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4. O GOVERNO JOÃO GOULART: PERÍODO PRESIDENCIALISTA

4.2 OS GRUPOS POLÍTICOS E CIVIS

4.2.1 Os movimentos à esquerda

Voltados para a esquerda, na década de 50, sob o ideal das lutas nacionalistas, surgiram diversas organizações que seriam os embriões do Comando Geral dos Trabalhadores, a instituição que iria liderar as lutas sindicais no início da década seguinte. Entre as organizações criadas pode-se citar a Comissão Permanente das Organizações Sindicais (CPOS), fundada em 1958, e o Pacto de Unidade e Ação (PUA), em 1959, com base em Neves (1997, p. 66). Já nos anos 1960, coloca-se que o movimento sindical no Brasil alcançou um dos momentos de maior atividade, lutando conjuntamente com as demais organizações nesta conjuntura de crise. E como enfatiza Rodrigues apud Toledo (1986, p. 73),

o envolvimento dos sindicatos nas lutas políticas tornou mais urgente a necessidade de unificar a ação dos sindicatos cujas direções seguiam a mesma orientação política. Deste modo, na medida em que as disputas ideológicas envolviam o sindicalismo brasileiro, assistiu-se à formação de diferentes organizações de coordenação que agrupavam sindicatos de tendências diferentes.

E é nesta época que surge o Comando Geral de Greves, através dos líderes comunistas e trabalhistas que apoiavam o governo de Goulart, a fim de organizar uma greve geral em julho de 1962, já no mês seguinte foi proposta a transformação do CGG no Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). O CGT esteve envolvido intensamente na política, mantendo alianças sindicais e decretando greves em defesa da continuidade do regime democrático e do governo de Goulart. Propunham, a partir da ideologia nacional-reformista, que o governo se comprometesse com soluções para a estrutura brasileira como: uma reforma agrária radical; reconhecimento dos sindicatos rurais; uma política de habitação popular; uma reforma bancária e eleitoral, com o direito ao voto para os analfabetos, cabos e soldados; a reforma universitária, com uma maior participação dos estudantes nas decisões; o controle dos investimentos externos e das remessas de lucros; dentre outras. Mas estas soluções não poderiam ser viáveis no modelo internacionalizante que predominava no país (NEVES, 1997). Em decorrência de tamanha interferência na política, os líderes do comando eram reconhecidos como interlocutores do presidente da República, tomando a fama de “Quarto Poder”, conforme Toledo (1986, p. 74).

No tocante aos trabalhadores rurais, estes se afirmaram como uma das grandes novidades no final dos anos 50 e início dos 60, sendo atores de grande importância para a cena política da época. Os camponeses que eram expulsos de suas terras de cultivo pelos senhores de engenho no Nordeste, assim como, aqueles que eram expulsos pelo processo de urbanização, começaram a fazer um êxodo em direção as áreas urbanas. Se na década de 1940 a população era distribuída cerca de 30% nos centros urbanos e 70% nas áreas rurais, em quatro décadas, nos anos 1980, essa proporção se inverteu. Mas neste período começam a surgir organizações rurais para discutir e combater esse processo contrário ao trabalhador rural. Foram essas organizações que consolidaram a presença do campesinato na esfera política, tornando-se um grupo com interesses específicos e reconhecidos (GRYNSPAN, 2006), influenciando diretamente as lutas populares e o cenário político turbulento da época.

Com a entrada nos anos 1960, os processos no campo começaram a se acirrar e as lutas se intensificaram, ocorreram ocupações de terras, greves e manifestações nas grandes cidades. As organizações rurais ou, como eram conhecidas, as Ligas Camponesas empunham então a bandeira da reforma agrária, associando-se às demais organizações políticas de todo país que aclamavam pela realização das reformas de base em passeatas, comícios, manifestações e pressões diretas sobre o Congresso. Conjuntamente com as ligas haviam os sindicatos rurais, buscando reforçar a “consciência proletária” dos camponeses, incentivar greves, etc, e logo

