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CAPÍTULO 1 – CONCEPÇÕES SOBRE MITOS E ARQUÉTIPOS

1.4 MITO E ARQUÉTIPO DO ANDRÓGINO

Etimologicamente, o termo “andrógino” pode ser entendido da seguinte forma: do grego andrós que significa macho + gyné que significa fêmea. Dessa maneira, o andrógino é o ser que carrega características masculinas e femininas (SILVA, 2014). Contudo, a etimologia da palavra “sexo” é composta pelo radical sec, pertencente ao verbo “secare” igual a separar ou cortar. Assim, enquanto para os gregos o ato sexual era pensado de forma engendrada, os latinos o admitiam como juntar o que está separado. Aspectos sobre o mito do andrógino podem ser encontrados tanto na cultura oriental quanto na ocidental. Observando essas culturas em relação à cosmogonia, percebe-se que esta pode ter sofrido influência daquela.

Em Teogonia: a origem dos deuses (2003), o poeta Hesíodo ao narrar a formação das primeiras divindades, evidencia que no princípio existia apenas a terra como unidade androgênica. Posteriormente, ela deu a luz ao céu/Urano, seu oposto. Isso tornou a natureza instável, uma vez que agora Terra e Céu sentiam a falta um do outro, por isso incestuosamente se casaram, constituindo várias divindades, as quais foram personagens de uma saga fabulosa que deu origem aos Titãs e aos deuses (HESÍODO, 2003). Nota-se que a separação da Terra e do Céu pode ser compreendida humanamente como a existência de um princípio masculino e de um feminino, que se completam com o nascimento de um filho.

No Banquete de Platão, escrito por volta de 380 a.C, encontramos particularidades que cercam os mistérios em torno do mito do andrógino no discurso dos participantes. Aristófanes ao discursar sobre o assunto proposto e aceito pelos presentes, o amor, inicialmente o exalta como um deus soberano para, em seguida, falar sobre a natureza humana. Segundo Aristófanes, no início de todas as coisas, os seres humanos possuíam naturezas diferentes, pois havia, além do gênero masculino e feminino, um terceiro. Este carregava traços comuns daqueles. Contudo, tendo a coisa desaparecido, somente restou-lhe denominar andrógino, um nome que se tornou desonrado.

Na representação de Aristófanes a coisa (andrógino) era como a lua, pois esta recebe influência e características do Sol (homem) e da Terra (mulher). Ele ainda explica que a coisa foi criada por Zeus e possuía vários membros inferiores e superiores; ela era forte e inteligente, tanto que se insubordinou contra Zeus. Este, vendo o perigo iminente em mantê-la dessa forma, decidiu cortá-la ao meio, transformando-a em dois, para que caminhassem sobre duas pernas de maneira ereta. No entanto, se não fosse suficiente, novamente as cortaria ao meio deixando- as saltitando sobre uma perna apenas. Por terem sido divididas, as metades da coisa se misturaram e procuraram desesperadamente uma a outra e, ao se reencontrarem, o amor justificou o desejo de permanência delas (PLATÃO, 1991).

Na cultura grega, em Metamorfoses, o poeta Ovídio retrata o andrógino através da junção do deus Hermes/Mercúrio e da deusa Afrodite/Vênus denominando-o “Hermafrodito”. Em uma das lendas escritas pelo poeta, a ninfa Salmácida ficou extremamente apaixonada pelo Hermafrodito e conseguiu permissão dos deuses para continuar junto ao seu amado por toda a eternidade, forjando a natureza masculina e feminina (PREDEBON, 2006).

Observando as lendas mitológicas sobre as divindades primordiais, formuladas pelos gregos, para explicar a criação do universo, ao que parece, elas têm algumas particularidades comuns: estão estreitamente ligadas à questão da androginia, da teogonia e da cosmogonia. Nesse sentido, outras obras artísticas e literárias, escritas ao longo dos séculos, receberam influência das primeiras: na Divina

romance História cômica dos Estados e Impérios do Sol, de Savinien de Cyrano de Bergerac; no Tratado de Narciso, de André Gide; nos romances de Balzac; em À

Procura do Tempo Perdido de Proust e em Os Meteoros, de Michel Tournier7.

Ainda podemos citar o livro Diálogos de amor, escrito pelo filósofo neoplatônico Leão Hebreu, em 1536. Tavares (2011), que realizou um estudo analítico sobe a obra, salienta que Hebreu afirma que a narrativa bíblica sobre a criação apresenta lacunas, por isso sustenta a tese de uma interpretação esotérica em que Deus teria criado o homem de forma andrógina. Entretanto, após o acometimento do pecado, foi separado masculino e feminino como forma de punição. Essa vertente tem um paralelo com a versão de Aristófanes sobre o mito grego do andrógino.

Schopenhauer (2000), em Metafísica do amor Metafísica da morte, fala que os gregos trataram as questões ligadas ao amor de forma muito abstrata. Por isso o descreveram por meio de fábulas e mitos. Contudo, o filósofo assinala que o amor é algo bem concreto, porque está enraizado na natureza humana ou naquilo que se pode chamar de sexo. Sendo assim, o que justifica a aproximação de duas pessoas de sexo oposto dizendo-se apaixonadas? Para Schopenhauer, dentre os muitos motivos que se poderia levantar, a concretização do filho seria a central, ou seja, a perpetuação da espécie. Na mitologia grega, bem como na visão do filósofo, o filho seria o resultado das características masculina e feminina dispostas na separação do andrógino. Ele ainda argumenta que a perpetuação das espécies ocorre inconscientemente quando um casal se aproxima. Na verdade, esse fato é encoberto pela paixão amorosa que se estabelece como o cerne principal: a vontade da natureza pela reprodução da espécie humana transforma-se em vontade do amor e da paixão. Ele admite uma perfeição natural tão acirrada que, aversões, como a homossexualidade, que não permitem a procriação podem enfraquecer a espécie humana.

7 D’ ONOFRIO, Salvatore. Dicionário de Cultura básica. Acervo digital da UNESP. Disponível em: http://followscience.com/content/511176/sumario-acervo-digital-da-unesp. Acesso em: 30 de setembro de 2014.