• Nenhum resultado encontrado

2. O GOVERNO DE JÂNIO QUADROS: GESTÃO E RENÚNCIA PRESIDENCIAL

2.5 A RENÚNCIA DE JÂNIO

Jânio permanece no comando do país apenas por sete meses, renunciando ao governo em 25 de agosto de 1961 em face de estar sofrendo pressões de “forças” que estavam se levantando contra ele8 e estas forças impediam que pudesse governar a favor das massas e

burguesia e com poderes excepcionais para implantar os projetos desejados por ele.

O governo foi marcado por fortes ambiguidades, consequência tanto da forte personalidade do presidente, quanto das diversas opiniões e expectativas, muitas vezes contraditórias, dos partidários e grupos sociais que apoiavam o governo. Não se pode negar, sobretudo, a responsabilidade do presidente neste caos político que se inicia com sua renúncia e termina com o golpe de 1964, já que este quis governar acima dos partidos, com o apoio dos militares, de modo autoritário e moralista. A autora Benevides (1981, p. 74) acrescenta que os aspectos abaixo também contribuíram em larga escala para o golpe militar três anos após a renúncia, são eles:

Em primeiro lugar, pela consolidação da intervenção militar na cena política, graças ao papel privilegiado concedido aos militares, em detrimento das forças civis. Em segundo lugar, pela exacerbação da extrema-direita organizada, que se mobiliza sobretudo pelos aspectos contraditórios da “política externa independente”. Em terceiro lugar, pela consequente radicalização, no outro extremo, dos setores populares e de esquerda.

8 Pode-se encontrar citação mais à frente neste trabalho que aborda parte da carta de renúncia do então Presidente

Tais características eram evidentes dentro do governo de Jânio, e deram início a um processo que iria perdurar por alguns anos até ser resolvido em um golpe que iria ausentar a democracia do país por mais de 20 anos.

Dentro deste emaranhado de ambiguidades e contradições de um governo “independente” que iria ter sérias consequências, Carlos Lacerda, então governador da Guanabara eleito pela UDN, passa a ter um dos papéis centrais em toda a história política dos dias que precedem a renúncia, isto em decorrência do governador ter se tornado “líder” do partido e estar insatisfeito com o fato de Jânio ter um mandato independente. Porém, o ponto chave para desencadear toda a revolta de Lacerda era a já “famosa” política externa alternativa, pois o presidente estava se identificando com políticas nacionalistas que iam de encontro aos ideais da esquerda e contra a direita, o centro e os militares tidos como anticomunistas. Para tentar desacreditar o presidente frente a classe média e aos militares, Lacerda parte para ataques públicos ao presidente, utilizando de sua influência nas rádios e televisão, tentando forçar Quadros a um confronto direto, conforme Skidmore (2010, p. 241). Lacerda ataca a Jânio em consequência, também, de seu ressentimento quanto ao “caso da mala”, no qual o governador teve sua bagagem colocada na portaria do Palácio da Alvorada, onde esperava ser atendido por Quadros e uma hospedagem como se fosse um parceiro privilegiado do governo federal. Havia contra o governo um quadro de revolta aparentemente despertado por motivos políticos e de conhecimento público, mas as rivalidades pessoais tiveram grande influência neste período de turbulência partidária.

Em meio ao caos, na noite de 24 de agosto, Carlos Lacerda faz um severo ataque através de um discurso na televisão acusando o presidente de ter planos para dar um golpe para conseguir poderes superiores ao Congresso e dizendo que o Ministro da Justiça, Oscar Pedroso d’Horta, havia o convidado para participar do golpe. Um pronunciamento que não estava sendo esperado por nenhuma das partes envolvidas (BENEVIDES, 1981).

Lacerda em seu discurso alegava apenas ter sido convidado a participar, mas com base em Bandeira (1979, p. 50), ele havia traído a trama golpista, que até aquela hora, estava envolvido, comunicando também a imprensa que o presidente estava em crescente inquietação e que poderia chegar a renúncia caso não obtivesse do Congresso os poderes necessários para cumprir seu programa de governo. Iria renunciar para causar uma comoção social e levantar o povo contra um Congresso que estava o impedindo de governar e realizar as reformas de base tão importantes para um país em desenvolvimento.

O noticiário com as denúncias de Lacerda caem como uma bomba em Brasília, com a Câmara dos Deputados solicitando esclarecimentos ao então Ministro da Justiça. Mas o governo de Jânio estava tão desacreditado perante as classes políticas, isto em decorrência da anulação da representatividade de deputados, senadores e governadores, que o discurso de Lacerda pareceu condizente com o momento.

E na tarde do dia 25 de agosto, confirmando as denúncias do governador, Jânio Quadros apud Affonso (1988, p. 20) renuncia alegando segundo carta aberta de sua autoria que:

fui vencido pela reação e, assim deixo o governo. Nestes sete meses, cumpri meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções nem rancores. Mas, baldaram-me os meus esforços para conduzir esta Nação pelo caminho da sua verdadeira libertação política e econômica, o único que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito seu generoso Povo. (...) Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim, e me intrigam ou infamam, até com a desculpa da colaboração. Se permanecesse não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas, e indispensáveis ao exercício da minha autoridade. (...)

