinião predominante e, só não ocorreu o golpe, porque eles não estavam unidos e não possuíam uma homogeneidade ideológica, pois uma parte das Forças Armadas refletia a opinião dos civis que lutavam a favor da legalidade (SKIDMORE, 2010). Mas o conflito da legalidade não estava resolvido, o ocorrido em 1961 foi apenas uma amostra do que viria a acontecer em 1964.