aderindo também a luta pela reforma agrária. A Igreja católica, que se fazia presente na área rural bem antes da esquerda, incentivava a ideia de sindicatos rurais democráticos, colocando que os direitos trabalhistas deveriam ser defendidos e condenando qualquer envolvimento com a reforma agrária radical, pois afirmavam que a “propriedade privada é um dos pilares da civilização democrática e cristã”, segundo Toledo (1986, p. 79). E em março do ano de 1963,

foi aprovado pelo Congresso o Estatuto do Trabalhador Rural. O estatuto tornava extensivos ao campo direitos que os trabalhadores urbanos já haviam incorporado décadas antes, como a obrigatoriedade do registro em carteira profissional, salário mínimo, repouso semanal e férias remunerados, entre outros. (GRYNSPAN, 2006)

Neste período as ligas camponesas veem sua representatividade, presença e influência junto aos trabalhadores declinarem, iniciando um processo de isolamento, com o qual contribuía a sindicalização e a radicalização dos ideais. A sindicalização, pois mesmo aqueles grupos internos revolucionários que lutavam pela terra, se opunham ferrenhamente contra os latifundiários e buscando um movimento com autonomia em relação ao Estado, acabaram por se juntar aos sindicatos, pois esta era a forma de organização mais indicada para os assalariados rurais, assim, enfraquecendo as ligas. E a radicalização em decorrência desta gerar um grande temor nos setores mais conservadores da sociedade, fazendo com que os demais grupos e, até mesmo o governo, se afastassem do movimento, segundo Grynspan (2006, p. 71).

Em relação ao movimento estudantil, o terceiro grupo que se intensifica neste período, pode-se colocar que foi a partir de meados da década de 50 que efetivamente começa a politização do meio universitário. Conforme Martins Filho (1997, p. 79), esse processo não procede por influência dos comunistas, mas sim, por uma tendência moderada, para os padrões da época, que era a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Juventude Estudantil Católica (JEC), duas organizações ligadas a Igreja católica com grande influência no universo estudantil.

Estes dois grupos têm grande influência na politização do movimento universitário e, na década de 1960, aparecem como os grandes porta-vozes da classe média na universidade. Em 1961 ocorre o Manifesto do Diretório Central dos Estudantes da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que marca a radicalização dos setores e iria criar a Ação Popular (AP). E é neste mesmo ano que a JUC passa a ser a liderança dos estudantes e seu movimento,

representando a ascensão da esquerda cristã, reivindicando a reforma da universidade e se aproximando do estudante comum, não politizado.

Nos anos de 1961 e 62, a UNE estava comprometida com a reforma universitária e esta era a principal bandeira do movimento, mas as reivindicações vão se radicalizando e postulam, como tarefa política imediata a formação de uma aliança entre os operários, as ligas camponesas e os estudantes. E com base em Ianni (1996) apud Toledo (1989, p. 81),

a aliança com os operários, camponeses, intelectuais progressistas, militares, democratas e outras camadas da vida nacional deve ser incrementada na certeza de que, entrelaçando nossas reivindicações, torná-las-emos infinitamente mais fortes. Esta aliança implica em fazer da reforma agrária bandeira dos estudantes, do mesmo modo que as transformações em nosso ensino possam ser objetiva e subjetivamente aspiração de operários e camponeses; e assim por diante.

Mas o movimento estudantil não era homogêneo, havia em seu interior grupos com diferentes opiniões sobre os caminhos que levavam a radicalização, um dos que divergiam era o grupo católico, e neste período ocorre um distanciamento entre as expectativas dos militantes e do restante dos universitários, então o movimento participa de todo o processo de lutas populares, mas não mais como um movimento de massas, apenas por meio de seus setores militantes, de vanguarda e direção. E em certa medida, o radicalismo da UNE contribuiu para pressionar o governo e a Frente de Mobilização Popular - FMP, da qual fazia parte, para a “esquerda” (MARTINS FILHO, 1997; TOLEDO, 1986).