A maioria no Congresso, formada pela aliança PSD-PTB, prontamente aceitou a renúncia do agora ex-presidente. O presidente da Câmara dos Deputados à época, Ranieri Mazzili, assume a Presidência da República, interinamente (BENEVIDES, 1981). Mas por que o Congresso aceitou de imediato a renúncia?!

Provavelmente, o consenso imediato para aceitar a renúncia foi em decorrência de Jânio despertar tanto medo e incerteza entre os políticos de todos os partidos que estes se sentiram aliviados quando ele entregou o mandato e, mesmo com poucos meses de governo, grupos poderosos dentro do país já estavam preocupados com as atitudes presidenciais. Havia os políticos tradicionais, que estavam preocupados com as investigações sobre a corrupção que o presidente estava promovendo em todos os partidos. Já o funcionalismo público estava se preocupando com o enfoque que Jânio dava no aumento da eficiência no governo. Os industriais e comerciantes temiam os ajustes econômicos e uma possível estagnação da economia com o programa de estabilização. Os intelectuais e líderes trabalhistas não acreditavam na possibilidade da implantação deste programa de estabilização conjuntamente com o desenvolvimento do país. Com relação aos políticos udenistas, eles tinham grandes dúvidas sobre a capacidade de controlar o presidente e suas atitudes. E, por fim, os militares estavam desconfiados de Jânio por conta de sua política externa independente (SKIDMORE, 2010). Todos os setores e classes da sociedade tinham uma queixa contra o governante e

mostravam o desconforto com todas as atitudes tomadas por ele. Tal desconforto chegou ao nível do Congresso e todos os setores acatarem a renúncia sem manifestações que pudessem revogá-la.

Mas, na verdade, o que Jânio pretendia provocar era um quadro acéfalo no governo com seu discurso dramático, baseado na carta de renúncia de Getúlio Vargas nos anos anteriores, e com sua renúncia, no centro de uma crise política e econômica profunda, ser convocado para retornar a presidência com poderes ditatoriais.

A renúncia seria parte de um plano maior, que ao final iria terminar com um golpe de Estado, conforme Affonso (1988, p. 25). O plano de Quadros partia do princípio que após a renúncia iria ocorrer um vazio sucessório, pois o vice presidente João Goulart encontrava-se em missão oficial na China e os militares não permitiriam sua posse diante do medo do comunismo tomar o país, assim como, a esquerda temia que os militares tomassem o poder através de uma junta, deste modo, o Brasil ficaria acéfalo, sem um presidente. Após este quadro na política, Jânio se tornaria a primeira opção para retornar ao governo, mas voltaria dentro de um novo regime institucional, com poderes autoritários e, sem ele, as forças armadas iriam montar um novo regime, entregando-o a um novo “representante do povo” que conduziria o país através de um esquema viável, deste modo, estaria implantada uma reforma institucional. Porém, este plano, que aos olhos de Jânio era perfeito, falhou.

O ex-presidente havia superestimado sua popularidade e a comoção popular esperada não ocorreu, do mesmo modo que não havia nenhum dispositivo sindical que pudesse intervir para paralisar a renúncia, pois este não fez nenhum esforço durante sua campanha ou presidência para que em um provável momento de crise pudesse receber apoio, ao contrário, acabou por afastar todos os grupos importantes. Quadros também superestimou outro elemento: seu vice-presidente João Goulart, pois acreditava que os militares de alta patente com medo de um governo comunista de Jango não iriam aceitar sua posse, assim como não aceitariam a sua renúncia. Eles manifestaram seu desagrado e queriam vetar a volta de Jango ao país para assumir a presidência, mas nesse momento começa no Rio Grande do Sul um movimento liderado por Leonel Brizola a favor da posse do vice-presidente, tal movimento a favor da legalidade política vai tomando força e conquistando novos membros com o passar dos dias, garantindo o retorno de Goulart ao país e sua posse (AFFONSO, 1988). As forças armadas não possuíam a homogeneidade ideológica necessária para impor um veto a posse do vice-presidente, o ideal da legalidade e da democracia ainda era forte dentro do exército e dos

partidos de centro-direita, não permitindo a tomada do governo por militares ou por Quadros e seu ideário de governar com maior autoridade.

O governo Jânio Quadros expressava os desejos e interesses dos setores mais fortes da burguesia, conforme Bandeira (1979, p. 53), devolvendo a São Paulo a hegemonia política nacional, isto como consequência da concentração do capital na cidade. Adaptando o governo e a sua administração as necessidades da burguesia e aos próprios interesses. Mas nesta época as classes médias enfrentavam uma tensão com a ascensão da classe trabalhadora, sendo a saída para a crise, a solução de compromisso, ou seja, a adoção da emenda parlamentarista, ideia que já vigorava na Câmara dos Deputados desde o dia 26 de agosto.

Após todos os conflitos e contradições do governo, inicia-se o período sob o regime Parlamentarista no Brasil, com a presidência de João Goulart submetida aos poderes do Congresso. Um novo presidente e regime de governo, mas velhos problemas a serem solucionados.

2.6 AVALIAÇÃO E SÍNTESE DOS ACONTECIMENTOS POLÍTICOS E ECONÔMICOS